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Após impasse, STF decide sobre prisão de Lula; quatro perguntas para entender o que está em jogo

Ex-presidente pelo Sul do país - Reprodução/Facebook/Lula
Ex-presidente pelo Sul do país Imagem: Reprodução/Facebook/Lula

André Shalders - @shaldim - Da BBC Brasil em São Paulo

Da BBC Brasil em São Paulo

21/03/2018 21h39

Depois da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, em janeiro, a defesa do petista adotou estratégias em diferentes frentes do Judiciário para tentar impedir uma eventual prisão do presidenciável.

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, os advogados de Lula questionaram pontos da decisão unânime dos desembargadores, que concordaram com a condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro no caso tríplex do Guarujá.

Em Brasília, a defesa entrou com pedidos de habeas corpus - para garantir a liberdade do ex-presidente - no Supremo Tribunal Federal.

Depois de semanas de aumento da tensão nos cenários político e jurídico, Lula obteve duas respostas a seus pleitos nesta quarta-feira. No fim da manhã, o TRF-4 anunciou que julgará os recursos do petista na próxima segunda-feira, dia 26. No início da tarde, a ministra Carmén Lúcia surpreendeu os colegas ao anunciar que levará ao plenário da Corte o pedido de Lula para obter uma salvaguarda contra a prisão.

A BBC Brasil revisitou os recursos e explica o que motivou a mudança de panorama e o que está em jogo nos próximos dias.

1. Por que Cármen Lúcia pautou o caso de Lula? O julgamento estava previsto?

Em seu pedido de salvaguarda, a defesa de Lula alega que a prisão do petista poderia acontecer imediatamente após o julgamento dos recursos de Lula no TRF-4, sem que o petista tivesse esgotado as possibilidades de recursos de defesa na Justiça. Isso, ainda de acordo com o advogado Cristiano Zanin Martins, fere o princípio constitucional da garantia da ampla defesa.

A prisão nessas condições, no entanto, foi autorizada pelo próprio STF. Em 2016, o tribunal decidiu por 6 votos a 5 que condenados em segunda instância podem começar a cumprir a pena. No caso de Lula, os desembargadores do TRF-4 determinaram a prisão do petista tão logo acabassem os recursos disponíveis no tribunal.

Dada a proximidade da decisão em Porto Alegre, o julgamento no STF em relação à liberdade de Lula se tornava cada vez mais urgente. Paralelamente, alguns ministros da Suprema Corte passaram a criticar a decisão do Tribunal sobre a segunda instância e começaram a demandar que o STF revisitasse o assunto.

Apesar disso, o julgamento do pedido de habeas corpus da defesa de Lula no STF não estava previsto para este mês, tampouco para abril, o que gerou intensa pressão sobre a presidente da corte, responsável por definir a pauta do STF.

Além dos apoiadores de Lula, advogados de réus da Operação Lava Jato e parte da classe política queriam que Cármen Lúcia pautasse o tema o quanto antes. Defensores dos direitos humanos tinham a mesma visão: o "cumprimento provisório da pena" não atinge só políticos; existem casos de pessoas que foram condenadas em segunda instância por crimes comuns e já estão presas, mas podem ter a condenação revista pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo próprio Supremo.

Do outro lado, os partidários da revisão passaram a ser acusados de casuísmo: estariam dispostos a alterar as mudanças das regras atuais apenas para prejudicar ou beneficiar Lula.

Mais do que isso, procuradores da Lava Jato e o próprio juiz Sergio Moro argumentaram publicamente que uma mudança de entendimento do STF significaria um "liberou geral" para políticos acusados de corrupção e investigados na Lava Jato: a ida para a cadeia só após o fim de todos os recursos criaria impunidade e levaria ao fim das apurações contra a corrupção. É essa também a posição dos movimentos sociais que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Militantes do Vem Pra Rua reuniram-se com Cármen Lúcia no começo da tarde de hoje para tratar do assunto.

Com a decisão de hoje, Cármen Lúcia tenta "driblar" as críticas que têm recebido de colegas do STF por não pautar o assunto, ao mesmo tempo em que não desagrada o grupo "pró-Lava Jato". A decisão será exclusiva para o ex-presidente Lula, e não terá impactos sobre as situações de outros políticos investigados.

