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Símbolo da Guerra Civil americana ainda polariza os Estados Unidos

01/09/2013 08h44

Mais de um século depois da Guerra Civil nos Estados Unidos, um grupo responsável por preservar o patrimônio histórico do país, o Virginia Flaggers, quer hastear uma enorme bandeira dos Estados Confederados em uma das principais vias de acesso à cidade de Richmond, capital do Estado de Virginia.

Mas a iniciativa vem atraindo fortes críticas daqueles que consideram o objeto um símbolo de ódio.

A bandeira, que ainda pode ser vista nos carros e do lado de fora de casas no sul dos Estados Unidos, foi usada em batalha pelos Estados Confederados durante a Guerra de Secessão.

O objeto carrega uma forte conotação política - e continua polarizando o país.

Recentemente, o uso do símbolo em placas de carros vem gerando discussões no Texas. Em outro episódio, um homem foi preso depois de gritar impropérios ao balançar a bandeira em um show de música country.

Além disso, há uma constante discussão sobre a decisão da Carolina do Sul em manter a bandeira hasteada em frente à sede do governo do Estado.

Homenagem

Barry Isenhour, integrante do grupo Virginia Flaggers, afirma que a iniciativa do grupo é uma homenagem aos soldados confederados que morreram nas batalhas.

Para Isenhour, a Guerra Civil americana não foi apenas sobre a escravidão, mas também uma reação contra o excesso de impostos. Ele diz ainda que muitos sulistas abominavam a escravidão.


"Eles lutaram pela família e pelo Estado. Estamos cansados de pessoas dizendo que eles fizeram algo errado. Eles eram americanos, amantes da liberdade, que se levantaram contra a tirania do Norte. Eles se separaram do governo dos Estados Unidos e não da ideia americana."

Isenhour exibe uma bandeira em seu carro, mas vive em uma rua onde não é permitido hastear nenhuma bandeira. Ele acha que o símbolo é pouco visto nos dias de hoje porque as pessoas temem ser hostilizadas - monumentos em homenagem ao generais do sul que lutaram na guerra são, segundo ele, regularmente vandalizados.

Denunciando os grupos de ódio, como a Ku Klux Klan - que Isenhour diz ter desonrado a bandeira -, ele afirma ainda que as pessoas deveriam se sentir ofendidas também pela Union Jack (a bandeira nacional da Grã-Bretanha), pela bandeira holandesa, ou pela bandeira americana, porque, na sua avaliação, todas foram criadas por nações que praticavam a escravidão.

Outros discordam fortemente de sua análise.

Afro-americanos, especialmente os mais velhos, são traumatizados pela imagem da bandeira, diz Salim Khalfani, que vive em Richmond há quase 40 anos. Ele acha que o símbolo pode fazer com que a cidade pareça um "caipira" que "ainda está disputando a Guerra Civil".

"Se é realmente uma questão de preservação do patrimônio, então mantenha a bandeira em casa ou em museus, mas não espalhe por municípios e Estados que estão tentando trazer turistas, porque isso terá o efeito oposto", diz.

 

Símbolo duplo

A autora afro-americana Clenora Hudson-Weens viu pessoas balançando a bandeira na rua em Memphis há algumas semanas. "Eu lhes disse 'Estamos em 2013' e eles apenas sorriram. Eu, pessoalmente, acredito em algumas tradições, mas esta é uma tradição que é opressiva para os negros. Eu não ficaria orgulhosa de agitar uma bandeira que lembra racismo e negatividade."

Muitos americanos estarão familiarizados com os argumentos de ambos os lados, mas talvez não com as complicadas origens da bandeira.

Historicamente, o que o objeto representava: escravidão ou tradição?

Pode-se dizer que ambas as versões estão corretas, se for levada em conta a evolução do objeto, diz David Goldfield, autor do livro Still Fighting The Civil War (Ainda lutando a Guerra Civil, em tradução livre).

Quando a Confederação decidiu pela adoção de uma nova bandeira em Richmond, em 1862, ficou claro que ela seria um símbolo da supremacia branca e de uma sociedade dominada pela escravidão, diz ele.

Depois da guerra, a bandeira foi utilizada principalmente para fins comemorativos em sepulturas, memoriais e reuniões de soldados. Mas da perspectiva dos afro-americanos, o objeto continua como um símbolo de ódio, supressão e supremacia branca, diz Goldfield, para quem os registros históricos apoiam essa teoria.

"Por outro lado, há os sulistas brancos que têm ancestrais que participaram da Guerra Civil e querem erguer a bandeira para homenagear um familiar que lutou em nome da bandeira e morreu sob ela."

Goldfield acredita, entretanto, que esse grupo deveria respeitar o fato de o símbolo causar ofensa, e não usá-lo em público.

A bandeira não era um símbolo importante até o movimento dos Direitos Civis começar a tomar forma na década de 1950, segundo Bill Ferris, diretor fundador do Centro para o Estudo da Cultura do Sul da Universidade do Mississippi.

Segundo ele, o objeto estaria relegado à história se não fosse grupos como o Ku Klux Klan que resistiram ao fim da segregação.

Ferris compara a bandeira confederada à suástica nazista, mas outros a veem de forma muito diferente.

Na verdade, a bandeira tem sido comparada a um teste de Rorschach, porque significa diversas coisas ao mesmo tempo, a depender de quem está olhando para ela.

"Todos os símbolos são suscetíveis a múltiplas interpretações, mas este é único em seu poder e capacidade de inflamar paixões de todos os lados, e em seu volume de interpretações e preconceitos, o que a tornam única na história americana", diz John Coski, autor de The Confederate Battle Flag: America's Most Embattled (A Bandeira da Batalha Confederada: A mais disputada da América, em tradução livre).

O próprio Coski já a viu exibida na Europa, onde se tornou um símbolo para "rebeldia".

Desde as tentativas de ativistas na década de 1990 de remover as bandeiras dos edifícios públicos, ele acha que a questão morreu nos Estados Unidos.

Em 2001, o Estado da Geórgia mudou a composição de sua bandeira de 45 anos em resposta à pressão para remover o símbolo confederado.

Embora o número de incidentes esteja diminuindo, eles não acabam, diz Coski.

"São necessários poucos episódios bem divulgados para a questão voltar ao radar das pessoas, e os sentimentos inflamarem", afirma ele.

"Todos nós podemos escrever o roteiro - eles vão dizer isso e aqueles vão dizer isso. É um padrão previsível", acrescenta.

"Eu acho que o sentimento ligado à bandeira vai morrer", diz Ferris. "O sul está mudando com o crescimento da população hispânica e asiática e com uma crescente população negra, e não há lugar nesse mundo para a bandeira confederada".