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Sem dar bom exemplo, Estado dificulta o combate à corrupção

Especial para o UOL

16/12/2015 06h00

Nunca o combate à corrupção esteve em tamanha evidência. Neste momento, cabe uma reflexão sobre os recentes avanços e retrocessos no combate a sua prática no Brasil. As opiniões têm sido as mais diversas.

Se, de um lado, verificamos argumentos de que as operações realizadas fazem parte de um novo cenário jurídico, em que se busca a punição mais severa para crimes de lesão máxima, de outro, observamos aqueles que clamam pela ostentação dos suplícios dos investigados, em uma técnica que, segundo o filósofo Michel Foucault, pode ser equiparada aos extremos de uma raiva sem lei. Estes não desejam saber da pena jurídica aplicada. Eles reivindicam tomar parte da punição, sob a suspeita de que não se realize em toda a sua severidade.

Não há dúvida de que a coexistência desses sentimentos antagônicos tem origem em algo bem diferente da prática judicial que vem sendo aplicada.

Neste cenário ambíguo, a discussão deveria estar focada na ocorrência do crime de corrupção e sua causa. É certo que os castigos disciplinares têm a função de corrigir os desvios, devendo ser essencialmente corretivos. Para tanto, deve o Estado, detentor da penalidade disciplinar, funcionar como parâmetro de comportamento, a partir de valores opostos definidos pela sociedade do bem e do mal, do lícito e do ilícito.

Assim, cabe aos órgãos públicos, em todas as esferas, ditar o padrão de comportamento a ser seguido pela sociedade. E é aí que se encontra a origem do problema.

O que permite ao Estado aplicar a penalidade disciplinar é a inobservância da regra, tudo o que se afasta dela, o desvio. Quando o próprio poder público não dá o exemplo, fugindo do padrão por ele exigido, permite que outros assim também o façam.

Segundo recente levantamento realizado pela Controladoria-Geral da União, mais de 50% dos municípios analisados quanto à implementação da Lei de Acesso à Informação tiraram nota zero. De acordo com esse importante trabalho, as cidades de São Paulo, Curitiba, Brasília, João Pessoa e Recife tiveram nota máxima em transparência e podem ser tidas como exceção à regra nacional.

Já segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o índice de condenação em casos de corrupção no Brasil é muito baixo, na faixa de 31%. O tempo médio de tramitação destes casos está muito acima da meta estabelecida pelo CNJ, de dois anos.

A reversão deste preocupante quadro requer prioridade. Se considerarmos que no Brasil a falta de recursos públicos e a urgência para o encaminhamento da crise são, em sua essência, os mesmos que no município de São Paulo tiveram solução sem custos –como a obrigatoriedade de pregões eletrônicos, diminuindo em 30% o valor dos serviços permanentes; a divulgação integral de todas as auditorias realizadas; a exigência da utilização de cláusula anticorrupção em todos os contratos e a criação de um sistema de monitoramento da evolução patrimonial dos funcionários– será justo reconhecer que o pragmatismo também é fator determinante no encaminhamento de soluções no Estado brasileiro.

Sem o controle da corrupção estatal, somado à má administração do dinheiro público e à inaplicação de mecanismos de transparência ativa, combater a corrupção é tarefa das mais difíceis.

O sucesso do poder disciplinar, exercido pelo Estado, pressupõe algo aparentemente simples, básico, o cumprimento das regras por ele estabelecidas, a fim de que cada indivíduo da sociedade possa distinguir claramente "ações criminosas das ações virtuosas". A decomposição destas normas leva a sociedade ao mesmo processo. É a partir do bom exemplo que se opera a transformação dos indivíduos. Só assim teremos um consenso mais nítido a respeito da responsabilização sistemática e enérgica dos criminosos da corrupção.

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