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'Prêmio' à educação afeta desigualdade salarial no setor público

Especial para o UOL

03/07/2016 06h00

Nos anos 2000, a desigualdade de rendimentos no Brasil sofreu uma queda sem precedentes. Em 2001, para os empregados em áreas urbanas, com jornadas semanais acima de 20 horas, nos setores público e privado, com e sem carteira assinada e dentro da faixa etária de 18 a 60 anos de idade, o índice de Gini do rendimento mensal do trabalho era de 0,49. Em 2013, esse número caiu para 0,42.

Ou seja, em 13 anos a queda foi de sete pontos percentuais do Gini, o que equivale a uma redução de 14% na desigualdade. Como se sabe, o índice de Gini é uma medida de desigualdade que varia entre 0 e 1: quanto maior, mais desigual é a distribuição.

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Essa recente queda na desigualdade salarial foi gerada por diversas razões. A mais importante entre elas talvez tenha sido a importante queda nos prêmios à educação. O prêmio, ou o retorno à educação, mede o quanto a escolaridade adicional faz o salário aumentar. Para exemplificar, agregamos os trabalhadores em três grandes grupos conforme sua escolaridade: baixa, média e alta escolaridade. O grupo de baixa escolaridade tem, no máximo, o ensino médio incompleto. Já o de média tem ensino médio completo ou superior incompleto. O de alta escolaridade possui superior completo. O prêmio à educação nada mais é do que a diferença salarial entre esses grupos educacionais.

O retorno à educação caiu entre 2001 e 2013. Enquanto em 2001 o rendimento dos trabalhadores com escolaridade média era 83% maior do que entre aqueles com baixa escolaridade e o rendimento dos trabalhadores com alta escolaridade era 194% maior do que entre os com média escolaridade, em 2013 essas diferenças caíram para 41% e 156%.

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Boa parte dessa redução no prêmio à educação veio da maior qualificação dos trabalhadores. Sabe-se que, para uma dada demanda, quanto maior a oferta menor o preço de equilíbrio. Nesse caso, o aumento relativo de trabalhadores qualificados fez com que caísse o rendimento dos qualificados relativamente aos não qualificados.

Salários no setor público

Contudo, essa recente queda nos retornos à educação e seu impacto sobre a redução na desigualdade salarial foi verificada apenas entre os trabalhadores do setor privado. Entre os funcionários públicos estatutários e os militares, a queda nos retornos à educação foi muito menor do que no setor privado. Essa inflexibilidade nos retornos fez com que a queda na desigualdade de rendimentos dentro do setor público fosse inexpressiva.

Os funcionários públicos ganhavam em 2001, em média, R$ 2.601 enquanto o resto dos trabalhadores recebia em torno da metade disso (52%). Já em 2013, o salário médio dos servidores foi para R$ 3.353, e os trabalhadores do setor privado continuaram a ganhar em torno de metade (51%) desse valor.

Apesar de a relação dos rendimentos médios reais entre os dois setores ter permanecido estável nesse período, as desigualdades de rendimento dentro de cada setor evoluíram de formas diferentes ao longo do tempo. Em 2001, o índice de Gini do rendimento mensal real para o setor privado era de 0,48, enquanto dentro do setor público, esse número era de 0,47. Ou seja, números muito parecidos.

Contudo, em 2013, a desigualdade no setor privado, calculada pelo Gini, era de 0,39, enquanto a do setor público era de 0,46. Portanto, enquanto a desigualdade de rendimento no setor privado caiu quase 20%, a desigualdade no setor público não se alterou. A conclusão óbvia é de que a queda de sete pontos no Gini de rendimentos no Brasil veio integralmente da redução da desigualdade dentro do setor privado.

O “imobilismo distributivo” dentro do setor público pode ser explicado principalmente pelo que ocorreu com os retornos à educação dentro desse setor. Embora tenha havido um aumento da escolaridade dos funcionários públicos entre 2001 e 2013, essa mudança não gerou uma aproximação importante de salários pagos a pessoas com níveis de escolaridade diferentes, como foi o que ocorreu com o setor privado.

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Os retornos à alta escolaridade no setor privado, que eram exorbitantemente altos, caíram muito e ficaram, portanto, mais próximos dos retornos no setor público. Em 2013 no setor privado, o diferencial de rendimentos a favor de trabalhadores com escolaridade alta, quando comparados com os de escolaridade média, era de 153%. A diferença entre esses grupos dentro do setor público era de 107% no mesmo ano.

Em 2001, os retornos à escolaridade alta eram ainda maiores. Para o setor privado, trabalhadores com escolaridade alta ganhavam 216% a mais do que aqueles com escolaridade média em 2001. Para o setor público no mesmo ano, essa diferença era de 122%. 

O maior diferencial para os altamente escolarizados no setor privado do que no setor público se contrapõe ao diferencial média-baixa escolaridade. O diferencial média-baixa mede o quanto a mais trabalhadores com escolaridade média ganhavam em relação àqueles com baixa escolaridade. Em 2013, o diferencial média-baixa escolaridade no setor privado era de 35%, enquanto no setor público era de 66%. Nesse caso, houve uma importante queda no setor privado que não foi acompanhada pelo setor público, pois em 2001, esses diferenciais eram de 77% e 69%, respectivamente nos setores privado e público. 

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É interessante notar como a diferença de evolução nos retornos à educação entre os setores acabou por afetar o diferencial público-privado para cada grupo educacional. Em 2001 o diferencial público-privado, em média, era positivo, isto é, a favor do setor público, mas decrescente com a escolaridade, pois quanto maior a escolaridade, menor o diferencial.

Isso mudou em 2013. Na verdade, ele adquiriu a forma de um U invertido. Em 2013, funcionários públicos com baixa escolaridade ganhavam 19% a mais do que empregados do setor privado com mesmo nível educacional. Para aqueles com média escolaridade, o diferencial passou a ser de 46% a favor do setor público. Por fim, entre aqueles com alta escolaridade em 2013, o setor público passou a pagar 20% a mais do que o privado.

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Imagem: Sergio Firpo (Insper) e Renan Pieri (FGV-SP)

Pode-se perceber, portanto, que a evolução das estruturas salariais foi muito diferente para cada setor. Essa diferente evolução dos retornos à educação fez com que as medidas de desigualdade dentro de cada setor se distanciassem.

A fim de se identificar o efeito sobre a queda da desigualdade do setor privado gerado puramente pela mudança relativa dos retornos à educação nesse setor, construiu-se uma distribuição de rendimentos do setor privado que é a que prevaleceria se os trabalhadores do setor privado tivessem exatamente a mesma distribuição de educação do setor público, mas fossem remunerados como no setor privado. Chamamos essa distribuição de “contrafactual”.

A diferença de retornos educacionais entre os dois setores era responsável por uma diferença salarial de 8,7% a favor do setor público em 2001. Em 2013 essa diferença cresceu para 23%.

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Em 2001, se o setor privado tivesse a mesma escolaridade do setor público, o Gini do setor privado contrafactual teria sido 16% maior do que o observado no setor público. Já em 2013, se o setor privado tivesse a mesma escolaridade do setor público, o Gini do setor privado contrafactual teria sido apenas 3% maior do que o Gini observado dentro do setor público, que foi de 0,46.

Portanto, o achatamento dos retornos à educação dentro do setor privado explica a forte redução da desigualdade que houve nesse setor. As diferenças no Gini dos setores em 2013 são frutos de diferenças na distribuição de escolaridade. São essas diferenças que explicam por que em 2013 o Gini do setor privado era sete pontos menor do que o Gini do setor público.

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Imagem: Sergio Firpo (Insper) e Renan Pieri (FGV)

Em suma, a queda mais acentuada nos retornos à educação no setor privado do que no setor público fez com que as diferenças educacionais passassem a explicar por que atualmente o setor público paga de maneira mais desigual do que o setor privado. Se os dois setores hoje tivessem a mesma distribuição de escolaridade, eles apresentariam índices de Gini muito similares. Essa diferença nas distribuições de escolaridade já existia no passado, mas era compensada pela diferença nos retornos à educação, o que fazia com que os setores tivessem medidas de desigualdade similares e uma diferença média de retornos decrescente com educação.

O novo formato do hiato salarial por escolaridade entre setores público e privado foi gerado por duas razões: a redução da diferença entre setores no rendimento dos trabalhadores com baixa escolaridade e aumento da diferença entre setores no rendimento dos trabalhadores com média e alta escolaridade.

Parecem ter sido estes últimos os principais grupos de trabalhadores que mais se beneficiaram do imobilismo distributivo no setor público. Não surpreendentemente, são os grupos mais vocais e politicamente importantes na defesa tanto da manutenção quanto do crescimento do poder de compra de seus vencimentos.

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