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Se criminosos não temem o Estado, é preciso que temam as vítimas

Especial para o UOL

16/01/2016 06h00

A tênue distinção social entre temor e respeito gravita em uma nebulosa área das relações humanas. Em uma contração sintética, pode-se dizer que o temor se caracteriza pela observância de uma norma em razão do receio do que pode acontecer se assim não for feito. Ao passo que o respeito seria o privilégio de conduta por convicção, isto é, a adoção de um padrão comportamental por acreditar ser ele correto. Na prática, todavia, a distinção é mais complexa.

Em uma sociedade positivamente estruturada, em que as instituições funcionam perfeitamente, o ideal de respeito, em sua acepção conceitual, pode ser mais facilmente alcançado difundindo-se o padrão de não interferência de um indivíduo na esfera de direitos do outro.

Porém, quando as instituições falham e as transgressões se instauram, o restabelecimento do respeito não se alcança diretamente, portanto, é preciso passar pelo estágio do temor. É necessário que quem infringe uma norma tenha em si incutido o receio das consequências de seus atos.

Normalmente, esse receio se opera através do sistema punitivo, organizado entre as forças policiais e o Poder Judiciário, resultando na aplicação das penas a quem comete atos ilícitos. No Brasil, entretanto, essa realidade é distante, pois vivemos um quadro de grande impunidade, no qual menos de 10% dos crimes mais graves –os homicídios– são esclarecidos, e há uma infinidade de benefícios previstos aos criminosos, os afastando da punição ou a tornando excessivamente branda.

Com o respeito há muito perdido e sem temor de punição, como restabelecer o equilíbrio social? A resposta, tão óbvia quanto utópica, está no fortalecimento das instituições. Mas isso não é automático, demandando um processo evolutivo que exige um tempo do qual não se dispõe para evitar o caos.  É exatamente aí que surge o relevante papel de um artefato que vem sendo abominado pela ideologia de viés socialista (travestida de democrata), mas que deveria ser visto como aliado: a arma de fogo.

Se os criminosos não nutrem receio por punições estatais, se valendo da reinante impunidade, é necessário que temam, ao menos, suas vítimas e a reação que delas pode partir. Somente assim se pode estabelecer um sistema de freios e contrapesos até que as instituições recuperem seu papel e possam imprimir à sociedade uma credibilidade inibitória das ações transgressivas. Equilibrar as forças entre criminosos e suas vítimas é o papel essencial das armas de fogo em poder do cidadão, criando no agressor a dúvida acerca da confrontação.

Não se trata, obviamente, de substituir a ação punitiva estatal pela reação. Legítima defesa não se confunde com justiçamento e não tem o objetivo de punir o agressor, mas de preservar a vítima. Ao viabilizá-la, o fundamental é criar o receio –ainda que em tese– de que o ataque seja resistido, ou seja, um equilíbrio pelo temor, diante do respeito perdido.

Em 1515, ainda que sob uma perspectiva diversa, Maquiavel já registrava em sua icônica obra "O Príncipe" que os homens sentem mais inibição em atacar aqueles que temem. O conjunto de suas ideias, em muitos pontos radicais, sofre contestação dentre os que privilegiam os ideais teóricos de sociedade, mas seu apego à realidade prática é inquestionável.

Nos dias de hoje, essa mesma realidade torna difícil estabelecer a distinção entre respeito e temor. Os conceitos não parecem antagônicos, mas complementares na medida da percepção de que o respeito de um indivíduo pelo outro é proporcional ao receio do dano que este pode causar-lhe.

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