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Multivitamínicos podem prevenir câncer, mas dose excessiva pode elevar risco da doença

Em dois estudos separados, fumantes que receberam suplementos com altas doses de betacaroteno desenvolveram, inesperadamente, mais cânceres de pulmão do que quem ingeriu o placebo - Shutterstock
Em dois estudos separados, fumantes que receberam suplementos com altas doses de betacaroteno desenvolveram, inesperadamente, mais cânceres de pulmão do que quem ingeriu o placebo Imagem: Shutterstock

Roni Caryn Rabin

The New York Times

26/10/2012 13h52

Será possível reduzir o risco de câncer tomando um multivitamínico todo dia?

Na semana passada, pesquisadores de Boston anunciaram que um dos maiores estudos clínicos de longo prazo com multivitamínicos nos Estados Unidos – englobando 14 mil médicos (apenas homens participaram) com pelo menos 50 anos num período de mais de uma década – constatou que ingerir uma combinação comum de vitaminas e minerais essenciais todo dia reduziu a incidência de câncer em oito por cento, na comparação com o placebo.

Segundo o estudo, os maiores beneficiários foram homens que tiveram câncer num estágio anterior da vida. As mortes por câncer também foram menores entre quem ingeria vitaminas, embora essa descoberta possa ter sido casual. Curiosamente, o regime vitamínico não reduziu o índice de câncer de próstata, o mais comum a afetar os homens.

Os pesquisadores também procuraram efeitos colaterais e descobriram que as vitaminas diárias causaram somente problemas menores, como erupções cutâneas ocasionais.

Embora a redução de 8% na taxa total de câncer seja bastante modesta, Demetrius Albanes, investigador sênior do Instituto Nacional do Câncer, assegurou que as implicações potenciais sobre a saúde pública são enormes.

"Se você pensar nas centenas de milhares de casos novos de câncer a cada ano, oito por cento pode resultar numa bela soma."

Resultados ambíguos

No entanto, ninguém está incentivando mais norte-americanos a tomarem multivitamínicos. Embora metade da população já tome algum tipo de suplemento, estudos anteriores produziram resultados ambíguos. Estudos com altas doses de nutrientes, as quais deveriam combater o câncer, foram concluídos prematuramente ao apresentar resultados negativos, elevando os casos de câncer em vez de reduzi-los.

As atuais diretrizes dietéticas federais e as recomendações da Sociedade Americana do Câncer incentivam as pessoas a ter uma dieta equilibrada, rica em frutas e vegetais. Até agora, o consenso tem sido o de não existir provas científicas suficientes para justificar a ingestão de multivitamínicos para prevenir o câncer ou outras doenças crônicas.

Embora um grande estudo conduzido em Linxian, China, tenha constatado a redução no câncer de estômago em pessoas escolhidas por acaso para receber suplementos com vitamina E, selênio e beta caroteno, essa população sofria deficiências nutritivas crônicas e o câncer de estômago era mais comum do que nos EUA.

Em 2006, uma análise dos Institutos Nacionais de Saúde concluiu que o indício era "insuficiente para provar a presença ou ausência de benefícios do uso de multivitamínicos e suplementos minerais". Mais recentemente, o Instituto de Medicina alertou as pessoas em relação aos suplementos de cálcio e vitamina D, dizendo que a maioria dos adultos saudáveis não precisa deles e que doses altas de cálcio estão ligadas a pedras no rim e doenças cardíacas e que doses elevadas de vitamina D também podem ser prejudiciais.

O Dr. J. Michael Gaziano, cardiologista do Brigham and Women's Hospital e do VA Boston Healthcare System, o principal autor do novo estudo com os multivitamínicos, disse que o motivo fundamental para ingerir o produto era e continua sendo a prevenção de deficiências nutricionais. Ele relutou a especular por que um multivitamínico pode reduzir o câncer. Segundo observou, uma das hipóteses principais é o de determinadas vitaminas e antioxidantes protegerem as células, durante o processo de envelhecimento, dos radicais livres, moléculas nocivas causadas por processos metabólicos no interior das células.

O estudo com os médicos é um tipo de análise clínica considerada altamente confiável para determinar causa e efeito. De forma aleatória, os participantes recebiam um multivitamínico ou um placebo. Porém, eles não eram representantes da população em geral. Os médicos formavam um grupo bastante homogêneo, com alto grau de instrução, menos distinto em termos raciais e étnicos que a população como um todo, com um número menor de fumantes. E não participaram mulheres.

