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Mais uma promessa de Trump de fazer o que ninguém mais pode

15.nov.2017 - O presidente dos EUA, Donald Trump (esq.), e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un - Reuters e KCNA
15.nov.2017 - O presidente dos EUA, Donald Trump (esq.), e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un Imagem: Reuters e KCNA

Peter Baker

Em Washington (EUA)

09/03/2018 13h15

Quando o establishment político lhe disse que deveria conversar com a Coreia do Norte, o presidente Donald Trump desdenhou da ideia. "Presidentes e seus administradores têm falado com a Coreia do Norte há 25 anos" e se fizeram de "bobos", escarneceu Trump, e então brandiu seu sabre. "Desculpem, mas só uma coisa vai funcionar!"

Cinco meses depois, o presidente pôs de lado o ceticismo e concordou em conversar com a Coreia do Norte, sem qualquer promessa de sucesso além da que tinham seus antecessores de pôr fim aos programas nuclear e de mísseis norte-coreanos. A principal diferença desta vez é quem fará a negociação para os EUA: Donald Trump.

Chocante, mas de certo modo não surpreendente, a decisão de Trump de fazer o que nenhum outro presidente em exercício fez e se encontrar pessoalmente com um líder norte-coreano reflete uma visão audaciosa e extremamente autoconfiante das relações internacionais. Seja a paz no Oriente Médio ou os acordos comerciais, Trump afirmou repetidamente que pode conseguir, com a força de sua personalidade, o que nenhum outro ocupante do cargo alcançou.

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Até agora, ele tem pouco a mostrar nesse sentido; ainda precisa negociar com êxito algum novo tratado comercial ou renegociar antigos. Uma solução entre Israel e os palestinos, que certa vez ele disse que "talvez não seja tão difícil quanto as pessoas pensavam", parece mais distante do que quando ele tomou posse. Além de ameaçar "fogo e fúria", Trump não ofereceu uma fórmula original que indique um caminho para destrinchar o quebra-cabeça norte-coreano.

16.set.2017 - O líder norte-coreano Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12  - KCNA via Reuters - KCNA via Reuters
16.set.2017 - O líder norte-coreano Kim Jong-un observa o lançamento do míssil Hwasong-12
Imagem: KCNA via Reuters
Mas em sua tendência à imprevisibilidade, sua disponibilidade a mudar de repente e sua ideia de que só ele pode tomar decisões importantes, Trump poderá encontrar um espírito semelhante no homem que se sentará do outro lado da mesa: Kim Jong Un, da Coreia do Norte.

"De certa forma há uma simetria", disse Wendy Sherman, uma antiga diplomata que fez parte de uma delegação histórica a Pyongyang, a capital norte-coreana, sob o presidente Bill Clinton e mais tarde negociou o acordo nuclear com o Irã para o presidente Barack Obama. "Você tem dois líderes que acreditam fundamentalmente que são as únicas pessoas que importam."

Outros presidentes deixaram as negociações com a Coreia do Norte para autoridades menos graduadas porque não queriam dar a Pyongyang o prestígio de tal reunião, a menos que houvesse uma garantia substancial de avanço. Eles temiam que um encontro mal preparado que resultasse em fracasso seria contraproducente.

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Clinton pensou em ir a Pyongyang nos meses finais de sua presidência, mas afinal optou por não ir, em parte por causa da recontagem de votos na Flórida que dominou o período pós-eleitoral em 2000 e em parte porque ele calculou que tinha uma chance melhor de forjar um acordo entre Israel e os palestinos no tempo que lhe restava. Ele não conseguiu isso tampouco, mas depois de deixar o cargo foi à Coreia do Norte para trazer de volta dois americanos que estavam presos.

A diplomacia é um positivo, disse Sherman. "Mas esta é uma diplomacia que tem de ser preparada. É por isso que Bill Clinton não abandonou tudo e foi para Pyongyang." Ela acrescentou: "Esse é um negócio muito sério. Não é um reality show. Nossa segurança nacional está em jogo".

Enquanto a pressão econômica do presidente pode tê-lo levado até a mesa, Kim fez poucas concessões para conseguir uma reunião com Trump. O líder norte-coreano concordou em suspender os testes nucleares e de mísseis por enquanto, mas após um ano de testes acelerados talvez eles não sejam mais necessários para o desenvolvimento do programa. E ele aceitou os exercícios militares de rotina entre os EUA e a Coreia do Sul, que geralmente provocam sua ira.

"Não posso imaginar outro presidente fazendo isto com base nos comentários gerais transmitidos a Kim Jong Un", disse Christopher Hill, que negociou com a Coreia do Norte para o presidente George W. Bush. "A questão é se Trump irá em frente sem sinais claros de que os norte-coreanos estão a caminho da desnuclearização."

