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Como execução de clérigo xiita pode aumentar antigas tensões no Oriente Médio

03/01/2016 16h01

A execução de um proeminente clérigo xiita pela Arábia Saudita realimentou a antiga rivalidade entre sauditas e iranianos, e pode dar fôlego a tensões entre sunitas e xiitas no Oriente Médio.

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, alertou que a Arábia Saudita enfrentará uma "revanche divina" pela execução de Nimr al-Nimr, e descreveu-o como um "mártir" que agia pacificamente.

Al-Nimr era conhecido por verbalizar o sentimento da minoria xiita na Arábia Saudita, que se sente marginalizada e discriminada, e foi crítico persistente da família real saudita.

O clérigo e outras 46 pessoas foram executados no sábado (2), após serem condenadas por crimes de terrorismo na Arábia Saudita.


Num sinal do agravamento da situação entre os dois países, o governo saudita anunciou no domingo o rompimento das relações diplomáticas com o Irã.
O ministro de Relações Exteriores saudita, Adel al-Jubeir, anunciou que diplomatas iranianos deverão deixar o país em 48 horas e que funcionários sauditas seriam retirados de Teerã.

Al-Jubeir disse que Arábia Saudita não irá permitir que o Irã coloque em risco sua segurança, e acusou o país de "distribuir armas e plantar células terroristas na região".

"A história do Irã é cheia de interferência negativa e hostilidade em assuntos árabes, e é sempre acompanhada por destruição", disse ele entrevista coletiva.

Não é a primeira vez em anos recentes que a relação piora entre os dois países. Mais recentemente, a tensão aumentou devido o programa nuclear iraniano e as mortes de iranianos na peregrinação do Hajj em 1987 e em 2015.

Revanche divina

A medida foi anunciada após o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, alertar que a Arábia Saudita enfrentará uma "revanche divina" pela execução de al-Nimr, que foi descrito como um "mártir" que agia pacificamente.

"Este estudioso reprimido nunca convocou ninguém para movimentos armados ou esteve envolvido em tramas secretas", disse o aiatolá em mensagem no Twitter. "O único ato do xeique Nimr era a crítica aberta".

O aiatolá Khamenei disse também que a morte do xeique foi devido à oposição que ele fazia aos governantes sunitas sauditas.

A execução de Al-Nimr gerou fortes reações oficiais, lideradas pelo Irã, e manifestações foram registradas na Arábia Saudita, no Iraque, no Barein - onde a maioria xiita reclama de marginalização promovida pelos governantes sunitas - e em outros países.

Sunitas x xiitas

A execução expõe as delicadas relações entre sunitas e xiitas. A sunita Arábia Saudita é rival tradicional do Irã por influência na região. Já o Irã é o poder xiita no Oriente Médio, e observa com grande interesse a questão de minorias xiitas em outros países.

A divisão tem origem numa disputa logo após a morte do profeta Maomé sobre quem deveria liderar a comunidade muçulmana.

A grande maioria dos muçulmanos é sunita - estima-se que entre 85% e 90%. Eles se consideram como a versão ortodoxa e tradicionalista do Islã.

A palavra sunita é derivada de "Ahl al-Sunna", as pessoas da tradição. A tradição, neste caso, se refere a práticas baseadas em precedentes ou relatos de ações do profeta Maomé e de pessoas próximas a ele.

Sunitas veneram todos os profetas do Corão mas, particularmente, Maomé, como o profeta final. Todos os líderes muçulmanos que vieram depois são vistos como líderes temporais.

Já xiitas, na história islâmica, eram uma facção política - literalmente "Shiat Ali", ou o partido de Ali. Xiitas acreditam no direito de Ali, genro de Maomé, e seus descendentes de liderar a comunidade islâmica.

Ali foi morto como resultado de intrigas, violência e guerras civis que marcaram seu califado. Seus filhos, Hassan e Hussein, tiveram negados o que acreditavam ser o direito legítimo de acessão ao califado.

Ambos teriam sido mortos, o que deu aos xiitas o conceito de mártir e os rituais de autoflagelação.

Estima-se que haja entre 120 e 170 milhões de xiitas. Eles são maioria no Irã, Iraque, Barein, Azerbaijão e, segundo algumas estimativas, no Iêmen.

Há grandes comunidades xiitas no Afeganistão, Índia, Kuweit, Líbano, Paquistão, Catar, Síria, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Tensões sectárias

Conflitos recentes como no Líbano, na Síria, no Iraque e no Paquistão, enfatizaram a divisão sectária, dividindo comunidades.


Em países governados por sunitas, xiitas tendem a integrar os setores mais pobres da sociedade. Eles reclamam de serem vítimas de discriminação e opressão, e algumas doutrinas extremistas sunitas defendem o ódio contra xiitas.

A revolução iraniana de 1979 lançou uma agenda xiita radical que foi vista como um desafio por regimes conservadores sunitas, especialmente no Golfo Pérsico.

A política de Teerã de apoiar milícias xiitas e grupos além de suas fronteiras foi replicada pelos países do Golfo, que fortaleceram suas relações com governos e movimentos sunitas no exterior.

Durante a guerra civil no Líbano, xiitas ganharam uma forte voz política devido às atividades militares do grupo Hezbollah.

No Paquistão e no Afeganistão, grupos militantes extremistas sunitas, como o Talebã, têm atacado com frequência locais sagrados xiitas.

Os atuais conflitos no Iraque e na Síria também ganharam traços sectários. Homens jovens sunitas em ambos os países têm se juntado a grupos rebeldes, muitos dos quais replicam a ideologia extremista da Al-Qaeda.

Enquanto isso, jovens xiitas têm lutado para ou ao lado de forças do governo.