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Lei antiviolência gera 'guerra dos sexos' na Nicarágua

05/07/2013 07h34

A Nicarágua vive uma situação inusitada que está dividindo a população: um grupo de homens está protestando contra uma lei criada para combater a violência contra as mulheres. E para defender a nova legislação, as mulheres também têm saído às ruas para protestar.

No centro dessa guerra dos sexos está a "Lei Integral Contra a Violência Cometida contra Mulheres", conhecida como lei 779, que estabelece a punição de até 30 anos de prisão para homens que exerçam violência física ou psicológica contra meninas, adolescentes e mulheres adultas.

A nova regulamentação também proíbe a mediação entre a vítima e o agressor, assim como cria juizados especializados em violência.

Os manifestantes, apoiados por organizações civis e representantes da igreja católicas e evangélica, dizem que a legislação - que completou um ano em vigor no dia 22 de junho - rompe o princípio constitucional de igualdade.

Os homens acusados de agredir as mulheres afirmam que são processados por juízes especiais e não pelos mesmo tribunais utilizados pelo resto dos nicaraguenses.

"O agressor, por ser um homem, é mandado para um juizado especial e isso é humilhante, porque ataca o valor supremo da dignidade", disse à BBC Danilo Martinez Rodríguez, da Associação de Advogados Democráticos da Nicarágua (Adanic).

Violência

Porém, mesmo os defensores da regulamentação advertem que lei a 779 não conteve as agressões de gênero e muito menos os assassinatos de crianças, mulheres e adolescentes.

"Não é verdade que haja prisões contra homens, ao contrário, nossa reclamação é a de que isso tem sido insuficiente", afirmou à BBC Azalea Solís, do Movimento Autônomo de Mulheres da Nicarágua.

"Apesar da existência da lei, nem sequer temos suficiente garantia de vida", complementa Solís.

De acordo com a Secretaria da Mulher e da Infância, em todo o país são apresentadas uma média de 97 denúncias por dia de delitos relacionados a atos de violência contra a mulher.

No entanto, segundo a Rede de Mulheres Contra a Violência da Nicarágua, 83 homicídios foram praticados contra mulheres desde que a lei foi aprovada.

Suprema Corte

A lei 779 já está há um ano em vigor, mas a recente polêmica contra a regulamentação tem gerado muitas solicitações à Suprema Corte de Justiça para declarar a norma inconstitucional.

Organizações defensoras das mulheres intensificaram os protestos para defender que a lei não seja revogada.

Entre as defensoras de um julgamento na Suprema Corte está a Adanic. No entanto, a associação de advogados garante que não está contra os direitos da mulher, mas sim contra o procedimento para julgar os agressores.

"Fazer com que (os homens) sejam levados ante a um juiz doutrinado por uma única perspectiva de gênero (a das mulheres), seria tendenciosa para as mulheres; seria como uma revanche", explica Danilo Martínez, da Adanic.

A mídia nicaraguense tem mostrado que a lei 779 tem provocado um grande e intenso debate entre os ministros da Suprema Corte, incluindo a magistrada Alba Luz Ramos, que admitiu que a norma poderia ser modificada.

Uma alternativa seria estabelecer uma mediação de acordo nos casos de delitos leves, onde não hajam lesões e a pena não ultrapasse um ano de prisão.

Porém o Movimento Autônomo de Mulheres da Nicarágua não está de acordo.

"Não existe violência contra as mulheres que seja mínima", ressalta Solís.

E o Movimento ainda destaca que os acordos mediados não eliminam a possibilidade da morte: segundo a organização, 33% das mulheres assassinadas tinham feito algum acordo com seus agressores.

Em muitos casos a conciliação implica perdoar os agressores, e, em consequência, isso dilui a possibilidade de um castigo real.

"A violência não está impedindo e tampouco diminuindo a impunidade. Realmente é muito pequena a quantidade de homens detidos por essa lei", insiste Solís.

Juízes

Enquanto isso, as organizações de mulheres da Nicarágua se preparam para intensificar os protestos.

Um dos principais argumentos dos manifestantes é a de que a legislação se aplique por completo. Muitos juízes têm aplicado a prática de mediação de acordos entre vítima e agressor, o que no momento é proibido.

De fato, assinala Azalea Solís, o problema é que alguns setores do país ainda mantêm uma visão conservadora sobre o papel das mulheres na sociedade.

"Principalmente alguns setores da igreja evangélica - que estão coletando assinaturas contra a lei 779 - consideram que há um comportamento tradicional que a mulher deve cumprir".

"Porém não se questiona que a violência é parte desse mesmo comportamento", ressalta Solís.