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Venezuela: Maduro toma posse, oposição aguarda 'próximos capitulos'

20/04/2013 01h12

Um clima de "habemus presidente" tomou a Venezuela chavista nesta sexta-feira, dia em que, sob os olhos de delegações de 61 países, Nicolás Maduro foi empossado como o seu novo chefe de Estado.

Mas nas áreas opositoras de Caracas, era difícil ignorar uma sensação de que ainda estão por vir os "próximos capítulos" da disputa acirrada que se viu esta semana entre a oposição e o chavismo.

Estrondos de fogos de artifício soaram no momento em que Maduro recebeu a faixa presidencial e jurou dar continuidade ao chavismo sem Chávez.

O autodenominado "primeiro presidente chavista da história da Venezuela' repetiu um script no qual insistiu essa semana: "Há um núcleo fascista (na oposição) que tem intenções perversas contra nosso povo", disse.

E usou a mesma mão que estendeu à oposição para dar um 'tapa' em seu principal porta-voz.

"Conclamo a que cesse a divisão do país, conclamo todas as pessoas, os políticos da oposição, para conversar sobre os diferentes cenários que possam aparecer, estou disposto a conversar", declarou Maduro.

"Estou disposto a conversar até com o diabo, que Deus me perdoe. Até com o novo Carmona", afirmou o presidente, em uma tentativa de relacionar Henrique Capriles com o presidente imposto após o breve golpe de 2002, Pedro Carmona.

Oposição desconfiada

Foram palavras recebidas com desconfiança no leste da cidade, área de maioria opositora. Aqui, em vez de fogos de artifício, a trilha sonora da posse de Maduro foi o panelaço, uma marca registrada dos protestos convocados por Capriles.

Capriles, que continua sem reconhecer a oposição desde a vitória apertada de Maduro no domingo, se manifestou nesta sexta-feira através de sua conta no Twitter dizendo que "este governo é um por enquanto" e que "tempos melhores" virão em breve.

A partir da semana que vem, sua equipe estará focada em tentar provar que houve irregularidades nas eleições de domingo.

A concordância do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) em auditar a totalidade das urnas, papeletas e atas de votação das eleições de domingo foi o fator crucial para garantir um clima de relativa paz social nesta sexta-feira.

Mas os detalhes deste processo, que deve durar um mês, provavelmente ainda serão objeto de disputa.

Em uma rápida conversa com jornalistas antes da posse de Maduro, a presidente do CNE, Tibisay Lucena, disse que o objetivo da auditoria é "mostrar que a plataforma tecnológica funciona perfeitamente e que os resultados são o fiel reflexo d a vontade soberana das venezuelanas e dos venezuelanos".

"Estamos esclarecendo o país sobre qualquer manipulação, especialmente, qualquer falsa expectativa" em relação às auditorias, completou Lucena, provocando em seus detratores comentários de que o processo é uma farsa, e não mudará o resultado das eleições.

Por outro lado, um representante da oposição nas auditorias do CNE, Vicente Bello, traçou um quadro muito mais complexo e demorado.

Em conversa com jornalistas brasileiros em Caracas, Bello disse que a oposição pretende mostrar que: 1) houve inconsistências numéricas em algumas urnas eletrônicas, por exemplo, casos em que houve mais votos que eleitores registrados; e 2) houve irregularidades no entorno do ato de votar em si, por exemplo, propaganda em locais proibidos e seções com uma proporção distorcida de votos assistidos (quando a pessoa que "assiste", ou ajuda o eleitor, pode monitorar a escolha).

Se tais irregularidades forem confirmadas, disse o opositor, o CNE poderia se ver obrigado a imupgnar votos e até reconvocar eleições nos locais suspeitos. Bello indicou que a oposição não tem pressa. "Essa é uma novela por capítulos", comparou.

Fragilidade

Uma "novela" política favorece mais a oposição que uma "minissérie" porque, enquanto a eleição estiver em disputa, Maduro estará vulnerável à acusação de Capriles de que é "ilegítimo".

O ex-motorista de ônibus, sindicalista, chanceler e vice-presidente liderou o chavismo em uma das semanas mais difíceis para o movimento desde que Chávez consolidou a sua hegemonia sobre a oposição, vencendo o referendo revogatório de 2004.

Agora, o prospecto de um novo referendo para revogar o mandato presidencial - desta vez, de Maduro - voltou a ser tema de conversas entre os especialistas.

Ele, que já tinha o desafio de manter unido um movimento que se formou ao redor da figura agregadora de Chávez, começou seu mandato perdendo votos chavistas para a oposição.

Terá de enfrentar um país com problemas de ineficiência econômica, desabastecimento alimentar, quedas no fornecimento de eletricidade e insegurança.

Um incidente durante a sua posse nesta sexta-feira serviu de lembrança sobre esses problemas, quando um homem invadiu a tribuna da Assembleia Nacional no início do seu discurso e tomou o microfone.

Depois de um tumulto, o homem foi removido e Maduro voltou a usar a palavra, visivelmente alterado.

"Tivemos uma falha de segurança, eu podia ter levado um tiro aqui", disse o presidente. Para ele o episódio foi um lembrete dos problemas de "segurança" e "disciplina" popular que afetam o país.

Um site de sátiras políticas não perdeu a piada, notando que Maduro foi "a primeira vítima da insegurança no período 2013-2019".

Oposição sob teste

Mas as dificuldades do presidente empossado não significam que a oposição terá uma tarefa fácil em seu objetivo de enfraquecer e eventualmente derrubar o chavismo.

O processo relativo à revisão das eleições promete ser longo e, durante a sua duração, os opositores também terão de controlar seus setores mais radicais.

O descontrole das manifestações que resultaram em mortos no início da semana, como reconheceu Capriles, causou dano à sua reputação.

Ao insuflar seus correligionários, o líder opositor ficou vulnerável às acusações de que seja um leão em pele de cordeiro: um representante da velha oligarquia que Chávez derrotou, posando de nova oposição.

Ele também é passível de um processo penal que o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, um representante do setor mais radical do chavismo, indicou que acompanhará de perto.

Convergências

Independente das suas diferentes fortalezas e fraquezas, tanto o chavismo como a oposição terão de continuar dando atenção a pelo menos dois fatores sobre cuja importância ambos parecem convergir.

O primeiro são os programas sociais de Chávez, que reduziram a pobreza no país de 50% para 29% da população nos últimos anos.

A oposição defende esses programas, mas é difícil vislumbrar como harmonizaria estes gastos com a necessidade de equilibrar as contas do governo e, principalmente, da estatel petroleira, PDVSA, principal financiador das iniciativas.

O segundo é continuar dando voz à parcela da população que se sentia excluída da participação política antes do aparecimento de Hugo Chávez na política venezuelana.

Muitos venezuelanos que votaram por Capriles acreditam que o líder opositor reconhece a importância de fazê-lo. Outros, que votaram por Maduro, não acreditam.

Aqui, cabe novamente a figura da "novela" política venezuelana: se ela terá "próximos capítulos", como esta semana indicou, os eleitores querem continuar sendo os protagonistas dela.