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Seco e quente, 2014 chega ao fim com algumas vitórias ambientais

Especial para o UOL

27/12/2014 06h00

2014 foi um ano quente. Talvez o mais quente desde 1850, quando os cientistas começaram a medir regularmente o clima da Terra. A previsão é da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que fez o anúncio durante a Conferência do Clima – COP 20, em Lima, no Peru, que terminou sem um acordo forte para conter as emissões de gases de efeito estufa, principais responsáveis pelo aquecimento global.

O alerta soma-se a tantos outros sinais que apontam uma tendência de aumento na temperatura do planeta e, com ele, uma sucessão de eventos climáticos extremos. Chuvas torrenciais, degelos, secas. No Brasil, sobretudo em São Paulo, sentimos na pele o que uma alteração climática é capaz de provocar.

A duras penas, temos aprendido uma lição básica que reside na relação entre floresta e clima. E este ano foi importante porque essa conexão foi claramente estabelecida por um estudo produzido aqui no Brasil, que teve repercussão mundial: O Futuro Climático da Amazônia, do pesquisador Antonio Nobre, do Inpe/Inpa.

Mesmo assim, seguimos cortando florestas. Embora a taxa anual de desmatamento na Amazônia tenha demonstrado uma baixa este ano, o desmate continua alto. E pagamos caro o preço por cada árvore derrubada, cada tonelada de carbono emitida.

Só que estamos emitindo mais. No Brasil, o aumento se deu em todos os setores. É o que revela o Sistema de Estimativa de Emissões de GEE (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima que passará a nos dar estimativas anuais das emissões do país, embora use metodologia diferente daquela adotada pelo governo.

De acordo com o novo sistema, as emissões nacionais de gases de efeito estufa (GEE) aumentaram 7,8% de 2012 para 2013. Os aumentos mais expressivos vieram do desmatamento e do consumo de combustíveis fósseis para transporte e geração de energia. A boa notícia é que agora temos um monitoramento independente, mantido e operado pela sociedade civil.

Destaque-se que em 2014, a matriz energética brasileira ficou mais suja. Para driblar a baixa produção das usinas hidrelétricas provocada pela falta de chuva, a opção foi recorrer às termelétricas, que poluem bastante. E ajudam a esquentar o clima.

Boas notícias

O Plano Decenal de Energia 2023 livrou algumas Unidades de Conservação e povos tradicionais da região Norte do triste destino de terem seus territórios inundados para dar lugar a novas usinas hidrelétricas.

Outra notícia alvissareira é que o maior programa de áreas protegidas do mundo, o ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia) já garantiu recursos de US$ 215 milhões, que deverão ser aportados paulatinamente para mais de 90 Unidades de Conservação até 2039. O programa ajuda a proteger cerca de 60 milhões de hectares de floresta amazônica. O melhor é que parte significativa dos recursos veio da iniciativa privada, por meio de uma ação coordenada em parte pela Rede WWF, da qual nos orgulhamos de participar.

Mas as áreas protegidas ainda não estão seguras. Todo o movimento que se viu em torno da tentativa de fazer passar no Congresso Nacional a PEC 215, nos indica o nível do desafio que teremos no ano que vem para assegurar as conquistas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Capitaneada, sobretudo, pelos parlamentares ligados à bancada ruralista, a proposta é transferir do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de formalizar terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas.

Opinião - Maria Cecilia Wey de Brito

  • A duras penas, temos aprendido uma lição básica que reside na relação entre floresta e clima

    Maria Cecilia Wey de Brito, secretária-geral do WWF-Brasil, sobre o desmatamento

E essa medida pode colocar em risco a integridade do sistema existente e comprometer importantes reservas de floresta, água, biodiversidade e modos de vida de milhares de brasileiros. Felizmente, essa discussão foi postergada depois de uma intensa mobilização da sociedade civil nos últimos dias do período legislativo do ano. É bom ficar atento.

Ainda fazendo um balanço deste ano, a extensão da moratória da soja até maio de 2016 é algo para se comemorar. A moratória reúne o setor produtivo, governo e ONGs em torno de uma iniciativa que incide na redução do desmatamento na Amazônia.

E nessa mesma esteira tivemos a largada do Cadastro Ambiental Rural – CAR, que é o principal instrumento da nova lei florestal, capaz de ajudar a reverter o passivo ambiental existente nas propriedades rurais. Mais uma vez a sociedade civil está de parabéns, pois conseguiu colocar de pé o Observatório do Código Florestal, que tem o papel de acompanhar essa política pública chave para o Brasil.

E chegamos ao fim do ano com mais um capítulo da Conferência do Clima, realizada em Lima, que terminou em um acordo fraco e compromissos frouxos, que dependerão da boa vontade dos países em agir para evitar que o aquecimento global siga a desastrosa rota que está em curso.

No entanto, o texto fechado ao final do evento aponta para as bases jurídicas que poderão ajudar a estabelecer em todos os países os esforços necessários para reduzir as emissões e elevar as ações de adaptação ao clima cada vez mais incerto.

Pelo menos desta vez, os países industrializados concordaram que seu crescimento foi à custa de elevadas emissões de CO² e que por isso têm a responsabilidade de cortar mais. Mas os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, terão de apresentar metas de corte de emissões e dizer como farão isso. O problema é que nada disso está amarrado legalmente, e deixar tudo a cargo da boa vontade dos países é temerário.

Com tudo isso, a agenda para 2015 já está minimamente delineada e os desafios serão grandes. Vamos com ânimo, Brasil.