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Audiência de custódia não viabiliza julgamentos em prazo razoável

Especial para o UOL

12/02/2015 06h00

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) celebrou acordo com o Tribunal de Justiça e órgãos do Estado de São Paulo, visando a implantação do projeto “audiência de custódia” para apresentação pessoal de presos em flagrante delito à autoridade judiciária, no prazo máximo de 24 horas após sua prisão.

Essa obrigatoriedade de uma audiência formal para apresentação de presos exclusivamente ao juiz com presença de representante do Ministério Público e de defensor não encontra previsão na Constituição federal e na legislação processual penal brasileira, nem entre as normas internacionaisda ONU (Organização das Nações Unidas).

O Pacto de São José da Costa Rica e a Resolução nº 43/73 da ONU sobre “Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão” trazem a necessidade de condução da pessoa detida à presença de um juiz ou outra autoridade sujeita a sua efetiva fiscalização, autorizada pela lei. Essas autoridades, conforme a legislação e a realidade de cada país signatário, deverão decidir sem demora da legalidade e necessidade de manutenção da detenção.

O Provimento Conjunto nº 03/2015 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para implantação da audiência de custódia já revela as dificuldades que serão enfrentadas no referido projeto. Por exemplo, não será realizada a audiência de custódia durante o plantão judiciário ordinário, aos finais de semana e feriados. Fica também dispensada a apresentação do preso no prazo de 24 horas, quando circunstâncias pessoais justificarem tais como o risco de arrebatamento.  

Se a capital paulistana tem uma média diária de 70 autos de prisão em flagrante, na sua maioria com mais de uma pessoa detida, fica difícil a realização da audiência de custódia para os presos não apresentados no prazo de 24 horas nos dias úteis seguintes, que continuaram nas unidades prisionais aguardando designação de data para sua audiência de custódia.

De fato, a pessoa detida tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade mediante condicionantes e garantias. Todavia, não será a realização da audiência de custódia que viabilizará julgamentos no país em prazo razoável.

Diante de uma taxa de reincidência no Brasil - que atualmente varia entre 60% a 70%, segundo o CNJ -, o grave problema da superpopulação carcerária não pode simplesmente justificar a soltura de presos para a continuidade delitiva. Imaginemos os efeitos de uma pessoa solta com monitoração eletrônica ou em prisão domiciliar que continua praticando crimes sem consequência alguma para a sensação de insegurança já vivida pela sociedade brasileira.

O assunto por sua complexidade requer desde alterações legislativas, passando por mediação penal até a efetiva estruturação de um sistema de fiscalização das alternativas penais à prisão provisória - inclusive com o emprego de recursos humanos especializados e inovações tecnológicas como audiência gravada em mídia ou por videoconferência.

Nesse contexto, os delegados de polícia também podem contribuir para as soluções mediante autorizaçãopara aplicar medidas cautelares alternativas à prisão provisória, não sujeitas à reserva de jurisdição, nos casos de crimes afiançáveis ou apenados com até quatro anos de reclusão ou a todos os crimes - desde que não praticados com violência ou grave ameaça contra pessoa. Isso sem prejuízo de atuar ainda para conciliação nos delitos de menor potencial ofensivo como, aliás, é muito bem feito pelo projeto do “núcleo especial criminal” nas comarcas do interior paulista.

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