Votação sobre continuidade de impeachment é termômetro para julgamento de Dilma
A presidente afastada Dilma Rousseff enfrenta nesta terça-feira (9) mais uma etapa do seu processo de impeachment, sem esperança de vitória.
É amplamente esperado que seus opositores terão os votos suficientes para aprovar a continuidade do processo - nesta fase, chamada de pronúncia, basta o apoio da maioria simples dos senadores presentes na sessão para que o julgamento siga adiante.
O tamanho da margem de derrota é que será o mais importante para dar uma ideia sobre as chances de a petista retornar ao Planalto.
Integrantes do governo interino têm dito que contam com cerca de 60 votos a favor da continuidade do processo de Dilma. Para aprovar sua cassação, ao final do julgamento, precisarão de 54.
Em 13 abril, quando o afastamento da presidente foi aprovado, tiveram 55.
O líder do PMDB do Senado, Eunício Oliveira (CE), disse à BBC Brasil que dá como certo mais três votos além dos registrados em abril.
Segundo ele, votarão pela continuidade do processo nesta terça Eduardo Braga (PMDB-AM), que foi ministro de Minas e Energia de Dilma; Jader Barbalho (PMDB-PA), cujo filho foi duas vezes ministro de Dilma (Pesca e Portos) e agora comanda a pasta da Integração Nacional no governo Temer; e Pedro Chaves (PSC-MS), que era suplente de Delcídio Amaral e assumiu o mandato após sua cassação.
Se o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), decidir votar, Oliveira também acredita que seu voto será pelo julgamento de Dilma. Na sessão de abril, como ele presidiu a votação, preferiu se abster - desta vez, porém, quem comanda o processo é o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.
"Podemos ir até 60 votos. Não quero ser tão otimista. Quero ser realista. Não tenho dúvida de que teremos pelo menos 57 ou 58 votos", afirmou.
Análise longa
A sessão começará pela manhã e deve se alongar noite adentro. O objetivo é apreciar o relatório do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), que concluiu na semana passada haver provas de que Dilma teria cometido crime de responsabilidade na gestão das contas públicas.
Senadores aliados da presidente afastada negam irregularidades e consideram o documento uma fraude.
O parecer do relator foi aprovado pela Comissão de Impeachment do Senado. Nas últimas semanas, seus integrantes ouviram 44 testemunhas e analisaram 171 documentos, entre informações prestadas por órgãos públicos, peritos do Senado e defesa e acusação.
Nesta terça, Anastasia terá 30 minutos para apresentar novamente suas conclusões.
Cada um dos 81 senadores poderá discursar por até dez minutos. Em seguida, os advogados de defesa e acusação terão 30 minutos cada. A votação será eletrônica.
Se a maioria apoiar a continuidade do processo, a expectativa é de que Dilma seja julgada entre o final de agosto e o início de setembro. Caso, contrariando as expectativas, a maioria decidir que não há provas suficientes para julgar a petista, o processo é encerrado e ela retoma o comando do país.
Carta por plebiscito
Contrário ao impeachment, o senador João Capiberibe (PSB-AP), minimizou a esperada derrota nesta etapa do processo.
"Não vejo como algo definitivo. Não é um indicador do que vai acontecer na decisão final", afirmou.
A expectativa é de que Dilma anuncie nesta quarta-feira, na sequência do resultado da fase de pronúncia, uma carta ao povo brasileiro e aos senadores se comprometendo em apoiar a realização de um plebiscito que consulte a população sobre a antecipação da eleição de 2018, caso seja absolvida do processo.
Capiberibe acredita que a carta é importante, já que alguns senadores ainda estariam na dúvida sobre como votar no julgamento final. Ele disse, porém, não poder citar nomes.
"A carta é fundamental para ela dizer: 'olha, se eu for devolvida à Presidência, me comprometo com uma saída que legitime a governança'. Que não é ela nem o Temer", afirmou.
A realização de um plebiscito depende de aprovação do Congresso - ainda que Dilma consiga retornar à Presidência, não poderia convocar a consulta com uma mera canetada. Hoje parece muito difícil aprovar a proposta, já que a maioria dos parlamentares apoia Temer.
Mesmo dentro da base de Dilma há divergências quanto à iniciativa. O presidente do PT, Rui Falcão, se manifestou na semana passada dizendo que não considera viável antecipar a eleição.
'Sem chances'
Os últimos dias trouxeram algumas notícias negativas para Temer. Apesar disso, analistas políticas ouvidos pela BBC Brasil consideram que hoje Dilma não tem chance de voltar ao Planalto.
Na sexta-feira, o presidente interino foi vaiado na cerimônia de abertura da Olimpíada, no Rio de Janeiro.
Já no fim de semana, a imprensa local trouxe informações sobre os acordos de delação premiada que estão em negociação com executivos do grupo Odebrecht, dentro da operação Lava Jato.
Em um desses depoimentos, o presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, disse que se reuniu em 2014 com Temer no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência, para discutir doações para o PMDB. Após o encontro, a empresa teria doado R$ 10 milhões ao partido.
O presidente interino confirmou o encontro, mas disse que fez apenas pedidos de doações legais.
Com base nessas revelações, parlamentares da oposição protocolaram nesta segunda-feira na Procuradoria-Geral da República uma representação pedindo o afastamento de Temer da Presidência da República.
A justificativa é que, caso ele venha a ser confirmado no comando do país ao final do processo de impeachment, não poderá ser investigado por supostos crimes anteriores a seu mandato de presidente.
Caberá ao procurador-geral Rodrigo Janot avaliar se formaliza esse pedido ao STF.
"Nessa votação do impeachment, não vamos estar apenas discutindo o afastamento ou não da presidenta da República. Vamos estar discutindo a blindagem do presidente Michel Temer. Se ele vira presidente de fato, não pode ter investigações", afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ao protocolar a representação.
Disputa política
Apesar do desgaste gerado pelas novas denúncias, o estrago não parece suficiente para mudar o rumo do processo de impeachment, avalia a cientista política Christiane Laidler, professora de História Contemporânea da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
"Acho muito difícil uma reversão. Somente uma reviravolta poderia mudar votos, o que a Lava Jato não é capaz de fazer. Porque a Lava Jato já envolveu todo mundo, então não gera a mesma reação [da população]", acredita.
"Nem a presidente tem mais discurso de quem está lutando para reassumir. O discurso passou a ser por um plebiscito sobre eleições imediatas, e que nem mesmo o partido dela apoia", acrescentou a professora.
Para Laidler, porém, a discussão em torno da antecipação das eleições pode ganhar fôlego após o afastamento definitivo de Dilma. "Após a consolidação do impeachment, abre-se espaço para um nova disputa política", pondera.
A cientista política Maria Hermínia Tavares, professora da USP, também não vê chance de retorno de Dilma. Na sua avaliação, Temer tem conseguido melhorar o clima econômico, e esse deve ser o fator principal a garantir a continuidade de seu governo.
"O discurso dela (Dilma) é muito frágil. Ela querer voltar para fazer plebiscito por novas eleições é um pouco reconhecer que ela não tem condições de governar", ressaltou.
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