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"Estão tentando apagar e desfazer os avanços que Lula conseguiu", diz Nobel da Paz

Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Imagem: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Guilherme Henrique

16/04/2018 11h32

Em entrevista, o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel fala sobre campanha para que Lula receba o prêmio, que conta com mais de 200 mil assinaturas. É preciso mostrar como o Brasil melhorou no governo do ex-presidente, diz.Agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1980 por lutar pelos Direitos Humanos na América Latina, o argentino Adolfo Pérez Esquivel lançou, no início deste mês, uma campanha para recolher assinaturas e apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Nobel da Paz em 2019.

O texto, endereçado à comissão julgadora do prêmio, lista ações do petista enquanto presidente. A campanha, hospedada no site change.org, já conseguiu juntar mais de 220 mil assinaturas.

"Lula merece o Prêmio Nobel da Paz, e tendo em conta a diminuição de direitos em voga, é necessário mostrar como as coisas melhoraram com ele, e a falta de democracia que existe hoje no Brasil", argumenta Esquivel em entrevista à DW Brasil. O argentino estará no Brasil a partir desta quarta-feira (18/04) e tentará se reunir com Lula na superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

DW Brasil: Como surgiu a proposta de campanha para o ex-presidente Lula ao Prêmio Nobel?

Adolfo Pérez Esquivel: Há alguns anos, solicitei o Prêmio Nobel da Paz para Evo Morales, presidente da Bolívia, por todo o progresso que ele havia feito no campo social e pelo reconhecimento dos direitos indígenas, que historicamente sempre foram a maioria da população excluída naquele país. Ambos, Evo e Lula, trabalharam para proteger a maioria da população e os grupos minoritários excluídos pelas políticas de exclusão neoliberal. Ambos os governos tiveram um imenso progresso na luta contra a fome, a educação, a saúde e a dignidade de seus cidadãos.

Lula merece o Prêmio Nobel da Paz, e tendo em conta a diminuição de direitos em voga, é necessário mostrar como as coisas melhoraram com ele e a falta de democracia que existe hoje no Brasil. