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Mesmo sem 'estoque', cidades da Argentina exportam médicos para o Brasil

Maria Martha Bruno

Do UOL, em Buenos Aires

18/09/2013 07h00

Embora uma das bases do programa Mais Médicos seja o código de recrutamento de profissionais da Organização Mundial da Saúde, que permite a atuação de estrangeiros em países com proporção profissional/habitante menor que em sua terra natal, esta condição está afetando áreas de um país com quase que o dobro da nossa proporção de médicos. Na Argentina, cidades fronteiriças com o Brasil estão preocupadas com o êxodo de profissionais em busca de um salário melhor oferecido pelo projeto do governo federal. 

  • Arte UOL

    Saiba qual a proporção de médicos em cada Estado e o panorama em outros países

Em El Soberbio, três dos oito médicos do principal hospital público se inscreveram no programa. O município possui 67.698  habitantes e faz fronteira com o Rio Grande do Sul. Oscar Ahuad, ministro da Saúde (equivalente a secretário) da província de Misiones, onde está localizado o município, afirmou, em reportagem ao jornal argentino “Clarín”, que considerava pedir ao governo provincial que uma queixa formal fosse formulada ao Brasil sobre o assunto.

O ministro foi procurado pela reportagem do UOL, por telefone, diversas vezes nos últimos cinco dias, para confirmar a informação, mas não atendeu ou retornou as ligações. 

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De acordo com Ricardo Vargas, funcionário administrativo do hospital de El Soberbio, a saída dos médicos não prejudicaria o funcionamento da instituição, pois seriam substituídos com facilidade. No entanto, a afirmação não corresponde à queixa do ministro da Saúde de Misiones ao jornal argentino.

No Brasil há 1,8 médico por mil habitantes, enquanto na Argentina esta proporção chega a 3,2. Entretanto, as diferenças entre capitais e interior são comuns a ambos os países. Em Posadas, capital de Misiones, segundo o Colégio de Médicos local, há um profissional para cada 196 habitantes. Já na região da fronteira, em locais como El Soberbio, o número chega a cerca de 1.400 moradores por médico.


“O médico finge que trabalha e o Estado finge que paga”
A 193 km de El Soberbio, a cidade de Puerto Iguazú (também em Misiones), do outro lado de Foz do Iguaçu (PR), apresenta outra realidade. Segundo o diretor do hospital público El Semic, Telmo Albretch, três médicos já foram para o Brasil e outros quatro estão esperando o fim dos trâmites da segunda etapa de inscrição (terminada em 30 de agosto). Nenhum dos sete possui especialização. Ele diz ainda não se preocupar com a saída dos funcionários, mas entende o interesse dos profissionais, dada a situação financeira insatisfatória. 

Opinião: Drauzio Varella

  • A questão dos médicos estrangeiros caiu na vala da irracionalidade. No meio desse fogo cruzado, com estilhaços de corporativismo, demagogia, esperteza política e agressividade contra os recém-chegados, estão os usuários do SUS.

    Insisto que sou a favor da contratação de médicos estrangeiros para as áreas desassistidas, intervenção que chega com anos de atraso. Mas devo reconhecer que a implementação apressada do programa Mais Médicos em resposta ao clamor popular, acompanhada da esperteza de jogar o povo contra a classe médica, é demagogia eleitoreira, em sua expressão mais rasa.

    Leia, na íntegra, o artigo de Drauzio Varella

“Aqui eles recebem 10.000 pesos por seis horas diárias (aproximadamente R$ 4.000) e o salário no Brasil é tentador (R$ 10.000). Eles não cumprem este horário no nosso hospital. Não há muito controle e, como o dinheiro não é suficiente, eles precisam trabalhar em outros lugares. No fim das contas, o médico finge que trabalha e o Estado finge que paga”, conclui. 

Apesar da tranquilidade provisória quanto à exportação de profissionais, Albretch, ex-ministro da Saúde da província, afirma que caso o êxodo continue e inclua médicos especializados, a situação pode ficar preocupante. 

Realidade é diferente nas maiores províncias 
Segundo o Consulado do Brasil em Buenos Aires, a primeira convocatória atraiu 47 médicos na província homônima, a maioria composta por brasileiros e argentinos formados no país. O número caiu na segunda convocatória, encerrada em 30 de agosto, com 15 inscritos.

Mas, devido à maior divulgação do programa, após a matéria do jornal “Clarín”, publicada em 5 de setembro, a responsável pelo programa na representação diplomática brasileira, Giuliana Ciccu, afirma que o número de pedidos de informações aumentou: “Com a perspectiva de novas inscrições em outubro e a matéria do jornal, acho que este número deve se elevar bastante”. 

O mesmo ocorre na província de Córdoba, cuja capital homônima é a segunda maior cidade argentina. O cônsul-adjunto, Carlos Liborio, diz que, no total, até agora foram dez médicos na primeira convocatória e dois na segunda. Pelo tamanho da província, a emigração de profissionais não vai afetar o panorama de saúde local.

“Em toda a província de Córdoba há muitos médicos. Não condiz com a situação dos municípios de fronteira com o Brasil. E 40% do total de inscritos são formados por brasileiros que terão a possibilidade de voltar para o país.”