Solução para a crise está no interior das instituições políticas
Des-institucionalização é um conceito importante para explicar crises políticas. O pressuposto dos que operam com esse conceito é que a canalização dos conflitos e da sua solução para o interior das instituições políticas é o que produz a estabilidade democrática. Esta por sua vez, exige um equilíbrio entre os Poderes, já que na democracia dois Poderes representam a soberania popular, e um outro, o estado de direito.
A democracia precisa de um equilíbrio entre os Poderes para operar simultaneamente nos dois marcos, o do direito e o da soberania democrática. Nesse jogo, cabe ao Poder Judiciário ser o ponto de equilíbrio. Nesta semana, estamos assistindo uma perigosa transferência do marco institucional para um campo desinstitucionalizado, no qual atuam as ruas, uma parte da mídia e um juiz de primeira instância, que já não respeito, à hierarquia do Judiciário.
Desde dezembro de 2014, nós vemos um jogo de institucionalização e desinstitucionalização em curso no país. Ele começa com as manifestações de 15 de março de 2015 –que pediram o impeachment da presidente, mas não conseguiram, a princípio, repercutir no sistema político. Ao longo do ano de 2015, essa situação foi se modificando com a oposição e Eduardo Cunha refletindo, cada vez mais, o questionamento do resultado eleitoral pelas ruas. No fim do ano, o presidente da Câmara dá voz a esses grupos e aceita o pedido de impeachment da presidente, fortalecendo as ruas.
Já em 2016, os três primeiros meses são marcados pela politização explícita da Lava Jato e sua tentativa de criminalizar o ex-presidente Lula e buscar nas ruas apoio para a operação. Até domingo, a oposição brincou perigosamente com as regras do jogo político. Julgou que era evidente que, uma vez impedida a presidente, ou anuladas as eleições, o poder naturalmente migraria na sua direção. O último final de semana mostrou o equívoco dessa interpretação, já que na incerteza que se abateu sobre o país evaporaram todas as certezas políticas.
As manifestações do último domingo começaram a mostrar os perigosos elementos de um processo acelerado de desinstitucionalização. De um lado, vimos uma evolução clara de um jogo parcialmente pautado pela oposição e seus aliados na internet para um jogo no qual o circuito passou a ser o juiz Moro, a Rede Globo e a rua. São diversas as evidências desta mudança: a hostilização de dois importantes líderes do PSDB nas manifestações; o forte protagonismo de Moro na manifestação de São Paulo no último domingo; e o pronunciamento do juiz anunciando a importância da voz das ruas.
Mas a principal evidência da falta de qualquer articulação entre as ruas e o sistema político ocorreu nas redes sociais, onde aqueles que se pronunciaram em relação à manifestação tornaram-se completamente independentes do sistema político.
Uma análise das redes sociais no último fim de semana, publicada pelo jornal “Valor Econômico”, mostra um fenômeno interessante ao comparar o trânsito nas redes socais em março de 2015 e em março de 2016. Enquanto a manifestação das redes em 2015 se pauta claramente por uma disputa PT contra PSDB –com o campo azul mais forte, explicitando uma certa mudança de hegemonia–, vimos algo muito diferente no último final de semana.
De um lado, um forte isolamento do campo vermelho nas margens da internet. De outro, um isolamento da cor azul. Vimos emergir nos protestos do último domingo um campo amarelo completamente majoritário que, ao que parece, dominou as manifestações. Apesar do jornalista do Valor ter interpretado os dados da internet como despolarização do país, eu tenho uma outra interpretação para esses dados. Trata-se de um campo apolítico, sem nenhuma ancoragem partidária, que está surgindo no Brasil e que coloca todas as instituições do estado democrático de direito em risco.
A nomeação do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil na última quarta-feira fez com que a operação Lava Jato, e a relação entre o juiz Moro e as ruas mudasse mais uma vez de patamar. A Lava Jato deixou o circuito judiciário, Procuradoria da República e Supremo Tribunal Federal e entrou em um outro circuito, absolutamente perigoso para o estado de direito: o circuito é Moro, Rede Globo (que não cobriu as ilegalidades envolvidas no grampo), rua. Esse é o circuito da desinstitucionalização da política.
Os atos do juiz Moro que precipitaram os acontecimentos de ontem, como o grampo na Presidência da República feito, segundo reportagem da Folha, após o vencimento temporal da autorização judicial, e divulgado ilegalmente, ferindo as prerrogativas constitucionais da Presidência da República, mudam a Lava Jato de patamar. Aqui estão questionados simultaneamente todas as instituições do país.
Em primeiro lugar, a própria presidência, já que existem dúvidas se a origem do grampo não foi no próprio Palácio do Planalto. Em segundo lugar, a dimensão de hierarquia do Poder Judiciário apresenta fortes indícios de contaminação política. O pior sinal de desinstitucionalização seria uma politização do Poder Judiciário, tal como ocorreu na semana passada com o Ministério Público paulista.
Resta saber neste momento de forte des-institucionalização se é possível uma reativação positiva do circuito institucional. O Supremo Tribunal Federal tem que se pronunciar imediatamente sobre a quebra das prerrogativas da Presidência e tem que chamar para si os questionamentos jurídicos sobre a nomeação do ex-presidente Lula que já levaram a liminares nas instâncias inferiores do Judiciário.
Ao mesmo tempo, é fundamental o Congresso Nacional sair da sombra –por pior que seja a sua imagem–, já que a saída da crise oferece oportunidades políticas de construir uma nova imagem. Apenas um amplo entendimento político –que passe por governo e oposição, Executivo, Judiciário e Legislativo– poderá, neste momento, relativizar o poder das ruas, restabelecer os mediadores reais –que são os partidos, e não as instituições midiáticas–, devolvendo a crise para onde ela pode encontrar uma solução favorável: o interior das instituições políticas.
- O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
- Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.