2. Como os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes pressionaram Cármen Lúcia?

Os três ministros têm liderado no STF o pedido da revisão da decisão de 2016. Marco Aurélio Mello é o relator das duas ações que questionam o "cumprimento provisório" da pena. No jargão do tribunal, as ações são chamadas de ADCs - Ações Declaratórias de Constitucionalidade.

Marco Aurélio liberou os processos para julgamento pelo plenário em dezembro passado. As ações foram apresentadas ainda em maio de 2016, pelo antigo Partido Ecológico Nacional (PEN), e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade de classe é contra o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Já o Ministério Público é favorável.

Na última quarta-feira, Marco Aurélio conversou com Cármen Lúcia no intervalo da sessão de julgamento. Pediu que ela pautasse as ações, mas a presidente da corte desconversou.

Celso de Mello também conversou com Cármen Lúcia sobre o tema, e teria pedido uma reunião informal dos ministros para tratar do assunto, a portas fechadas. A reunião deveria ter ocorrido ontem, mas não existiu. Celso de Mello comentou com jornalistas sobre a gravidade da situação na Corte, que ele avaliava ser sem precedentes.

Marco Aurélio preparou-se então para fazer uma "questão de ordem", em plenário, demandando que Cármen Lúcia pautasse o tema. Se a maioria dos ministros concordasse, os processos seriam incluídos na pauta da próxima sessão.

Além de Celso de Mello e Marco Aurélio, o ministro Gilmar Mendes instou publicamente Cármen Lúcia, na última segunda-feira, a marcar uma data para o julgamento do pedido de habeas corpus de Lula.

Pelo menos cinco ministros do STF são favoráveis à mudança da regra do "cumprimento provisório" da pena: Celso, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski defendem a volta à regra anterior; enquanto Gilmar Mendes e Dias Toffoli desejam que a pena seja cumprida após decisão do STJ. Outros cinco ministros querem manter a regra atual. Rosa Weber, que votou contra a execução de pena em segunda instância em 2016, não se posicionou publicamente sobre o tema recentemente. Seu voto atual é desconhecido.

3. O que acontece se Lula for derrotado no STF amanhã?

O destino do ex-presidente depende de duas decisões judiciais: a do STF, amanhã, e a dos três desembargadores do TRF-4, em Porto Alegre. Os três desembargadores - Leandro Paulsen, Gebran Neto e Victor Laus - julgam na segunda-feira um "embargo de declaração" apresentado pela defesa do ex-presidente, no qual questionam possíveis omissões ou pontos obscuros da decisão na qual o petista foi condenado em segunda instância, no dia 24 de janeiro.

Se Lula obtiver um habeas corpus no STF, qualquer decisão do TRF-4 sobre sua prisão fica em suspenso - e ele não irá para a cadeia imediatamente. Ainda assim, uma eventual vitória no STF não anula a condenação de Lula que, em tese, o torna inelegível pelo que dispõe a Lei da Ficha Limpa.

Se perder no Supremo, tudo indica Lula deverá ser preso em no máximo 10 dias.

Se houver alguma divergência entre os três desembargadores do TRF-4 na segunda-feira, o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, deverá esperar a publicação do acórdão do julgamento do recurso. Este acórdão costuma ser publicado em até dez dias. Só então Moro poderá expedir o mandado de prisão contra o petista.

Mas se não ocorrer nenhuma divergência entre os desembargadores - cenário mais possível, já que no julgamento do caso, em janeiro, eles concordaram em tudo - Moro poderá emitir pedido de prisão contra Lula ainda na segunda-feira. Nas últimas prisões da Lava Jato, o próprio Moro têm determinado detalhes do cumprimento da pena, como a cidade e o local onde o preso ficará.

4. O julgamento muda a situação de outros presos da Lava Jato?

Não. A decisão do STF sobre o Habeas Corpus de Lula refere-se exclusivamente à situação do petista. Ela não terá impacto direto na situação de nenhum dos outros políticos investigados ou processados na Lava Jato, e nem na situação dos presos por crimes comuns que hoje cumprem pena.