Ativistas protestam contra as ameças militares do presidente americano, Donald Trump, contra a Coreia do Norte, em Nova York - Drew Angerer/AFP - Drew Angerer/AFP
Ativistas protestam contra as ameças militares do presidente americano, Donald Trump, contra a Coreia do Norte, em Nova York
Imagem: Drew Angerer/AFP
Entre os que se surpreenderam com a decisão do presidente americano de se encontrar com Kim estão alguns de seus assessores. "Em termos de um diálogo direto com os EUA, você quer negociações, e estamos a uma longa distância de negociações", disse o secretário de Estado, Rex Tillerson, a repórteres que viajavam com ele na África horas antes do anúncio de surpresa feito pela Casa Branca.

Mas o presidente já flertava com a ideia de encontrar Kim, e James Carafano, um estudioso de segurança nacional na Fundação Heritage, disse que era totalmente previsível que Trump gostaria de tratar pessoalmente do caso.

"Trump na verdade tem um bom histórico de conversas com outros líderes", disse Carafano. "Devemos deixar para trás essa coisa de que ele vai ser idiota. Ele já se reuniu com dezenas de líderes mundiais. Na verdade é nisso que ele brilha, encontrando-se com outros líderes e parecendo muito presidencial. O fato de ele querer olhar o sujeito nos olhos é muito trumpiano."

De fato, Trump tem sido muito mais favorável a lidar diretamente com líderes estrangeiros que Obama, um interlocutor prático que forjou relações que mudaram suas opiniões e políticas, como com o presidente Xi Jinping, da China.

Carafano disse que Trump, o primeiro presidente que nunca serviu no governo ou como militar, não está ligado a crenças antiquadas e se dispõe a pensar fora da caixa. Ele citou a decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, medida que presidentes democratas e republicanos temeram tomar. Embora isso tenha atraído fortes protestos dos palestinos, disse Carafano, o mundo não acabou.

Mas Carafano advertiu contra esperar um avanço se a reunião com Kim ocorrer. "A probabilidade de ele realmente negociar alguma coisa é incrivelmente pequena", disse ele. Mas a disposição do presidente a dialogar afasta as advertências dos críticos de que Trump rumava inevitavelmente para a guerra com a Coreia do Norte por meio de suas mensagens beligerantes. "Nossa política não está em uma rota inevitável para a Terceira Guerra Mundial."

Mas os críticos continuam em dúvida. Embora eles tenham pedido que Trump tentasse a diplomacia, muitos disseram que isso não significava que ele devesse fazê-lo pessoalmente, e advertiram que o presidente não parecia ter um plano bem pensado do que ele poderia alcançar de maneira razoável e como o faria. Diante das repetidas críticas de Trump ao acordo de Obama sobre o Irã --e um prazo iminente para decidir se deve anulá-lo--, o presidente seria pressionado a aceitar qualquer acordo com a Coreia do Norte que não preenchesse suas condições.

O presidente dos EUA, Donald Trump, acompanhado de seu então secretário de Segurança Nacional (DHS), o general John Kelly, em fevereiro de 2017 - Evan Vucci/AP Photo - Evan Vucci/AP Photo
O presidente dos EUA, Donald Trump, acompanhado de seu então secretário de Segurança Nacional (DHS), o general John Kelly, em fevereiro de 2017
Imagem: Evan Vucci/AP Photo
"Trump se considera um mestre da negociação, mas não é especialmente bom nisso", disse Colin Kahl, ex-autoridade de segurança nacional no governo Obama. "Ele não é atencioso ou imbuído do tipo de detalhes necessários para esse tipo de diplomacia. Ele tende à manipulação e à lisonja. Muitas vezes faz ameaças que não cumpre, e promessas que não pode ou não quer cumprir. E com frequência atira aliados para baixo do ônibus. Essa não é uma receita de sucesso, e as apostas não poderiam ser mais altas."

Mas os assessores do presidente disseram que ele estava cheio de surpresas e não deve ser menosprezado. Embora comentando que esta seria uma reunião, e não uma negociação, uma autoridade graduada, que pediu para manter o anonimato, disse que Trump foi eleito em parte porque se dispôs a adotar abordagens diferentes de outros presidentes, uma característica melhor exemplificada por sua política para a Coreia do Norte.

Kim é o senhor indiscutível de seu sistema totalitário, disse a autoridade, por isso faz sentido aceitar um convite para se encontrar com a única pessoa que realmente pode tomar decisões, em vez de repetir o lento caminhar do passado.

A verdade questão, portanto, é se os únicos dois líderes que podem tomar decisões poderão tomar uma juntos.