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"Vivo um dia de cada vez", diz funcionária pública com lúpus

A funcionária pública de Campinas (SP) Abigail Fernandes da Cruz, 48, foi diagnosticada com lúpus há dois anos - Arquivo pessoal
A funcionária pública de Campinas (SP) Abigail Fernandes da Cruz, 48, foi diagnosticada com lúpus há dois anos Imagem: Arquivo pessoal

Fabiana Marchezi

Do UOL, em Campinas (SP)

10/05/2015 06h00

A funcionária pública de Campinas (SP) Abigail Fernandes da Cruz, 48, foi diagnosticada com lúpus há dois anos. À época, ela teve de passar por diversos exames até ter o diagnóstico preciso da doença. Desde então, além de tratamento e acompanhamento, ela contou com sua fé para conviver com a doença e com as mudanças que o lúpus trouxe à sua vida . Leia o depoimento:

Fui diagnosticada com lúpus há dois anos. Desde então, levando em conta que a doença ainda não tem cura, me cuido e vivo um dia de cada vez. Em março de 2011, enquanto cursava duas faculdades -comércio exterior e pedagogia-, trabalhava, cuidava da minha mãe e tinha algumas atividades na igreja. Nessa época, comecei a sentir fortes pontadas no coração e no braço esquerdo, mesmo estando em repouso.

Fui ao cardiologista e ele pediu alguns exames, fez algumas perguntas sobre minha rotina e concluiu que eu estava com estresse agudo. Passou uma medicação e disse que eu precisava parar com alguma das minhas atividades ou não teria melhora. Ponderei e percebi que não poderia desistir de nenhuma atividade por diversos fatores.

De fato, o quadro começou a piorar. Comecei a ter perda de cabelo, canseira, formigamento e endurecimento da nuca, mãos quentes e resfriamento dos dedos. Em 2012 vieram dores fortes nas articulações ao ponto de o local ficar inchado. Minhas mãos estavam grandes e grossas e eu não tinha força nem para abrir uma garrafa de água. Fui ao ortopedista e ele disse que eu poderia estar com hérnia de disco no pescoço e fiquei de repouso absoluto por 10 dias alternando compressas frias e quentes, além de injeções e anti-inflamatórios.

No final daquele ano observei que minhas pernas, do joelho para baixo, apresentavam manchas vermelhas, iguais às de picadas de pernilongo, e foram aumentando e se aglutinando, formando placas indolores, mas com aspecto horrível. O médico disse que era vasculite (inflamação nos vasos sanguíneos, que já era consequência do lúpus). Uma tarde, após chegar do trabalho, tentei deitar e não consegui, pois estava com falta de ar e uma dor aguda no peito. Liguei chorando para uma amiga e disse que precisava ir ao pronto-socorro.

Fui internada em 19 de abril de 2013 com suspeita de Doença de Rosai-Dorfman, uma doença benigna da pele, decorrente da vasculite. No primeiro dia de internação foram realizados alguns exames laboratoriais e comecei a tomar corticoide e as dores começaram a desaparecer. Falaram que eu estava com nefrite, fibrose pulmonar e derrame pleural. Mais exames foram feitos -biópsia de pele, tomografia, ecocardiograma, radiografia, dentre outros-, pois havia um consenso entre os médicos de que era uma doença autoimune, mas eles precisavam eliminar alguns critérios para ter certeza do diagnóstico, uma vez que as doenças autoimunes são muito parecidas (pasmem, são cerca de 80 doenças autoimunes conhecidas).

Depois de cinco dias de exames e investigações, no dia 24 de abril, eles concluíram que eu tinha lúpus e me explicaram que é uma doença crônica e grave que se caracteriza pelo desequilíbrio do sistema imunológico acometendo mais as mulheres da idade de 10 a 40 anos. Após o diagnóstico, comecei a primeira de uma série de seis sessões de uma medicação quimioterápica, chamada de pulsoterapia. As quatro primeiras sessões foram muito tranquilas, mas as duas últimas absolutamente terríveis. Tive muita dor de cabeça, vômito, náusea, mal-estar geral e prostração. Ainda bem que tudo passa!

Depois de dez dias de internação, voltei para casa e continuei o tratamento – corticoide (80 mg/dia), imunossupressores, vitamina D e carbonato de cálcio, antimalárico, toneladas de filtro solar, óculos escuros (fotossensibilidade), muito repouso. Era engraçado, pois cada manhã que eu acordava era um acontecimento diferente: um dia tinha otite, inchaço nos dois olhos, gripe - foram oito em um ano -, cotovelo inchado, quedas, tropeções, confusão mental, perda de concentração, troca de “visão” - eu era hipermítrope e agora sou míope -, catarata por depósito de medicação na retina, adormecimento na sola dos pés.

As recomendações médicas são beba muita água, esqueça que um dia existiram os refrigerantes, evite alimentos gordurosos, processados, sal e açúcar em excesso e fuja do sol. Mas, como sempre tive uma alimentação “natureba”, não foi difícil abrir mão de algumas coisas gostosas.

Em setembro de 2014, tive alta médica da nefrologia e as consultas ao reumatologista, antes trimestrais, passaram a ser semestrais. A dose de corticoide, que me deixou “desfigurada”, foi diminuindo gradativamente.

Sempre fui uma pessoa otimista, alegre e resiliente e, mesmo sofrendo com dor e muito desconforto, antes de descobrir que era lúpica, não me desesperei nem fiquei deprimida. Simplesmente lancei aquela situação nova nas mãos do Deus, que me criou e que poderia me curar se Ele quisesse ou me daria condições de ter uma vida satisfatória.

Tem um versículo na Bíblia Sagrada que diz exatamente isso: “Lançando sobre Deus a nossa ansiedade, pois Ele tem cuidado de vós”. Esse "lançar" me faz lembrar aquele esporte olímpico onde o atleta arremessa um disco o mais longe de si para conseguir as melhores marcas. Eu escrevi numa folha de papel a palavra LÚPUS e depois amassei a folha e, com toda força, joguei aquela bolinha longe de mim e fiquei tranquila!

Hoje, dois anos depois de tudo, me sinto muito bem! Se não fosse pelo cansaço, que não dá trégua, eu diria que não tenho absolutamente nada. Continuo a trabalhar e a fazer as coisas de que gosto, apenas diminuí o ritmo. Meus cabelos cresceram (sempre fui meio desencanada com aparência, mas ver meus cabelos “despregando” do couro cabeludo não foi muito confortável), comprei vários chapéus, desinchei (inicialmente eu tomava 80 mg de corticoide e agora não tomo mais) e, de vez em quando, vou até ao McDonald’s!

Campanha

Com o objetivo de levar esclarecimento sobre a doença autoimune e sem cura que atinge 200 mil brasileiros, mas que ainda é muito pouco falada no Brasil, o laboratório GSK, com o apoio da Sociedade Brasileira de Reumatologia, realiza a partir de hoje - Dia Internacional de Atenção à Pessoa com Lúpus - a campanha “Lúpus - Uma Questão de Foco”.

O lúpus afeta principalmente mulheres (9 em cada 10 pacientes são do sexo feminino), e muitos pacientes vivem anos com a doença sem saber, tratando os sintomas de forma equivocada. Estima-se que 5 milhões de pessoas no mundo tenham a doença.

Confira o vídeo da campanha.