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Brasil passa por pior surto de febre amarela em décadas, e crise deve piorar

febre amarela - Paulo Whitaker/Reuters - Paulo Whitaker/Reuters
Número de casos de febre amarela no país é 26% maior do que na mesma época do ano passado
Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Shasta Darlington e Donald G. Mcneil Jr.

Em São Paulo

13/03/2018 15h41

"Bom dia!", bradou um alto-falante recentemente no Jardim Monte Alegre, um bairro de classe operária na periferia de São Paulo. "Temos a vacina de febre amarela, e hoje vamos passar de casa em casa! É melhor acordar, porque o mosquito nunca dorme!".

Vinte agentes de saúde saíram dos carros. Apesar de estarem rindo e conversando com os moradores, a missão era extremamente séria.

O Brasil passa pelo pior surto de febre amarela em décadas. O vírus, que mata entre 3% e 8% dos infectados, já circula pelas megacidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, ameaçando se tornar o primeiro boom epidêmico urbano desde 1942.

Desde o começo da temporada de calor, 237 pessoas morreram, e o número de casos vai explodir se o vírus chegar às favelas e às nuvens de mosquitos Aedes aegypti que pululam por lá.

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O Aedes aegypti --conhecido por séculos como o temível "mosquito da febre amarela"-- também é o principal transmissor de zika, dengue e chikungunya. Ele se reproduz em água potável parada, poças de água formadas no lixo, se esconde nos cantos escuros das casas e muitas vezes pica vários humanos antes de botar seus ovos.

Para evitar a catástrofe, as autoridades sanitárias estão batalhando para vacinar 23 milhões de pessoas. Mas os esforços foram freados pelo que os críticos chamam de falhas do governo e falsos boatos sobre a vacina.

"Quando as pessoas pararam de vir até nós, começamos a ir até elas. Elas têm um monte de desculpas para não terem tomado a vacina ainda, mas quando aparecemos, geralmente é fácil convencê-las", disse Nancy Marçal Bastos, diretora de saúde e saneamento da região norte da cidade.

Com caixas refrigeradas cheias de vacinas, os agentes de saúde param no bar da esquina e na academia, perguntando: "Quem ainda não se vacinou? Para fila!". Preenchiam formulários com uma velocidade espantosa, e depois iam de casa em casa.

Mas os desafios são desanimadores.

No começo de 2016, o vírus da febre amarela se desviou do padrão: antes limitado aos macacos, lenhadores, caçadores, fazendeiros e outros habitantes da floresta amazônica, o vírus começou a ir em direção ao sul e ao leste, seguindo uma trilha habitada por macacos rumo às grandes cidades costeiras, dando início a uma emergência de saúde pública.

Brasileiros em pânico começaram a matar os macacos, pensando que isso poderia atrasar o surto. De acordo com as autoridades, isso na verdade atrapalha os esforços, porque as mortes dos macacos são um indicador da direção que o vírus está tomando.

No ano passado, as cidades não foram tão atingidas, pois os casos diminuíram com a chegada do frio. As autoridades mundiais de saúde demonstraram algum alívio, acreditando que a vacinação em massa pudesse deter o surto.

Mas isso não ocorreu, disse Sylvain Aldighieri, chefe de resposta a epidemias da Organização Pan-americana de Saúde.

"Os laboratórios confirmaram que pessoas foram infectadas no inverno, então a quantidade de vírus no começo do verão já era enorme", disse ele.

O vírus agora avança quase dois quilômetros por dia, e os esforços para conter a epidemia se transformaram em uma corrida entre o organismo e os agentes de saúde, afirmou ele.

O número de casos neste ano é 26% maior do que na mesma época do ano passado, e com os meses mais quentes e mais chuvosos a frente, o quadro está destinado a piorar.

Neste ano, a febre amarela --que tem esse nome por causa de seu sintoma mais comum, pele e olhos amarelados-- começou matando turistas estrangeiros, incluindo alguns que visitaram a Ilha Grande, uma ilha tropical no sul do Rio de Janeiro. Dois chilenos e um suíço morreram, e turistas da França, Holanda e Romênia ficaram gravemente doentes.

Em janeiro, pouco antes do carnaval, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos aumentou o nível de alerta, aconselhando aos americanos que viajassem para o Rio, São Paulo e várias outras cidades a se vacinarem antes.

O Brasil produz sua própria vacina em uma subsidiária do Instituto Oswaldo Cruz. Os críticos dizem que muito do caos deste ano poderia ter sido evitado se o governo tivesse agido mais rápido. Os preços baixos do petróleo atingiram todos os setores da economia, e o país tem enfrentado uma série de crises políticas que tiram o foco do problema.

