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O paradoxo da Coreia do Norte: por que não há boas opções

15.abr.2017 - Mísseis são exibidos durante desfile militar em Pyongyang, na Coreia do Norte, para celebrar o 105º aniversário de nascimento de Kim Il-sung, avô do atual ditador Kim Jong-un - Wong Maye-E/ AP
15.abr.2017 - Mísseis são exibidos durante desfile militar em Pyongyang, na Coreia do Norte, para celebrar o 105º aniversário de nascimento de Kim Il-sung, avô do atual ditador Kim Jong-un Imagem: Wong Maye-E/ AP

Max Fisher

19/04/2017 04h00

Um país pequeno e pobre, que enfrenta adversários muito mais fortes e a constante ameaça de seu próprio colapso, a Coreia do Norte não pareceria um desafiante provável de quatro presidentes americanos consecutivos.

No entanto, é exatamente essa fraqueza, segundo analistas, juntamente com a história do país e sua dinâmica interna, o que leva seus líderes a prosseguirem com seus programas nuclear e de mísseis por virtualmente nenhum custo --e que rouba do mundo quase toda opção de limitá-los.

Esses fatores, quando vistos juntos, mostram por que Barack Obama advertiu o presidente Donald Trump de que a Coreia do Norte seria sua mais séria ameaça externa --e por que se mostrou tão difícil encontrar uma solução.

O vice-presidente Mike Pence, falando na Coreia do Sul na segunda-feira (17), citou a "força" de Trump e sua disposição a usá-la, advertindo: "É melhor a Coreia do Norte não testar a decisão dele".

Mas Trump pode achar que a Coreia do Norte é movida por dinâmicas mais complexas, que não podem ser resolvidas só com força ou ameaças.

Quando a paz é mais arriscada

Os programas de nuclear e de mísseis da Coreia do Norte são vitais para uma estratégia destinada a afastar uma ameaça maior que qualquer adversário estrangeiro: o solapamento do sistema norte-coreano.

Durante grande parte da Guerra Fria, as Coreias do Norte e do Sul tinham níveis comparáveis de desenvolvimento econômico e político. As duas podiam reivindicar, pelo menos internamente, ser o governo de direito do povo coreano, que havia sido separado temporariamente.

Mas nos anos 1990 o Sul tinha uma economia pujante e uma democracia florescente. Os governos comunistas no mundo inteiro estavam caindo, e parecia provável que a Coreia do Norte os seguiria.

Kim Jong-il, o líder na época, respondeu com a política de "Songun", ou os militares primeiro, o que levou o país a se preparar para uma guerra que se dizia estar próxima.

Essa política tentava explicar a escassez e o racionamento no país como necessários para manter suas imensas forças militares, para justificar a opressão como necessária para erradicar inimigos internos e invocar o nacionalismo que muitas vezes surge durante períodos de guerra.

B. R. Myers, um estudioso da Coreia do Norte na Universidade Dongseo, na Coreia do Sul, escreveu em um livro de 2010 sobre a ideologia norte-coreana: "É a consciência pelo regime de uma iminente crise de legitimidade, e não o medo de um ataque de fora, o que o faz agir de modo cada vez mais provocativo no cenário mundial".

Hoje, o país e o governo parecem estáveis. Mas isso teve um custo: um estado permanente de quase guerra para afastar as forças da história que, de outro modo, destruiriam a Coreia do Norte. Nem ameaças nem concessões do exterior se mostraram capazes de superar esse cálculo.

Coreia do Norte exibe arsenal durante desfile em Pyongyang

Reuters

Estado constante de quase guerra

A guerra da Coreia, que nunca foi oficialmente resolvida, ficou por muito tempo num impasse entre as superpotências da guerra fria. Quando a proteção soviética terminou, a Coreia do Norte tornou-se repentinamente vulnerável em relação aos EUA e seus aliados, vastamente mais poderosos.

Kim, incapaz de buscar a paz sem pôr em risco uma unificação no estilo da Alemanha, que submeteria o Norte ao domínio do Sul, tentou fazer que uma potencial guerra fosse cara demais de se pensar.

