"Golpe" é promovido por quem quer parar a Lava Jato, diz governador do MA
Primeiro governador eleito pelo PCdoB nos 92 anos do partido, Flávio Dino, que comanda o Maranhão desde 2014, depois de interromper hegemonia de meio século da família Sarney no Estado, coloca-se agora na linha de frente da defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff. Em entrevista ao UOL, o comunista tornou a falar em "golpe" e acrescentou: quem o promove são “oportunistas” que querem “parar a Lava Jato”.
Há de outro lado interesses de oportunistas que imaginam que derrubar a presidente seja caminho para parar a Lava Jato. Visam se proteger exatamente atacando a presidente, sobre a qual não pesa qualquer acusação.
O governador, que prevê “o caos” a partir de um impedimento de Dilma, acusou ainda o vice-presidente Michel Temer de ser um dos “comandantes do golpe” e lembrou que, caso o peemedebista assuma após interrupção do mandato da petista, ele também terá de sofrer processo semelhante: “o próprio teria contra si a mesma acusação de ter assinado decretos de crédito sem autorização legal”.
Na entrevista, Flávio Dino faz defesa resignada à política de alianças entre partidos políticos como “necessidade histórica” do Brasil e, seguindo a linha de pensamento, propõe que só haverá saída estável com abertura de diálogo (ou governo de coalização) que una PT e PSDB. No entanto, a escalada oposicionista contra Dilma Rousseff desde a reeleição, lamenta o maranhense, impossibilita que tal projeto seja posto em prática atualmente.
UOL - Como o senhor viu o desembarque do governo do PMDB, partido que abriga seus maiores rivais políticos no Maranhão, em plano federal?
Flávio Dino - Não está muito claro esse desembarque, está meio parecido com a Batalha de Itararé, aquela que não houve. Foi noticiado, mas ainda não se consumou e não se sabe o que acontecerá. Parece-me importante que haja uma parte do PMDB que se mantenha próxima ao governo. É uma tendência, ajuda em momento de crise. Evidentemente, a consequência que se verifica é que uma parte do PMDB que consumou o desembarque permite que haja ampliação da base parlamentar do governo -- o que eu acho bom. O PMDB está como sempre esteve: dividido sobre os principais temas do país.
O senhor acredita que coalizões como esta entre PT e PMDB esvaziam ou atravancam os próprios projetos políticos?
É difícil discutir isso abstratamente, como uma tese genérica, porque cada país tem uma história, uma formação. Se você olhar a Alemanha, verá uma coligação que a governa há mais de uma década. Na experiência chilena, tem a Concertación Chilena. No Uruguai, a Frente Ampla, que governa há muito tempo e é uma aliança de vários partidos. Já o sistema norte-americano é diverso, por uma série de razões.
No caso brasileiro, considerando nossa extensão territorial, imensa desigualdade regional e social, a complexidade cultural que o país tem e o fato de nós não termos um sistema de partidos sólido, secular, como de outros países, é inevitável que tenhamos por um lado uma democracia pluripartidária, com muitas expressões institucionais, e tem sido assim desde a redemocratização, e decorrente deste fato a automática necessidade de pactos entre vários partidos. Tem sido assim desde os anos 1980 e continuará a ser por bastante tempo. Isso decorre de uma necessidade sociológica e histórica do país.
As primeiras notícias após o desembarque dão conta de que poderia haver uma distribuição dos maiores cargos para PP e PR. Esta saída é válida para barrar o impeachment ou isso pode derreter ainda mais o apoio popular do PT?
Creio que está claro hoje para a esquerda política brasileira que é preciso fazer um duplo movimento que se complementa. Ou seja: de um lado você tem de acelerar um projeto de mudanças sociais, de programas sociais, como a recente inauguração da fase três do Minha Casa, Minha Vida, que sinaliza para a continuidade de um programa de distribuição de renda. De outro lado, um segundo movimento, que complementa este, é buscar segurança institucional que tenha programa com essas características.
Neste sentido, não vejo incomodo na esquerda política de um modo geral em relação à política de alianças que confira estabilidade ao governo da presidente Dilma. Acho uma medida acertada neste momento, sobretudo considerando a gravidade da crise econômica e também o peso dos ataques feitos ao governo, que exigem naturalmente que ele esteja resguardado. Quanto mais aliados se somarem a essa tese, acho positivo.
Mas estamos falando do PP, um dos partidos que tem mais nomes envolvidos na Lava Jato. Dar mais protagonismo ao PP no governo não pode incomodar a base social do PT, justamente no sentido de inviabilizar uma reeleição em 2018?
