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Estado de bem-estar social custa caro e ninguém quer pagar a conta

Especial para o UOL

26/07/2015 06h00

Os protestos de junho de 2013 colocaram a cidade no centro dos debates. Demandas até então isoladas, tais como a mobilidade, a fruição dos espaços públicos e a especulação imobiliária, passaram a ser compreendidos como parte de eixo comum: o direito à cidade.

A partir dessa síntese, a discussão ganhou qualidade. Ainda que suas bases sejam precárias, porque a compreensão das pessoas sobre o assunto é superficial, o ponto de partida foi definido de maneira mais preciso. Pouca dúvida resta sobre a importância de áreas verdes para enfrentar as ilhas de calor, sobre os riscos provocados pela impermeabilização do solo e sobre a necessidade de tirar o protagonismo do automóvel.

Ocorre que tudo isso tem um preço, mas ninguém parece estar disposto a pagá-lo. Não adianta espernear. Financiar todas as demandas coletivas que recaem sobre o ideário de cidades justas, democráticas e sustentáveis é o desafio.

A Constituição de 1988, mesmo com as suas contradições, trouxe um projeto de nação. Seu destinatário é o povo, e ele deve ser edificado a partir do esforço de todos. É, ao mesmo tempo, o farol que orienta e o destino que é almejado, e não pode ser alterado ao bel-prazer da desinformação que contamina o Brasil contemporâneo.

Tal projeto é baseado na construção de um Estado de bem-estar social, anunciado já no preâmbulo da Constituição. É evidente que um Estado de bem-estar social custa caro.

Esse é um ponto de partida que não pode mais ser desprezado. No contexto das cidades, significa repensar as formas de financiamento de tudo aquilo que a sociedade deseja e seus mecanismos de gestão e medição de eficiência.

Veja-se o exemplo do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), uma das principais fontes de receita dos Municípios, que está no artigo 156 da Constituição. Lá está claro que o imposto poderá "ser progressivo em razão do valor do imóvel" e "ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso".  O que concretiza o artigo 145, quando assinala que "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte".

O IPTU está descrito no Código Tributário Nacional. Seu fato gerador é "a propriedade, o domínio útil ou a posse do bem imóvel", "localizado na zona urbana do Município". Sua base de cálculo é o valor venal, ou seja, o valor de mercado do bem. E é aí que os problemas começam.

O mercado imobiliário é dinâmico e parece claro que as fórmulas atuais de definição de alíquotas desse imposto não atendem a velocidade das transformações da cidade contemporânea. E a opinião pública não pensa duas vezes antes de embarcar em discursos de populismo fiscal: reclama que paga impostos demais.

Outro mecanismo importante da Constituição é a contribuição de melhoria (também no artigo 145), que recupera para a cidade parte da valorização imobiliária gerada por obras do poder público. Por que não discuti-la no momento em que investimentos estatais (metrô, parques, avenidas) fazem disparar o valor de imóveis privados, sem que seu proprietário tivesse movido uma palha para tanto?

No momento em que se demanda, por exemplo, que o Parque Augusta, área privada, seja 100% pública, tais instrumentos devem ser levados em conta, antes de se esperar que o município desaproprie a área com o dinheiro que não tem, ou em detrimento de outra prioridade ou antes de judicializar a questão - situação em que muitas vezes é subtraído o protagonismo do poder Executivo, o qual goza da legitimidade democrática que o poder Judiciário não tem.

É preciso ter clareza sobre os pontos de partida do debate público. Não dá para esperar um Estado de bem-estar social com tributação de Estado mínimo. A conta não fecha.

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