"A resposta à crise de saúde pública foi muito adiada. Os macacos já estavam morrendo nas florestas há três anos", disse Karin A. Nielsen, infectologista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que desenvolve uma pesquisa no Brasil.

Jessé Reis Alves, infectologista de São Paulo, disse que a campanha de vacinação deveria ter sido lançada em "um momento de calma entre os surtos". Em vez disso, "esperaram que um novo surto surgisse".

Em setembro, foram dadas vacinas às pessoas que vivem perto de áreas florestais nos arredores da cidade, onde foram encontrados os macacos mortos; os subúrbios só foram alvos da vacinação em novembro.

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Inicialmente, longas filas se formaram nos postos de saúde, e 85 mil doses foram aplicadas em apenas um fim de semana. Depois, no Facebook, YouTube e outras mídias sociais, ativistas antivacinas --que não encontram muito eco no Brasil-- começaram a espalhar rumores aterrorizantes.

"Algumas pessoas começaram a difamar a vacina, dizendo 'isso vai te matar'. Essa ideia acabou aparecendo na mídia", contou Ernesto T. A. Marques, especialista em doenças transmitidas por mosquitos da Universidade de Pittsburgh.

A vacina, inventada nos anos 1930, é altamente eficaz --uma dose geralmente protege o indivíduo pela vida toda. Mas também não é inofensiva: não pode ser dada a recém-nascidos ou a quem tenha o sistema imunológico comprometido. Só é aplicada em quem tem mais de 60, mulheres grávidas e crianças com mais de oito meses se o risco de infecção for alto.

Um em cada 100 vacinados sofre com efeitos colaterais perigosos, como icterícia, hepatite ou encefalite, e talvez possa haver uma morte em um milhão, de acordo com Marques. "Se você vacinar 30 milhões de pessoas, terá cerca de 30 óbitos", disse ele.

Mas, se a febre amarela infectar 30 milhões de pessoas, cerca de dois milhões podem morrer.

Assim, com a doença avançando rapidamente, as autoridades de saúdes anunciaram que esperam imunizar 95% da população de 77 cidades no caminho do vírus, somando 23 milhões de pessoas, incluindo 12 milhões apenas em São Paulo.

Mas "não havia 12 milhões de doses", disse Wilson M. Pollara, secretário municipal de saúde de São Paulo. "Então, estamos imunizando em fases --2 milhões cada vez."

O estoque mundial de vacinas, supervisionado pela Organização Mundial de Saúde, geralmente contém apenas seis milhões de doses, produzidas por apenas quatro fábricas, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz. Mas o Brasil aumentou a produção para cerca de 5 milhões de doses por mês e em breve poderá dobrar esse número, de acordo com William Perea, coordenador de controle epidêmico da OMS.

Isso certamente deve cobrir as necessidades brasileiras por enquanto, de acordo com Perea, e o estoque global não deve diminuir. Se necessário, pode ser reposto: os quatro fornecedores podem fabricar 100 milhões de doses em uma emergência, disse ele.

Para fazer render o estoque inicial de vacinas, o país diluiu as doses. Esse recurso pode ser usado em emergências, de acordo com a OMS, e a proteção é garantida por pelo menos um ano.

Até agora, entretanto, apenas 5,5 milhões de pessoas foram vacinadas. Apesar dos números baixos, o Ministério da Saúde tem rebatido as críticas, afirmando que seguiu padrões internacionais.

"Não acho que houve erro ou atraso. Não dá para iniciar uma campanha de vacinação da noite para o dia", disse Renato Vieira Alves, coordenador-geral das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Apesar de o número de casos ser maior do que no ano passado, Alves argumentou que apenas uma parcela da população está em risco. "A maioria dos novos casos está ocorrendo em áreas onde, até agora, não recomendamos imunização."

Para afastar as suspeitas sobre a vacina e a frustração com as longas filas nos postos de saúde, os agentes de saúde começaram a bater de porta em porta ou a levar suas tendas para os bairros. Assim, esperam que a conversa direta dê mais resultados onde outros esforços falharam.

Lucia Elena de Paula, 36, explicou seus medos para a enfermeira: "Eu vi um vídeo no WhatsApp com uma menina falando que ficou paralisada depois da vacina".

Mas após uma conversa tranquilizadora com um membro da equipe, ela concordou em ser vacinada.

Depois de arrastar seu neto de 10 anos para uma academia onde ocorria a vacinação, Aparecida Caldeira, 61, disse: "Quando fomos ao posto de saúde em janeiro, as filas estavam muito longas. Ainda bem que vieram aqui. Mas é típico do Brasil, esperar até o último minuto para fazer as coisas".