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Governo deve deduzir gastos com educação para cumprir meta fiscal

Especial para o UOL

27/11/2014 06h00

Nos primórdios do pensamento moderno, a educação era assumida, exclusivamente, como uma atividade com resultados vinculados à paz social, ao convívio em sociedade, ao “melhoramento moral” e ao aprimoramento da capacidade do homem em apreciar a beleza, seja nas artes, nas ciências ou na contemplação da natureza.

Thomas Malthus agregou a esses aspectos outro, associado a seu profundo temor sobre a explosão demográfica: a educação poderia contribuir para o autocontrole sexual.  Mas, fora deste aspecto muito específico a esse autor, Adam Smith, Sênior, MacCulloch e mesmo John Stuart Mill, embora sejam os fundadores da economia vista como ciência, tendiam a dar um papel secundário à educação como fator explicativo dos processos de desenvolvimento econômico.

Posteriormente, o papel da educação no progresso econômico foi negligenciado e toda a literatura e a experiência dos países em desenvolvimento, principalmente durante o regime militar, privilegiavam o investimento em capital físico. A relação entre investimento e PIB passou a ser o indicador a ser monitorado para vislumbrar o potencial de crescimento futuro.

Desde as primeiras reflexões dos clássicos, passaram-se quase 200 anos para que a educação fosse identificada como fator incontornável para explicar o crescimento econômico de longo prazo.

Sem abandonar aspectos próprios do ensino que a associam ao processo civilizatório, nas décadas de 1950 a 1970 notáveis economistas como Mincer, Schultz (Prêmio Nobel em 1979) e Becker (Prêmio Nobel em 1992) assumiram a educação como um investimento e, portanto, suscetível de ser avaliado em função de seus retornos. Depois das contribuições de Robert Lucas (outro Prêmio Nobel-1995), o processo de desenvolvimento não pode mais ser dissociado dos conhecimentos e habilidades da força de trabalho de um país.

Hoje, toda a literatura sobre crescimento de longo prazo tende a privilegiar o investimento em educação sobre o capital físico. Isso não significa que um país possa crescer sem estradas, portos ou máquinas, mas a capacidade de criar cientificamente, apropriar-se dos avanços na fronteira tecnológica e disseminar os novos conhecimentos pelo aparelho produtivo dependem da educação de sua força de trabalho.

Opinião 2 - Aloysio Nunes

  • Toda a moderna literatura sobre crescimento de longo prazo privilegia o investimento em educação sobre o investimento em capital físico

    Aloysio Nunes, senador (PSDB-SP), sobre considerar gastos com educação na Lei de Diretrizes Orçamentárias

O governo do PT alardeia que o privilégio que outorga à educação pode ser comprovado pelo aumento dos gastos públicos no setor, que teriam passado de 4,1% do PIB em 2002 para 5,5% em 2012. No entanto, o esforço da União foi bem mais modesto: nesse período, passou de 0,7% para 1%.

Paralelamente, em uma tentativa de encontrar racionalidade ao suposto esforço para acelerar o crescimento, o governo propõe descontar do cálculo do superavit primário as desonerações tributárias e os gastos com o PAC. Que, na realidade é uma forma de creditar um viés desenvolvimentista ao descontrole dos gastos públicos.  

O desconto das desonerações carece de qualquer justificativa conceitual. No caso das obras do PAC, ainda que capciosamente, o raciocínio parece ser mais sofisticado. A justificativa pode ser resumida da seguinte forma: o país tem restrição na infraestrutura e os gastos do PAC têm um retorno econômico - ampliam o crescimento potencial e, portanto, a futura arrecadação de impostos.

Assim, é possível endividar-se, uma vez que o retorno futuro permitirá pagar o fluxo de juros e a amortização. Assume-se que o investimento em uma estrada não pode ser assemelhado ao gasto com as despesas na máquina burocrática, que pouco contribuiria a ampliar a oferta de bens e serviços.

Assumamos que esse raciocínio seja válido. Por que considerar as despesas em estradas e portos como investimentos dedutíveis do superavit e não considerar os recursos alocados em educação? Por que não acompanharmos a moderna literatura internacional e assumirmos que as despesas com educação são investimento? Se existe consenso de que o retorno econômico da educação é superior ao retorno do investimento em capital físico, por que essa discriminação?

Opinião 1 - Aloysio Nunes

  • Deduzir as obras do PAC e as desonerações tributárias do superavit é uma "marretada" contábil que não mudará a realidade das contas pública

    Aloysio Nunes, senador (PSDB-SP), sobre medidas do governo para alcançar a meta do superavit primário em 2015

As deficiências em infraestrutura limitam, sim, o nosso potencial de crescimento. Mas uma força de trabalho que apresenta média de educação similar à que tinha os EUA há um século também é uma restrição, e existem amplas evidências empíricas que sugerem que os retornos dos gastos em educação são superiores aos investimentos em capital físico.

Em realidade, deduzir as obras do PAC do cálculo do superavit é uma alternativa, não muito criativa, aliás, de transmitir uma imagem de responsabilidade fiscal há muito tempo perdida. Mas existe uma mensagem subliminar.

Esse governo continua preso a um tipo de pensamento hegemônico há 60 anos, mas que hoje faz parte da história. Se os militares latino-americanos e a maioria dos países africanos na era do “desenvolvimentismo” pensavam que o futuro de um país seria determinado pela relação entre investimento físico e PIB, hoje sabemos que o bem-estar econômico e o desenvolvimento social e político dependem mais de uma população educada, em termos técnicos e de cidadania.

Deduzir as obras do PAC e as desonerações tributárias do superavit é uma “marretada” contábil que não mudará a realidade das contas públicas e tampouco engana mais ninguém. Desafio o governo a deduzir o investimento realmente relevante: substituir os gastos do PAC e desonerações pelos gastos em educação na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para alcançar a meta do superavit primário em 2015.

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