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Brasil precisa aprender com os EUA que futebol é um negócio

Especial para o UOL

02/09/2014 06h00

Quando falamos as palavras Brasil e futebol, o que vem em sua cabeça?

Antes da Copa talvez fosse: vencer, talento, orgulho, pentacampeonato, dentre outros significados construídos em nosso inconsciente por anos de história. No entanto, após o famigerado 7 a 1, uma mistura de sentimentos, como vergonha, fiasco, raiva, reestruturação, questionamento etc., passou a povoar os pensamentos dos brasileiros.

Comportamento que a psicologia pode nos ajudar a classificar em situações que geram um forte trauma, os chamados transtornos de estresse pós-traumáticos (TEPT), definição criada nos anos 1980 e incluída no sistema de diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria, com os seguintes sintomas: pesadelos e lembranças espontâneas, involuntárias e recorrentes (flashbacks) do evento traumático, distanciamento emocional, diminuição da afetividade e pessimismo quanto ao futuro. Hiperexcitabilidade psíquica.

Não sou psiquiatra e tampouco quero me aprofundar no tema mas, como leigo e curioso, sei que somos capazes de superar esse trauma e, melhor, aprendermos a torná-lo alicerce para uma potencial mudança no futuro do futebol brasileiro. Como? Que tal tentarmos aprender com outro fenômeno desta Copa?

Experiência norte-americana

Dessa vez pergunto: o que lhe vem imediatamente em mente quando misturamos as palavras EUA e futebol?

Antes da Copa, provavelmente, seria: bola oval, capacetes e equipamentos de segurança, um exército de brutamontes e regras que não entendemos muito bem. Porém, depois do Mundial parece que o mundo inteiro passou a prestar atenção no que chamam de soccer na terra do Tio Sam - o nosso futebol.

Assim como na Copa da África do Sul, no Brasil os norte-americanos foram os maiores compradores internacionais de ingressos. Mais de 200 mil ianques desembarcaram e lotaram nossos estádios enquanto nos EUA lotavam ruas, praças, bares e estádios para assistirem, por telões, aos jogos de sua seleção. Na TV, as partidas superaram as audiências das finais da NBA e do beisebol. Um fenômeno sem precedentes que o mundo ainda tenta explicar.

Finalmente, o maior esporte do mundo invadiu o maior mercado de marketing esportivo do planeta.

Dentro de campo a seleção americana vem construindo seu respeito. São sete participações consecutivas em Copas, chegando, no mínimo, até as oitavas de final em seis delas. Resultado que, no mesmo período, não foi alcançado por seleções badaladas, como Inglaterra, Portugal e Uruguai.

Mas esse furor pelo futebol não acontece somente de 4 em 4 anos. Em 2009 conheci melhor o dia a dia do esporte no país e me dei conta deste fenômeno. Foi quando decidi investir no futebol nos EUA antes mesmo dele ser percebido pelo grande público, o que, por essa razão, pareceu-me uma excelente oportunidade de negócios.

Por meio de pesquisas pude confirmar minhas primeiras impressões. Algumas apontavam o futebol já como o esporte mais praticado por lá, com mais de 20 milhões de pessoas ativas. Não por acaso, os EUA são o país número um em venda de chuteiras e caneleiras das duas maiores marcas de material esportivo do mundo.

Aumento de público

A Major League Soccer (MLS), principal liga dos EUA e Canadá, já é a competição com o maior crescimento do mundo. Tem um público nos estádios 50% maior que o Campeonato Brasileiro, 350% maior que a média de público do Campeonato Paulista e 800% maior que a média do Campeonato Carioca.

O Seattle Sounders, clube que já integra a MLS, por exemplo, manteve média de 43 mil torcedores por jogo durante a temporada de 2013 - 50% mais que a média de público do Corinthians no mesmo ano, sendo o alvinegro o time de maior média de público do Brasil.

Nos EUA, o futebol já é o segundo esporte favorito de jovens até 24 anos e o primeiro esporte do público latino, que representa mais de 50 milhões de habitantes nos país (cinco vezes a população de Portugal).