Na verdade, não é possível colocar a participação na Lava Jato como critério para nada, porque infelizmente você tem denúncias, acusações contra políticos de todos os partidos, inclusive os da oposição. Não é um referencial válido. A separação do joio do trigo é necessária, mas não tendo em conta o critério de ter pessoas deste ou daquele partido envolvidas. A questão central é seguir apoiando as investigações, apoiar o trabalho, desde que constitucional e legal, que seja feito pelo Ministério Público, pela polícia e pela Justiça. E que quem cometeu erros e crimes que os paguem.
Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment, classificou as pedaladas como "crime grave" porque, segundo ele, "levaram a União a contrair operações de crédito com entidades financeiras das quais ela é a controladora", o que é vetado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Operação de crédito é um conceito legal específico. Não houve operação de crédito, mas sim operações de compensação entre a União e os bancos. Às vezes essa compensação resulta em ônus à União e, às vezes, em ônus aos bancos. No mais das vezes, os bancos ficam devedores em relação à União, não o contrário. Isso é uma tentativa de distorcer atos normais, que são feitos há muitos anos, e transformá-los em uma infração à LRF.
Janaína Paschoal, que também participou do texto que baseia a análise da comissão do impeachment, afirmou que a presidente Dilma Rousseff cometeu crime no momento da "abertura do crédito suplementar sem prévia autorização legislativa", quando publicou os seis decretos questionados pela acusação.
Esses decretos equivalem a menos de 0,1% da execução orçamentária da União. Se olharmos por este ponto de vista, o impacto sobre a sanidade da execução orçamentária é ínfimo. E o próprio Congresso Nacional votou o PLN 5/2015, que chancelou todos esses créditos. Ao votar o PLN 5/2015 acontece o que se chama no direito penal de abolitio criminis. Mesmo que tivesse havido crime, o que não houve, no momento em que o PLN 5/2015 foi aprovado, teria deixado de existir. Não há enquadramento de crime de responsabilidade por isso.
Também de Janaína Paschoal: "o comportamento omissivo doloso no episódio do 'petrolão'", como foi apelidado o escândalo de corrupção na Petrobras, é ponto a ser levado em consideração.
Tem de se de observar que isso não é nem sequer debatido no processo de impeachment, porque, quando houve apresentação da denúncia, essa parte foi rejeitada pelo presidente da Câmara. O processo de impeachment que concretamente se discute na Comissão refere-se exclusivamente ao que é chamado de “pedaladas fiscais”. A esfera de debate disso, que pode ser feito, é em outro local que não nessa Comissão.
Portanto o senhor sustenta que há golpe em curso no Brasil?
Seguramente. Há tentativa de impeachment sem causa constitucional legítima. Tem sido dito que impeachment é constitucional porque está na Constituição. Imaginemos o seguinte: a Constituição trata de pena de morte em caso de crimes de guerra. Se alguém fosse vítima de pena de morte, diriam que isso é constitucional porque está na Constituição? Não, a Constituição diz que só pode haver pena de morte em caso de crime de guerra. Não bastar estar na Constituição para que haja aplicação constitucional. Afere-se a constitucionalidade em relação da norma a um determinado fato.
Na medida em que a norma abstrata que trata de impeachment não tem aplicabilidade neste caso, porque não há crime de responsabilidade, há tentativa de deposição de um governo eleito legitimamente pelo voto popular. Evidentemente, é golpe.
Mas quem são os agentes desse golpe, a quem ele interessa?
Há vários interessados, mas vejo duas situações fundamentais. Uma dos insatisfeitos com o resultado eleitoral de 2014. E não me refiro apenas aos políticos, mas também a uma parcela da sociedade que não concordou com resultado. Não concordar com ele é legítimo. Já a aferição sobre se a decisão popular de 2014 foi certa ou errada só poderá ocorrer em 2018. A Constituição prevê eleições diretas, secretas e periódicas. Não é porque a pessoa não concorda que pode haver um novo julgamento a qualquer hora.
Há de outro lado interesses de oportunistas que imaginam que derrubar a presidente seja caminho para parar a Lava Jato. Visam se proteger exatamente atacando a presidente, sobre a qual não pesa qualquer acusação. Não há conta na Suíça, não há envolvimento com propina. É como se fosse uma cortina de fumaça. O segundo seguimento é dos que têm medo da Lava Jato.
O senhor falou em duas situações e não citou em nenhum momento interesses econômicos por trás do impeachment. Eles não existem?
Acho que há certa visão de parcela do empresariado brasileiro de que esse seria um caminho para ter um governo mais favorável a determinadas visões, determinadas políticas. Mas me parece que não é esse o principal. Particularmente, não consigo identificar quais interesses são esses. Há um protagonismo da Fiesp, mas com qual objetivo? Não sei. Especula-se que haja interesse de grupos que querem revisão das regras do pré-sal. Mas realmente creio ser cedo para afirmar concretamente que estariam mobilizando isso.
E, se confirmado o impeachment, agora em um exercício de projeção, o que o senhor prevê para o futuro do cenário político do país?
Um desastre. Primeiro porque haveria precedente grave para o futuro, abriria espaço para múltiplas tentativas de vingança e sabotagem no futuro. De outro lado, teríamos um governo muito frágil, sem sustentação social, sem apoio popular em um quadro complexo por causa da crise econômica. Um governo que dificilmente se sustentaria.
O impeachment seria a antessala do caos. Um governo fraco, questionado, sem legitimidade. Movimentos sociais mobilizados fortemente nas ruas, reivindicações que este hipotético governo teria dificuldades de atender, um governo que teria dificuldade de ter sustentação parlamentar. Seria desastroso ao país. Ainda mais porque seria um governo que por sua vez também enfrentaria processo de impeachment. Michel Temer teria sobre si a mesma acusação de ter assinado decretos de crédito sem autorização legal. Parece-me que teríamos situação muito pior do que a que temos hoje. Quando os agentes econômicos notarem isso, passarão a atuar pela estabilidade política.
Como comunista, o senhor decerto conhece o conceito de Marx que diz que a história acontece antes como tragédia e depois se repete como farsa. A "tragédia" de 1964 pode ser repetida como farsa no momento atual?
Acho que a tendência mais forte hoje é não se repetir de forma alguma [risos]. Há hoje um prognóstico favorável.
Mas há alguma relação do momento que vivemos com outros períodos da vida política brasileira?
Há similitudes no sentido de haver radicalização de posições, de sectarização e tentativa de subversão do jogo democrático, de rasgar a Constituição. Assim como no período entre 1961-64, mas também em outros, aqueles que não conseguiram nas urnas fazer valer sua posição estão tentando por atalho desrespeitar regras estabelecidas para tentar chegar ao poder. Então há similitude, mas também há diferença: o próprio ambiente internacional, e também o nacional, é menos receptivo a esse tipo de estratagema, de rasgar as regras do jogo. No momento em que se caracteriza que há algo incompatível com a Constituição, Dilma se fortalece.
Há quem fale na possibilidade da ascensão de uma figura “fascistoide” para 2018. O senhor acredita nesta possibilidade?
Eu estava falando de 2016 [risos]. Em 2018, há quem especule que haveria espaço para um Berlusconi brasileiro. Eu penso que não. Nas últimas semanas, mostrou-se que há uma consciência democrática média que nos protege disso. É evidente que essas posições de ultradireita, fascistas, preconceituosas e violentas cresceram muito de 2013 para cá, manifestando-se nas ruas e nas redes sociais de modo assustador. Mas acho que está muito, mas muito longe de um sentimento que se torne majoritário.
O senhor já disse em entrevista que um governo de coalização entre PT e PSDB pode ser a saída mais viável para o Brasil. Com a escalada da direita sobre Dilma, ainda cabe este pensamento?
No momento atual, claro que não. Eu venho sustentando esta tese há mais de um ano, a partir de dois fatores. Primeiro, o reconhecimento de que essa aliança foi decisiva em muitos momentos do país. Antes era a costela do PMDB que veio dar no PSDB, liderada por Mário Covas, Franco Montoro e o próprio Fernando Henrique Cardoso, que foi decisiva na campanha das Diretas Já e na feição democrática e social da Constituição de 1988. Grandes conquistas derivaram dessa atuação conjunta da esquerda com setores mais de centro, da chamada social-democracia. E segundo, por causa da nossa própria experiência aqui no Maranhão. Governamos muito bem com PT e PSDB. Em algum momento, é imprescindível que haja retomada de diálogo dos dois principais partidos do país, que protagonizaram todas as eleições presidenciais desde a redemocratização.
Sem isso não há saída estável?
Sem isso não há saída estável. Não há dúvida, porque são forças políticas que, nas condições normais de temperatura e pressão, têm mais pontos em comum do que divergências.
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