"Os resultados são promissores, mas queremos ter certeza de que os efeitos seriam similares e, certamente, não prejudiciais em meio a populações diferentes", disse Marji McCullough, epidemiologista nutricional da Sociedade Americana do Câncer. "Vale a pena reproduzir esses achados para ver se podem ser generalizados com mulheres e fumantes, entre outros."

McCullough também comentou que existem combinações diferentes de multivitamínicos e que os resultados do experimento se aplicam somente à formulação específica usada no estudo. A Pfizer doou o produto, Centrum Silver, mas a empresa mexeu na fórmula desde o começo do estudo, por exemplo, reduzindo a quantidade de vitamina A e acrescentando os nutrientes luteína e licopeno.

De acordo com os especialistas, em termos gerais, quem toma vitaminas faz parte de um grupo relativamente mais saudável. Essas pessoas costumam ter uma dieta variada e saudável, cuida do peso e é fisicamente ativa. Nem sempre fica claro que os benefícios atribuídos às vitaminas provenham das pílulas.

"Existe uma mística envolvendo as vitaminas, que elas seriam uma espécie de ingrediente mágico", disse David G. Schardt, nutricionista sênior do Centro de Ciência de Interesse Público, grupo de defesa, de Washington. "Existe um quê de verdade nisso, pois as vitaminas são essenciais para a vida. Porém, é difícil provar se as pessoas viverão mais ou serão mais saudáveis se tomarem vitaminas ou comerem alimentos fortificados com vitaminas."

Este ano, o organismo pressionou a Pfizer a modificar os rótulos do Centrum os quais afirmavam que os multivitamínicos contribuem para a "saúde do seio" e a "saúde do cólon". Tais afirmativas devem ser aprovadas com antecedência pela FDA (agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos). Embora os rótulos não sustentassem explicitamente que os suplementos previnem o câncer, o Centro alegou que essa era a mensagem implícita.

Riscos do excesso

Os especialistas estão particularmente preocupados em permitir o entusiasmo ir além das provas científicas, pois alguns testes com vitaminas levaram a paradoxos assustadores. Em dois estudos separados, fumantes que receberam suplementos com altas doses de betacaroteno desenvolveram, inesperadamente, mais cânceres de pulmão do que quem ingeriu o placebo. Acreditava-se que o betacaroteno protegesse contra o câncer, porém, no pulmão dos fumantes, a dosagem alta parece ter danificado o DNA em vez de protegê-lo, explicou McCullough.

Outro estudo grande, envolvendo 35 mil homens que receberam selênio e vitamina E na esperança de reduzir os casos de câncer de próstata, também gerou resultados decepcionantes.

Embora a deficiência de determinados nutrientes possa ser nociva, o excesso, em alguns casos, também pode ser ruim, disse Joel B. Mason, professor de medicina e nutrição da Universidade Tufts. De acordo com ele, a exemplo de alguns remédios, determinados nutrientes e vitaminas necessitam ser fornecidos num nível específico favorável para gerar o benefício, conceito que ele e outros especialistas chamaram de "fenômeno de Cachinhos Dourados".

"Para mim, existem dados convincentes de que o baixo consumo habitual de ácido fólico leva ao aumento no câncer no cólon e, talvez, também a outros tipos de câncer", disse Mason. "O ácido fólico é um fator essencial na síntese e reparo do DNA."

Contudo, dar suplemento de ácido fólico a uma população bem nutrida não parece diminuir o risco, avaliou Mason, e, segundo alguns estudos, "em pessoas que ingerem quantidades extremamente grandes de ácido fólico, pode haver um aumento paradoxal no câncer colorretal".

Uma das observações importantes do novo estudo é que a dose diária de multivitaminas parece razoavelmente segura, ajudando a modelar a direção de pesquisa futura, disse Albanes, o investigador sênior do Instituto Nacional do Câncer.

"A ideia segundo a qual 'se pouco é bom, mais é melhor' levou a testes com dosagens elevadas que não se tornaram necessariamente verdade", afirmou Albanes. "Esse aspecto nos indica a direção dos tipos de dosagens que deveriam ser levadas em consideração para prevenção. É algo para se meditar."