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Preconceito e dificuldade em falar de suicídio são obstáculos à prevenção

Cerca de 50% a 60% das pessoas que se suicidaram nunca consultaram um profissional de saúde mental - Shutterstock
Cerca de 50% a 60% das pessoas que se suicidaram nunca consultaram um profissional de saúde mental Imagem: Shutterstock

Paula Moura

Colaboração para o UOL

08/12/2015 06h00

Doenças mentais estão presentes em 90% dos casos de suicídio, segundo o estudo mais atual da OMS (Organização Mundial da Saúde), realizado em 2002. Já a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) fala em quase 100% dos casos estarem relacionadas a doenças mentais. Entre essas doenças, os transtornos de humor - depressão e transtorno bipolar (alternância entre estado depressivo e de euforia) - lideram as mortes, com 35,8%. Entretanto, o preconceito e a dificuldade em falar no tema ainda são entraves para a prevenção.

"A depressão muda a visão de mundo, a pessoa deixa de acreditar na possibilidade de melhora, não vê luz no fim do túnel", explica Neury Botega, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de pesquisa que mostra que 17% da população já pensou em suicídio no Brasil. "Quando, além da depressão há o desespero, surge uma dor psíquica insuportável, vista como interminável. A ideia de suicídio, antes assustadora, pode passar a ser vista como uma saída para cessar a dor."

Cerca de 25% da população brasileira já teve um ou mais transtornos mentais ao longo da vida, diz a ABP. Já a OMS estima que 350 milhões de pessoas de todas as idades (4,7% da população mundial) sofrem de depressão em todo o mundo. Devido à alta abrangência da doença, a depressão é a doença mental mais associada ao suicídio, diz a ABP. “Infelizmente, há pessoas que ainda igualam a depressão – uma doença – às tristezas que podem surgir no dia a dia. São coisas completamente diferentes. Há sim um estigma, e o estigma dificulta a decisão de buscar ajuda”, lembra Botega. Ainda de acordo com a ABP, cerca de 50% a 60% das pessoas que se suicidaram nunca consultaram um profissional de saúde mental.

Mas isso não quer dizer que todos os deprimidos vão cometer suicídio, enfatiza Alexandrina Meleiro, professora da USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora da Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio da ABP. São necessários diversos fatores conjuntos para se chegar ao suicídio -- problemas financeiros, como a perda do emprego; problemas conjugais, como uma separação; dificuldades relacionadas à aceitação da orientação sexual pela pessoa e pela sociedade; no caso de adolescentes, o desarranjo familiar é decisivo, além do modo que a pessoa leva a vida (se leva tudo para o extremo, 8 ou 80), por exemplo.

Na entrega do Oscar deste ano, a documentarista Dana Perry ofereceu o prêmio ao filho que se suicidou aos 15 anos e tinha transtorno bipolar. “Nós precisamos falar em alto e bom som sobre o suicídio”, disse em seu discurso ao ganhar a estatueta por um documentário sobre atendimento telefônico de prevenção ao suicídio para veteranos de guerra e suas famílias. Logo após o discurso, o apresentador da cerimônia, Neil Patrick Harris, fez uma piada sobre o vestido de Dana, talvez por não saber o que dizer diante do tema. Na mesma cerimônia, o roteirista Graham Moore revelou que tentou se matar aos 16 anos e ofereceu o prêmio aos jovens que sentem que são diferentes e que não se encaixam. “Sim, você se encaixa. Continue diferente. E quando estiver aqui, passe a mensagem adiante”.

Fator genético

Há também o fator genético: pessoas com pais que se suicidaram têm quatro vezes mais chances de desenvolver comportamento suicida, explica Alexandrina. Mas ela diz que se a pessoa se cuida, não passa grandes traumas ou estresses, é possível levar uma vida normal mesmo tendo pais que se mataram.

