Vista como alimento ideal, soja pode se tornar vilã quando consumida em excesso
Cultivada há milênios pelos orientais, a soja é hoje reconhecida como uma das principais fontes de proteína e óleo vegetal do mundo – e o Brasil é um dos seus principais produtores. Este grão faz parte da família das leguminosas, assim como o feijão, a lentilha e a ervilha. Tem alto valor proteico, é rico em ferro, cálcio, zinco, potássio, vitamina E e fibras - nutrientes importantes para a nossa saúde.
Durante um tempo, a soja foi vista como um “grão milagroso”, que poderia prevenir diversas doenças, como as cardiovasculares, colesterol alto, osteoporose, diabetes e até câncer. Porém, muitos estudos já realizados e outros ainda em curso apontam que a soja, como qualquer outro alimento, traz benefícios, mas pode ser prejudicial se consumida em excesso.
“Ela possui fitoestrógenos capazes de ajudar na queda do colesterol e na melhora da osteoporose. Pela quantidade de fitohormônios presentes, diminui os sintomas de TPM e menopausa. Pode também atuar na imunidade por causa de um aminoácido, a arginina, que entra na composição do óxido nítrico - substância importante produzida nas nossas artérias e veias, responsável pela vasodilatação e na prevenção da hipertensão”, explica Daniela Jobst, nutricionista funcional e membro do Instituto de Medicina Funcional, nos EUA.
Alessandra Rodrigues, nutricionista colaboradora do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) completa: “O fitroestrógeno da soja é a isoflavona, composto com estrutura química semelhante ao hormônio estrógeno dos mamíferos. Na soja, a isoflavona se encontra na sua forma biologicamente inativa e só é ativada após a sua digestão, formando compostos bioativos com atividade estrogênica e antiestrogênica, além de atuarem como antioxidantes”.
Qual a melhor forma de consumo?
A soja pode ser consumida de diversas maneiras na nossa alimentação. Jobst acredita que as melhores são em forma de tofu ou missô e, por último, em grão. “O ideal é consumir a soja fermentada. A fermentação neutraliza as toxinas presentes na soja".
"Porém, o uso diário deve ser evitado para não sobrecarregar o organismo", alerta a nutricionista funcional Carolina Baccei.
A médica endocrinologista Daniela Fernandes Telo acredita que a soja pode ser consumida, como opção de proteína vegetal, na quantidade de até seis colheres de sopa por semana - alternando com outras fontes dessa proteína, como feijão e lentilha e nunca como única fonte proteica, em especial por vegetarianos e crianças com intolerância à lactose.
Alessandra Rodrigues ensina que a soja pode ser incluída nas refeições principais e também nas intermediárias, lembrando que “moderação é a chave de tudo”. Ela dá algumas dicas para utilizar o alimento: adicionar lecitina de soja ao iogurte pela manhã; usar o grão como salada, à vinagrete; acrescentar tofu em sanduíches e saladas; substituir o leite comum pelo de soja no preparo de vitaminas; e enriquecer o feijão convencional ou o arroz integral.
O produto pode fazer parte do cardápio principal, em receitas à base de proteína de soja texturizada, como almôndega, quibe ou hambúrguer de soja. E o grão torrado e aromatizado é uma boa opção de snack. “Ela também possui ferro e, para melhorar a absorção deste nutriente na alimentação, deve ser combinada a fontes de vitamina C, como limonada, por exemplo”, diz ela.
Os benefícios da soja são cumulativos, mas dependem do consumo regular. Algumas pesquisas realizadas no Japão, Estados Unidos e Europa mostram que a ingestão diária de alimentos à base de soja reduz a possibilidade de algumas doenças.
Vale lembrar que, no Oriente, o alimento é fermentado e não sofre nenhum tipo de processamento. “A processada, muito utilizada pelos ocidentais, sofre alterações em suas proteínas, formando substâncias até tóxicas para o nosso organismo. Temos de levar em consideração que a soja consumida pelos japoneses é de ótima qualidade. Eles aliam o consumo a uma alimentação rica em nutrientes que protegem o organismo contra substâncias maléficas. Já a alimentação ocidental é cada vez mais pobre em nutrientes e rica em substâncias tóxicas”, afirma Baccei.
Durval Ribas Filho, médico nutrólogo e presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) diz que a soja tem uma qualidade proteica bem interessante. Para os vegetarianos, ele faz um alerta importante: “Variem as fontes de proteína vegetal - para que não haja consumo excessivo da mesma proteína. A soja não tem a vitamina B12 e outros minerais importantes para o nosso organismo. Então, o vegetariano deve repor isso de outra forma, mas a soja deve ser usada, sim, como uma alternativa na dieta do dia a dia”.
Puberdade precoce
O consumo excessivo de soja poderia levar à puberdade precoce
"Pesquisas em animais trouxeram alguns indícios de que a isoflavona da soja, consumida precocemente ou em períodos críticos do desenvolvimento e em grandes quantidades poderia ser um desregulador endócrino”, afirma a nutricionista Mariana Del Bosco, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Porém, ela diz que não há evidências em humanos de que o consumo de soja possa causar anormalidade na produção dos hormônios sexuais. Os resultados das pesquisas que avaliam o risco da menarca precoce são controversos e mais pesquisas são necessárias para que se chegue a algum consenso.
Já Baccei é mais enfática: “Alguns estudos demonstram que altas doses de fitoestrógenos presentes na soja podem aumentar a chance de desenvolvimento sexual prematuro em meninas, pelo aumento de hormônio feminino na corrente sanguínea, e no retardamento do desenvolvimento sexual em meninos, pela inibição da produção de testosterona". Por esses motivos, a especialista considera que a soja não deve ser utilizada nessa fase da vida.
A nutricionista Daniela Jobst conta que, em grandes quantidades, para pessoas predispostas, a soja pode, sim, causar alterações na puberdade das crianças: “Por causa dos fitoestrógenos que podem ocupar receptores estrogênicos e acelerar o processo de maturação de cada organismo”.
Alessandra Rodrigues afirma que na literatura médica existe apenas um pequeno número de relatos que relacionam o consumo de soja e derivados à puberdade precoce, mas nenhum estudo clínico grande que comprove tal relação foi publicado até o momento. Ela acredita que nenhum alimento consumido em nosso dia a dia tenha quantidades significativas de fitosteróis capazes de causar tamanho desequilíbrio hormonal.
Porém, ela concorda que o uso excessivo de produtos de soja associado a outros fatores pode ter, sim, relação com a puberdade precoce. Ela cita um estudo publicado em março de 2002, no Best Practice & Research Clinical Endocrinology & Metabolism, mostrando que a incidência maior de puberdade precoce em meninas e meninos pode ser associada ao aumento da ingestão de firoestrógenos, em especial por meio de fórmulas lácteas derivadas da soja. E acrescenta: "Outros estudos seguiram apresentando forte correlação entre a elevada ingestão de fitoestrógenos pela população infantil, vítima de puberdade precoce".
"Na minha opinião, ainda é precoce atribuir toda a responsabilidade à soja por essa tendência secular de antecipar a puberdade normal em meninas e meninos", ressalta a médica Daniela Fernandes Telo. Segundo ela, outros fatores podem contribuir para isso, como a maior prevalência da obesidade na população infanto-juvenil -- o tecido adiposo produz a leptina, hormônio conhecido como um dos iniciadores da puberdade, e a aromatase, enzima capaz de transformar hormônios masculinos em femininos. Ela também menciona como possíveis causas a apresentação de alimentos contaminados com hormônios sexuais e até a exposição exagerada da população infantil a programas com apelos sexuais.
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