Como estaríamos se Lula não tivesse vencido em 2022?
Se um marciano pousasse aqui esta semana, e lesse o noticiário e os editorais da nossa imprensa ou visse as redes sociais para se informar, ficaria com a nítida impressão de que o Brasil está à beira do abismo, condenado ao apocalipse das contas públicas, em mais uma crise do fim do mundo.
Mas, se assistisse à alentada entrevista de Lula ao UOL, na quarta-feira (26), com Carla Araújo e Leonardo Sakamoto, o alienígena poderia pensar que chegou ao paraíso na terra, com todos os problemas sendo resolvidos e um futuro próspero à frente, num clima de harmonia, otimismo e bonança.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Entre esses dois mundos tão dessemelhantes, enfrentamos ainda muitas dificuldades para reconstruir e pacificar o país, após o tsunami bolsonarista que abalou as estruturas institucionais e, por muito pouco, não nos jogou nas profundezas do inferno.
Esquecemo-nos muito rapidamente de tudo que passamos no governo anterior, e que Lula foi eleito por escassa margem de votos, menos de 2%, recebendo de herança esqueletos nos armários, bombas de efeito retardado na economia e uma administração pública em frangalhos.
Para tornar a situação ainda mais desafiadora, oito dias após a posse, o novo governo teve que enfrentar uma fracassada tentativa golpista que virou as sedes dos três Poderes de cabeça para baixo para instalar o caos planejado desde o dia da eleição.
A essa altura, o Brasil era um pária mundial, um país desmoralizado, e era preciso restabelecer as relações com o mundo civilizado. No primeiro ano do novo governo, parece que o Brasil resolveu se conceder uma trégua na polarização, com os golpistas acuados e o mercado menos nervoso, o que nos permitiu voltar a viver com um mínimo de tranquilidade.
Em 2024, porém, a lua de mel acabou. Sem que houvesse um fato determinante, de uma hora para outra, como se obedecessem a uma ordem unida, o governo passou a ser a "Geni" da Ópera do Malandro de Chico Buarque, apanhando por não fazer o que o mercado e a mídia queriam - ou seja, buscar o equilíbrio fiscal com corte de gastos na área social e a manutenção de todos os privilégios do andar de cima, com subsídios e desonerações mil.
A avalanche se avolumou nas últimas semanas, com Lula encurralado pelo Congresso pelas pautas-bomba, também chamadas de "costumes", sem saber como reagir, a partir da aliança entre o centrão de Arthur Lira e a bancada bolsonarista, tendo como pano de fundo a sucessão na presidência da Câmara. Mercado e Congresso passaram a operar na mesma frequência, e os especuladores da Bolsa e do dólar fizeram a festa.
A tal base aliada, logo se viu, era uma miragem, apesar dos mais de R$ 50 bilhões destinados ao Parlamento em emendas de todo tipo, que ressuscitaram o "orçamento secreto" e se multiplicaram, deixando o governo pendurado na brocha. Desfez-se a base como castelo de areia na derrubada dos vetos do presidente para salvar o arcabouço fiscal e impedir que o país retroagisse décadas em conquistas sociais.
Lula também não se ajuda. Na entrevista ao UOL, tomou partido do Congresso e criticou o STF na questão da Lei das Drogas, justamente a instância com que pode contar para impedir maiores retrocessos civilizatórios. Em outras entrevistas, apoiou Joe Biden nas eleições americanas (e se Trump ganhar, como ficamos?) e admitiu discutir anistia para os golpistas do 8 de janeiro, desmerecendo todo o trabalho feito até aqui pela Polícia Federal e pelo STF para identificar, julgar e punir os responsáveis pelos atentados contra a democracia.
Para quê? O que Lula ganha com isso? Entrou em bolas divididas sem precisar, como tem feito ultimamente, criando polêmicas inúteis para o governo e ele próprio. Poderia deixar que o Legislativo e o Judiciário resolvessem suas pendências, ficar longe da disputa americana e esperar pelo menos o desfecho das investigações contra Bolsonaro e toda a gangue golpista.
Num país tão carente e desigual, com tantas demandas e urgências, nunca faltam motivos para criticar e cobrar o governo. Não precisaria o presidente dar de graça munição aos seus adversários e à mídia, com declarações fora de hora e lugar, que em nada contribuem para melhorar seus índices de aprovação, em queda este ano, mesmo com os principais indicadores econômicos e sociais registrando melhoria nas condições de vida da maioria da população. Esta semana, por exemplo, saiu a taxa de desemprego: 7,1%, a mais baixa dos últimos dez 10 anos. Mas isso não interessa à Faria Lima e redondezas, e fica escondido no noticiário, não dá manchete.
Rubens Ricupero caiu do Ministério da Fazenda, na época do Plano Real, por falar que "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde". O governo Lula 3 parece estar querendo fazer exatamente o contrário.
De uma coisa, porém, tenho certeza: o Brasil estaria muito pior e a democracia continuaria permanentemente ameaçada se Lula não tivesse sido candidato em 2022, o único naquela altura capaz de derrotar o bolsonarismo em marcha acelerada para uma nova ditadura. Já imaginaram como estaríamos hoje?
É bom pensarmos nisso. Cabe a Lula agora a responsabilidade para preservar seu legado democrático e impedir um retrocesso. Todo cuidado é pouco. Como bem lembrou Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, "este monstro (golpista) não está morto".
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