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União vai cobrir operação de Davi Miguel, mas pais precisam devolver doação

Dinea Silva Gama, 41, e Jessimar Aparecido Gama, 45, seguram o menino Davi Miguel durante sua festa de aniversário de um ano, comemorada em março deste ano - Jhonatan Vinicius/Arquivo pessoal
Dinea Silva Gama, 41, e Jessimar Aparecido Gama, 45, seguram o menino Davi Miguel durante sua festa de aniversário de um ano, comemorada em março deste ano Imagem: Jhonatan Vinicius/Arquivo pessoal

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

27/04/2015 16h58

O TRF (Tribunal Regional Federal) de São Paulo determinou que a União arque com os custos do tratamento do bebê Davi Miguel, 1, nos Estados Unidos, estimados em R$ 3,5 milhões. Ele precisa de um transplante de intestino para sobreviver. Para isso, entretanto, a família deverá entregar à Justiça todo o dinheiro que conseguiu com doações, valor estimado em R$ 1,5 milhão. A família irá recorrer. A decisão de obrigar a família a devolver os recursos vindos de doação é inédita no país. 

Davi Miguel, que nasceu em Franca (SP), sofre de uma doença nas microvilosidades intestinais, conhecida como diarreia intratável. A decisão foi proferida pelo desembargador Fábio Prieto, presidente do TRF. A família deverá apresentar "prova documental das contas bancárias utilizadas na arrecadação de dinheiro da população, desde a sua abertura e com toda a movimentação, bem ainda realize o depósito integral do numerário perante o digno Juízo de 1º grau de jurisdição (...) e que o dinheiro da União seja utilizado após o cumprimento das diligências mencionadas (...) após o esgotamento dos recursos arrecadados junto à população", afirmou o magistrado, na sentença.

A decisão determina ainda que ficará a cargo da União a escolha do hospital onde o procedimento será realizado - na decisão anterior, a escolha do Jackson Memorial Hospital, em Miami, era obrigatória. "Não cabe, porém, restringir, sem qualquer avaliação, o tratamento ao centro médico de Miami (EUA). Esta deverá ser uma das possibilidades - aceitável, sem dúvida -, a critério justificado da União, cuja conclusão deverá ser apresentada, em 15 dias, ao digno Juízo de 1º grau de jurisdição", afirma o magistrado, na sentença.

De acordo com a decisão, a família da criança tem 15 dias para entregar a verba arrecadada e a prestação de contas. O mesmo prazo foi dado para a União apresentar ao juízo de 1º grau de Franca uma opção de hospital onde a cirurgia deverá ser realizada. A União e o Ministério Público também podem entrar com o pedido de agravo no prazo de dez dias. 

Agravo

Segundo a advogada da família, Angélica Pires Martori, a família irá entrar com o agravo até esta terça-feira (28) para recorrer das condições impostas pelo desembargador. “A decisão é de grande importância, mas as ressalvas introduzidas não deixam a família, nem a própria população que doou, contente. Nós iremos agravar nesses dois pontos e esperamos reverter essa decisão", informou.

Segundo a advogada, a família quer que a internação ocorra no Jackson Memorial, já que trata-se do hospital com maior índice de sucessos em casos semelhantes ao de Davi Miguel. "A gente entende que não há outro hospital que não o de Miami. Todas as medidas tomadas em relação à saúde da criança também tiveram base no que este hospital determina, não seria bom para a saúde dele que outra instituição fosse indicada”, explicou.

A advogada também é contra a medida de solicitar o dinheiro arrecadado por meio de doações, por entender que tal quantia será usada pela família durante o tempo de tratamento de Davi nos EUA. “A família vai precisar ficar nos Estados Unidos por pelo menos dois anos. E o Ministério da Saúde não custeia a estadia, e os pais não vão poder trabalhar, porque o visto deles não permitirá. Esses recursos podem manter a família lá nesse período", conta.

Para Jesimar Gama, 45, pai do bebê, o dinheiro da campanha será utilizado para hospedagem da família e demais gastos nos Estados Unidos. "Vamos eu, a minha mulher, Dinea, e o Davi Miguel. Como vamos nos manter lá sem esse dinheiro? Essa decisão é muito esquisita", disse ela, ressaltando que Davi Miguel está bem de saúde. "Ele está muito bem, crescendo. Agora é esperar a operação. Vamos tentar resolver esse problema, mas só de ter a decisão favorável a nós já é ótimo", disse.

A reportagem contatou o Ministério da Saúde e questionou se a União pretende recorrer e se o Jackson Memorial será o hospital escolhido para a operação, mas a instituição não respondeu até o fechamento da matéria.

O caso

Davi Miguel nasceu em 12 de março de 2014 na maternidade do Hospital Regional, em Franca, e foi para casa no mesmo dia. Ele nasceu com 3,2 quilos, peso considerado normal. O menino permaneceu cinco dias com a família, mas como começou a perder peso, foi levado de volta ao hospital, onde chegou com 2,8 quilos.

Lá, ficou internado e foi levado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, vinculado à USP (Universidade de São Paulo), onde passou por uma bateria de exames que durou um mês e meio. De volta à Franca, David Miguel permaneceu internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e teve o diagnóstico após três meses de internação.

A doença de Davi Miguel é uma condição rara, que impede que qualquer alimento ingerido seja processado pelo organismo. Ele só se alimenta pela veia e não consegue ganhar peso nem absorver os nutrientes dos quais necessita para viver. Com pouco mais de um ano, o menino tem pouco mais de sete quilos - menos da metade do que seria normal para sua idade.  "A alimentação dele é 95% parenteral (intravenosa), mas ainda mantemos o intestino funcionando", conta a médica Gisela Paludeto Cruz, chefe do setor de UTI da maternidade do Hospital Regional de Franca, responsável por cuidar de David Miguel durante os primeiros meses de vida.

Em novembro, uma decisão da Justiça Federal em Franca determinou, em caráter liminar, que a União arcasse com os gastos para o transplante, mas, em janeiro, o desembargador Prieto suspendeu a decisão, argumentando que Davi Miguel não tinha peso suficiente para realizar o transplante e que, por isso, a decisão deveria ser adiada. Como o menino ganhou peso, o magistrado entendeu que o procedimento a ser realizado no exterior já é possível e, com isso, voltou a valer a decisão da Justiça em Franca.