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Descarte de telhas e caixas d'água esconde perigo do amianto, diz médico

Trabalhador mostra lascas de amianto bruto; mineral é considerado potencialmente cancerígeno pela OMS - Juca Varella/25.mar.2004/Folhapress
Trabalhador mostra lascas de amianto bruto; mineral é considerado potencialmente cancerígeno pela OMS Imagem: Juca Varella/25.mar.2004/Folhapress

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

08/11/2012 07h00

Há alguns meses, o telhado do prédio em que o aposentado Clelio Toffoli vive em Curitiba, no Paraná, precisou ser trocado. A pedido dos moradores, foram compradas telhas sem amianto. Mas, na hora de descartar as antigas, que continham asbestos, os operários contratados pelo condomínio simplesmente optaram por estilhaçá-las ainda dentro do prédio, para facilitar o transporte.

"Eu e outros moradores ainda os alertamos sobre o risco, mas eles nem deram bola. Responderam que sempre fizeram assim e nunca sentiram nenhum problema de saúde", relembra Toffoli.

No meio da poeira liberada no edifício, havia milhões de pedaços de fibras de amianto, fartamente inalados por trabalhadores e moradores, explica o médico Elver Andrade Moronte, do MPT-PR (Ministério Público do Trabalho do Paraná).

"Lamentavelmente, convivemos no Brasil com a banalização do risco trazido pelo amianto. Na Europa, a remoção de amianto de edifícios é quase uma operação de guerra. Os prédios são evacuados, e os resquícios são plastificados, tudo para evitar que contaminem pessoas", diz o médico que estuda os danos causados à saúde pelos asbestos.

"Ainda não temos uma lei que regulamente a retirada de resíduos de amianto de obras. Há apenas uma resolução do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], que determina que o material deve ser levado para aterro de lixo perigoso. Mas, na prática, eles são descartados em caçambas comuns”, completa a gerente do Programa Estadual paulista do Amianto do Ministério da Saúde, Fernanda Giannasi, que fundou uma organização que reúne vítimas de doenças causadas pelos asbestos. "Embora, em São Paulo, alguns caçambeiros já se recusam a recolher [amianto] por saber que podem ter problemas na hora de descartar."

"Enquanto os municípios não se responsabilizarem por recolher [amianto] de pequenas obras, seguiremos assistindo o material ser descartado de qualquer jeito. Faltam políticas públicas”, lamenta ela. "O poder público precisará encarar o problema ambiental. Há telhas quebradas e pó de amianto em toda parte. Tenho uma coleção de fotos, renovada diariamente, que comprova o descaso", fala Moronte.

Catástrofe sanitária

Dossiê do senado francês classificou de "catástrofe sanitária do século" as doenças causadas pelo uso do amianto na reconstrução do país, após a Segunda Guerra Mundial. No país europeu, a Justiça processa funcionários públicos que atuaram até os anos 1990, acusados de negligência na prevenção da exposição aos asbestos.

O suíço Stephan Schmidheiny, fundador e presidente honorário do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, passou pelo constrangimento de ser considerado "persona non grata" na Conferência Rio +20, em julho deste ano, por seu descaso com o assunto. Fundadores e ex-proprietários da Eternit na Europa, ele e o barão belga Louis de Cartier de Marchienne foram condenados na Itália a 16 anos de prisão e a pagar 95 milhões de euros em indenizações a vítimas do amianto – os dois recorrem em liberdade.

A presidente-executiva do IBC (Instituto Brasileiro do Crisotila), Marina Julia de Aquino, não vê que o mesmo possa ocorrer com fabricantes brasileiros de fibrocimento. "A empresa brasileira é uma marca que não tem nenhuma relação com a italiana. Na Europa, houve muitos doentes porque lá se usou em larga escala o amianto anfibólio, que também foi importado para o Brasil até o final dos anos 1970. E de outra forma: aplicava-se amianto jateado nas paredes, e não em fibrocimento. Nossa realidade não tem nada a ver com a europeia", sustenta.

O uso de qualquer forma de asbestos está proibido em 66 países, incluindo os EUA, toda a União Europeia e algumas nações sul-americanas, como Argentina, Uruguai e Chile. Caso particular é o do Canadá, que, embora restrinja severamente o uso de amianto, é um dos principais exportadores mundiais de crisotila.

Reportagem da britânica BBC revela que o país embarcou, em 2009, quase 153 mil toneladas de amianto – mais da metade foi para a Índia e o restante, para nações como Indonésia, Tailândia, México, Sri Lanka, Paquistão e Emirados Árabes. Na contrapartida, os canadenses consumiram apenas 6.000 toneladas do mineral em 2006, último ano em que há registros de consumo interno.

Marina tem uma explicação para o fim do uso no Canadá. "O amianto é usado, basicamente, em telhas baratas, para população pobre, de baixa renda. Você acha que a Europa precisa disso? É por isso que países subdesenvolvidos usam mais amianto, pois não há alternativa com a durabilidade e o preço dele."