Testes de mísseis e nucleares, juntamente com o que parece ter sido uma proposital aparência de irracionalidade, colocam o ônus de administrar as tensões nos inimigos da Coreia do Norte.

Em princípio, na opinião de analistas, os programas de armas se destinavam a um dia ser negociados em uma grande barganha com os EUA.

Mas cada rodada de provocação, deliberadamente aumentando o risco de guerra, tornava os programas de armas não apenas simbolicamente úteis, mas estrategicamente necessários.

Depois de impor tais ameaças a seus vizinhos, seria difícil a Coreia do Norte abandonar esses programas sem compreensivelmente temer um ataque. O desarmamento, nessa visão, seria um convite à aniquilação.

Desejo de grandes riscos

O cálculo político da Coreia do Norte, segundo analistas, a conduz a um objetivo específico: um programa suficientemente poderoso para sobreviver a uma guerra total com os EUA.

Estados muito mais poderosos, como a Rússia ou a China, dedicam bilhões em gastos e décadas de pesquisas a metas semelhantes. A pequena e pobre Coreia do Norte, incapaz de equiparar-se a suas capacidades, compensou com uma disposição a aceitar níveis extremos de risco.

Seu plano, creem os analistas, é deter qualquer invasão pelos EUA lançando ataques nucleares aos portos e campos de pouso no Sul, por onde as tropas entrariam na península. Então ameaçaria lançar mísseis intercontinentais com ogivas nucleares (capacidade que ainda não possui, mas está desenvolvendo) contra importantes cidades americanas, forçando os EUA a cederem.

Ao se aproximar da linha dessa guerra, a Coreia do Norte também pode coagir seus adversários em tempo de paz.

Denny Roy, um cientista político que estuda questões de segurança na Ásia, disse-me no último outono que a Coreia do Norte "emprega intencionalmente uma posição de aparente aceitação do risco extremo e disposição a entrar em guerra como um meio de tentar intimidar seus adversários".

Isso coloca o mundo em um dilema: como uma ameaça externa poderia superar o risco que a própria Coreia do Norte já assume? Como poderia qualquer concessão remover a fraqueza norte-coreana que conduz o seu comportamento?

A força relativa dos EUA também é, paradoxalmente, uma fraqueza. A Coreia do Norte sabe que sucumbiria rapidamente a um ataque total dos EUA, o que torna sua única opção escalar para ataques nucleares quase imediatamente após o início de um conflito.

A Coreia do Norte também teme que os EUA possam tentar depor seu governo em ataques rápidos contra a liderança, ameaça que tenta afastar com repetidas advertências de uma resposta nuclear.

Dessa maneira, a fraqueza norte-coreana restringe as opções dos EUA. Ataques punitivos, que de outro modo poderiam ser usados para punir o país, ou ataques destinados a degradar os programas de mísseis ou nucleares, correriam o risco de instigar na Coreia do Norte o medo de um ataque total, levando a um conflito nuclear.

O governo Nixon enfrentou esse problema em 1969, quando a Coreia do Norte derrubou um avião da Marinha americana, matando 31 pessoas. Apesar de o presidente estar disposto a bombardear o Camboja e o Laos e ter proposto usar armas nucleares no Vietnã, ele concluiu que até uma retaliação simbólica contra a Coreia do Norte seria arriscada demais.

Tolerância à dor

O Irã foi convencido a desistir da maior parte de seu programa nuclear por sanções, o que colocou o governo sob pressão interna dos cidadãos, que odiavam seu isolamento e pobreza, e das elites, que previam grandes ganhos com a suspensão das sanções.

Mas a Coreia do Norte se mostrou muito mais capaz que o Irã de suportar a devastação econômica.

Nos anos 1990, a Coreia do Norte foi mergulhada em uma penúria que matou cerca de 10% da população. Mas ela não sucumbiu à convulsão interna nem tentou encerrar a crise abrindo-se para o mundo exterior.