Durante a Copa deste ano, o Orlando City, clube que comprei no início de 2013, contratou e apresentou o Kaká. Na data, quase 12 mil pessoas lotaram as ruas da cidade para recebê-lo, enquanto gritavam, pulavam e cantavam como verdadeiros fãs do futebol.

Mas, afinal, o que o futebol brasileiro pode aprender no divã do Tio Sam? As tentativas iniciais de implantar o futebol nos EUA fracassaram, mas deixaram seu legado no número de praticantes do esporte no país.

Hoje, após quase 18 anos da fundação da MLS, em 1996, o futebol ressurge com toda força e, dessa vez, respeitando uma boa e velha fórmula vencedora para empreender no esporte, usada pelas ligas de basquete, beisebol e futebol americano: na terra do Tio Sam, esporte não é objeto político, não é parte de uma instituição sem fins lucrativos e nem administrado de forma amadora e sem responsabilidade fiscal.

Clubes têm donos

Alguns dos bilionários americanos que são os maiores investidores do esporte respondem com seu patrimônio pessoal pela administração de seus clubes. Eles injetam milhões em investimentos para a construção de estádios e lucram com os clubes que foram capazes de formatar.

Na outra ponta, no maior mercado de marketing esportivo do mundo, as empresas ganham – e muito - com a associação de suas marcas aos clubes que movimentam milhares de fãs por todo o país.

Fãs que, por sua vez, são beneficiados com um espetáculo dentro de estádios e quadras modernos, seguros e com uma excelente infraestrutura. Esporte é um programa de fim de semana para as famílias americanas.

Em outras palavras, esporte nos EUA é um negócio e, diga-se de passagem, um negócio bilionário. Basta observar os números da recente venda do Los Angeles Clippers, clube da NBA. Steve Ballmer, ex-presidente executivo da Microsoft, tornou-se dono do clube por uma bagatela de US$ 2 bilhões.

E, de olho na expansão do futebol nos EUA, empresários estrangeiros como eu investem pesado na implantação de um clube na MLS e em seus respectivos estádios.

Dentre os nomes que chegam à MLS está ainda o astro do futebol inglês David Beckham, proprietário do clube de Miami e xeque Mansour, atual proprietário do Manchester City e do New York City, que estreia na MLS também em 2015 com um time reforçado por Frank Lampard e David Villa.

Esse movimento também é um forte gerador de empregos e arrecadação de impostos. Em Orlando, por exemplo, a prefeitura e o condado apostaram no projeto a fim de atrair mais turistas. Principalmente os brasileiros, que estão entre os que mais consomem.

A previsão é que nos próximos 30 anos o futebol gere, somente em arrecadação de impostos em Orlando, cerca de US$ 1,2 bilhão. Somado a isso, o Orlando City Soccer desenvolve vários programas sociais junto à comunidade, utilizando o futebol como ferramenta de inclusão e incentivo a educação.

Enquanto convivermos com naturalidade com clubes sem fins lucrativos - assim estão estruturados os detentores das maiores torcidas no Brasil -, ao mesmo tempo em que jogadores ganham salários milionários e dirigentes fazem "trabalho voluntário", sem receberem salário, teremos que conviver com uma infinidade de conflitos de interesses e enormes contradições, isso em meio a um cenário com pouquíssima transparência.

Panorama esse que espanta empreendedores como eu e muitos outros que adorariam investir no futebol brasileiro. Seria um formato em que todos poderiam lucrar: investidores, marcas, TV e, principalmente, o torcedor. Os fãs teriam acesso a excelentes espetáculos protagonizados por seus ídolos, que teriam muitas razões, inclusive financeiras, para permanecerem no Brasil.

Penso que no divã do Tio Sam, o que temos a aprender é que uma grande empresa precisa ser administrada por profissionais e pessoas que respondam com o seu patrimônio pessoal pelos resultados, bons ou ruins, de sua administração.

Estranhamente, muitos não gostam da ideia de alguém - que correu enormes riscos e investiu o seu próprio capital - lucrar num clube, mas convivem passivamente com a ideia de um dirigente herdar dívidas milionárias de um mandato anterior sem que houvesse sequer um único responsável para pagar a conta.

Quanto a essa estranha preferência, nem Freud explica.

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