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Conciliar trabalho e família é mais tranquilo para os pais do que para as mães

Especial para o UOL

01/11/2014 06h00

Muito se discute a importância da primeira infância para a vida futura das crianças: educação de qualidade, a presença dos pais, suas influências e muito mais. Entretanto, nessas discussões, as mães ainda são as grandes responsáveis pela parte mais pesada dos cuidados. E quando nós, como sociedade, debatemos como combinar melhor trabalho e família, tendemos a focar exclusivamente nelas, as mães. 

Mas é igualmente importante incluir nesse debate os pais. O Brasil é um dos países que mais utiliza trabalhadoras domésticas como forma de conciliar a vida no trabalho e as responsabilidades familiares. Mas esta ajuda terceirizada é privilegio das classes média e alta. 

O que dizer sobre a vasta maioria dos pais brasileiros que não pertencem às classes A e B? Recentemente, conduzimos um estudo para entender como a presença de crianças com menos de 6 anos de idade interfere positiva ou negativamente na vida profissional e pessoal de pais e mães das classes sociais C, D e E no município de São Paulo. Por meio desse estudo, financiado pela Fapesp, entrevistamos 700 pais e mães em bairros com renda familiar média de R$ 1,5 mil mensais. 

Das famílias entrevistadas, 75% tinham presença tanto da mãe quanto do pai. A maioria opta por uma divisão não tradicional de trabalho, onde os dois adultos são ativos no mercado de trabalho, ao invés da divisão tradicional, onde somente o marido trabalha fora de casa e a esposa se dedica em tempo integral à família.

Ainda assim, quando uma vaga em creches públicas não é assegurada (o que é o caso de 110 mil crianças somente em São Paulo), são quase sempre as mães, não os pais, que ficam em casa para cuidar de seus filhos, o que não é uma surpresa.

E, mesmo quando ambos os pais trabalham fora de casa, os pais gastam menos tempo do que as mães tanto com os filhos como no trabalho doméstico. Quando gastam, é mais provável eles brincarem com os filhos do que lavarem o banheiro, por exemplo. Como resultado, nossa pesquisa revela que conciliar trabalho e família tende a ser mais tranquilo e positivo para os pais do que para as mães.

Dupla jornada

Somente 20% dos pais reportam perceber alguma alteração em sua relação com o mercado de trabalho após o nascimento de filhos. E, dessa parcela, 57% afirmam que estão mais focados no trabalho e 14% dizem que as responsabilidades com o cuidado dos filhos reduziram seu tempo para o trabalho. Dois terços falam sobre o aumento na sensação de responsabilidade e 10% citam ações afirmativas das empresas em favor da contratação de “pais de família”.

Já entre as mães, 54% dizem perceber essas mudanças: 27% delas citam práticas discriminatórias na contratação de mães por parte dos empregadores e 67% reportam que a responsabilidade com o cuidado com os filhos reduz a sua capacidade para trabalhar fora de casa. Desse percentual, somente 16% afirmam que não trabalham fora de casa por preferência própria. Ao mesmo tempo, o número total de horas trabalhadas no mercado ou fora dele pelos pais é o mesmo para homens quando as mulheres trabalham ou não fora de casa.

Como resultado, as mães sentem o peso da dupla jornada. Entre as mães casadas que perceberam algum tipo de mudança em sua relação com o mercado de trabalho após o nascimento dos filhos, 85% o fazem de forma negativa, 12% de forma neutra e somente 3% percebem mudanças positivas.

Para os 20% dos pais que notaram alguma mudança, entretanto, um terço reporta a mudança de forma positiva; um terço, neutro e o restante, negativamente.

Casais divorciados

O mais chocante é a ausência dos pais separados da suas esposas na vida de seus próprios filhos. Nessa amostra, 25% das famílias tinham somente a mãe presente. Além disso, uma parte dos casais tem crianças de outros pais vivendo com eles e 37,5% das famílias têm ao menos uma criança que não mora com seu pai. 

Dentre esses pais não residentes, 35% contribuem de forma regular financeiramente para seus filhos, 15% o fazem ocasionalmente e 50% deles nunca o faz. Além disso, mais de 95% desses pais encontra com seus filhos menos do que uma vez por semana. Como resultado, as mães, geralmente com auxílio de familiares, suporta uma carga desproporcional para prover tanto renda como cuidado para essas crianças, que recebem menos recursos e terão claras implicações em seu desenvolvimento social e econômico. Entre estas mães, quase a totalidade de quem percebe mudanças no trabalho o sentem de forma negativa.

Licença paternidade

Embora a nossa pesquisa tenha sido conduzida somente em São Paulo, outros levantamentos e análises qualitativas apontam para uma dinâmica similar tanto em zonas urbanas como rurais no Brasil.

Além disso, a realidade aqui retratada não é um problema específico ou exclusivo do Brasil. Porém, existem medidas a serem tomadas e podemos aprender com a experiência de outros países. O governo precisa aumentar as vagas nas creches da forma urgente. Condições decentes nas ocupações vulneráveis e dominadas pelas mulheres deveriam ser garantidas (como está ocorrendo na regulamentação do trabalho de empregadas domésticas), bem como medidas para diminuir a  discriminação contra as mães no mercado de trabalho.

Mas, também são necessárias políticas públicas que reforcem a corresponsabilidade paternal. Um bom início seria o aumento da licença paternidade ou a regulamentação de uma licença parental que pudesse ser dividida entre pais e mães e, para as mães não casadas, medidas facilitando a cobrança de pensão alimentícia e um envolvimento mais ativo no cuidado dos filhos por parte dos pais.

Tão importante quanto qualquer mudança na legislação é a mudança cultural para valorização das responsabilidades domésticas e com relação às crianças por parte dos homens. Para todos os pais, residentes ou não com seus filhos, devemos incentivá-los ir em frente e assumir mais a carga que eles deixaram nas mãos das mães de seus filhos.

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