A fome, escreveu Myers, "pode ter reforçado o apoio ao regime ao renovar o senso de vítimas étnicas do qual a visão de mundo oficial extraía sua paixão".

É por isso que alguns analistas duvidam de que até as sanções mais extremas, incluindo talvez as impostas pela China, pudessem modificar o cálculo político da Coreia do Norte.

Desde a crise de fome, embora a economia do Norte tenha se tornado mais dependente das importações chinesas, o país reformou o sistema alimentar. Ele reagiu às antigas sanções chinesas com provocações, como se desafiasse Pequim a testar o regime.

Capacidade além de remoção

Alguns Estados vilões armados, como o Iraque sob Saddam Hussein, contam com tecnologia ou assistência importada. Os programas da Coreia do Norte, porém, parecem amplamente nativos.

Isso significa que, embora locais específicos possam ser fechados ou armas removidas por um potencial acordo ou conjunto de ataques, o conhecimento para reconstituí-los pode estar lá para valer.

Se a Coreia do Norte continua inclinada a adquirir um míssil balístico intercontinental com capacidade nuclear, obviamente nenhuma ação aquém de uma guerra total poderia desviar completamente esse impulso. Os ciberataques, por exemplo, só podem reduzir a velocidade de seu progresso.

A Coreia do Norte teria mísseis e foguetes de curto e médio alcance escondidos pelo país. Ataques para destruir rapidamente essas armas, segundo analistas, dificilmente teriam sucesso antes que o país pudesse lançar pelo menos alguns.

Seul, a capital sul-coreana, com 25 milhões de habitantes, seria um alvo provável. Qualquer plano de ataque, seja para desarmar a Coreia do Norte ou para puni-la, teria de perguntar se esse era um risco aceitável.

Acordo de alto custo

Qualquer acordo que a Coreia do Norte poderia considerar minimamente aceitável teria um custo enorme para os EUA e seus aliados. A Coreia do Norte provavelmente exigiria:

- Um reconhecimento tácito do direito do país a manter seus programas existentes.

- Uma declaração de que os EUA consideram o governo norte-coreano legítimo e não tentariam derrubá-lo.

- O levantamento das sanções.

- A retirada ou redução do envolvimento militar americano na Coreia do Sul.

"Eles querem ver o fim dessa aliança ", disse Joshua Pollack, editor da "Nonproliferation Review", sugerindo que a Coreia do Norte se inspirou no modo como os EUA romperam com Taiwan para normalizar as relações com a China na década de 1970.

Pollack enfatizou que a Coreia do Norte provavelmente viu isso como um objetivo de longo prazo a ser conquistado durante muitos anos, em vez de algo a exigir imediatamente e de uma vez.

Ainda assim, disse ele, a Coreia do Norte poderá ver isso como o único caminho para reduzir a ameaça existencial que seu programa de armas pretende conter.

Uma retirada parcial ou total dos EUA correria o risco de pôr em crise o relacionamento americano com a Coreia do Sul e com o Japão, empoderando a Coreia do Norte e enfraquecendo a influência dos EUA na Ásia.

Mesmo que um presidente considere esses custos válidos, poderia achar insuperável a política desse acordo.

Com o passar do tempo, dizem os analistas, os riscos só crescem.

"Se o atual ciclo de ação e reação continuar", escreveu em um resumo de política recente o diretor-executivo da Associação de Controle de Armas, "ele não apenas diminuirá a perspectiva de desnuclearização da península da Coreia, como aumentará o risco de uma guerra nuclear devastadora".

John Bolton, embaixador do governo Bush na ONU, disse à Fox News nesta semana que o "único modo de encerrar o programa de armas nucleares da Coreia do Norte é encerrar a Coreia do Norte", provocando o colapso total do governo.

Perguntado se concordava com isso, Pollack em princípio rejeitou Bolton como um linha-dura", dizendo que uma guerra ameaçaria a devastação nuclear, mas então admitiu que a avaliação da determinação da Coreia do Norte provavelmente está correta.

"Eles não vão abandonar essa coisa", disse Pollack.