A professora diz que, em casos de suicídio, observa-se a redução da produção de serotonina, o que prejudica as sinapses entre neurônios, pois essa substância é um neurotransmissor que regula o humor. "Se estamos felizes, é sinal de que os neurônios estão funcionando convenientemente. Esse equilíbrio faz com que tenhamos vontade de fazer as coisas", explica. "Se por motivos externos ou biológicos a produção de neurotransmissores cai, os receptores não recebem a informação, e a pessoa fica desanimada, de mau humor, nem consegue realizar qualquer outra atividade com prazer."

Humberto Correa, vice-presidente da Associação Latinoamericana de Suicidologia, salienta: “tem o componente genético, tem a vulnerabilidade social, mas precisa ter um gatilho”, diz. Segundo ele, os gatilhos para pessoas deprimidas podem ser uma situação estressante como separação conjugal, perda de trabalho, morte de pessoa próxima, entre outros.

Álcool e drogas são fatores de risco

No mundo, o abuso de álcool e drogas é responsável por 22,4% das mortes; transtornos de personalidade (como borderline, antissocial e psicopatia) ocorrem em 11,6% dos casos; esquizofrenia, em 10, 6%. “Se há uma combinação de dois fatores, como transtorno de humor e abuso de substâncias, o risco aumenta”, diz Alexandrina.

O álcool e drogas são perigosos porque atuam como depressores do sistema nervoso, o que pode favorecer a tomada de atitude de tirar a própria vida. Por outro lado, pessoas deprimidas podem fazer uso dessas substâncias para tomar coragem de praticar o suicídio.

O psiquiatra Teng Cheng Tung, professor da USP, lembra que as chamadas drogas de abuso - o que inclui o álcool -  lesionam o cérebro, e isso pode fazem com que uma pessoa desenvolva algum problema psiquiátrico; além disso aqueles que já têm momentos depressivos e pensamentos suicidas podem ganhar a impulsividade ao consumir drogas. "As drogas aumentam a impulsividade, especialmente o álcool e a cocaína, que são usados para obter estados de euforia." O médico explica que a maior parte dos suicídios e tentativas de suicídio são atos impulsivos. No caso da maconha e outras drogas, Tung diz que o uso crônico também pode trazer impulsividade.

É preciso melhorar a formação de médicos

Se por um lado 800 mil pessoas morrem por ano em suicídios no mundo (0,01% da população mundial), a maioria dos casos pode ser prevenida com condições mínimas de oferta de ajuda voluntária ou profissional e com o tratamento das doenças mentais, dizem os especialistas. Tratar a doença psiquiátrica de base é essencial, diz Tung. "Pode ser só alcoolismo, alcoolismo associado à depressão, só depressão etc. A psicoterapia é fundamental, assim como a prevenção de curto prazo, que é o Centro de Valorização da Vida (CVV)." Para os médicos, os melhores resultados são obtidos com o uso de medicamentos combinados com psicoterapia.

O preconceito e o estigma são os maiores obstáculos à prevenção do suicídio. O tabu em torno do tema leva a diagnósticos subestimados e medo de abordagem do tema por pessoas próximas. “É preciso melhorar o diagnóstico psiquiátrico e também a formação dos médicos que não são psiquiatras. Muitas vezes, os pacientes se sentem mais à vontade para falar com outros profissionais da saúde”, diz Tung. Segundo a ABP, 80% das pessoas que se suicidaram procuraram um médico não-psiquiatra um mês antes de morrer.

Grupos mais vulneráveis

Além disso, é necessário dar maior atenção às pessoas que já tentaram o suicídio uma vez, pois a chance de voltar a tentá-lo é de 50%, alertam os médicos. “Para quem já tentou uma vez, procurar ajuda psiquiátrica e/ou psicológica [deve ser] o mais rápido possível”, diz Correa. Uma crise suicida dura de minutos a horas e é muito importante socorrer a pessoa rapidamente.

Os chamados “sobreviventes do suicídio”, ou seja, parentes e amigos de alguém que faleceu por essa causa, também devem receber tratamento e apoio. “Eles precisam trabalhar para no futuro não virem a repetir o comportamento em um momento de dificuldade”, diz Alexandrina. Pessoas de 15 a 29 anos e acima de 70 anos também estão entre os casos de maior número de mortes.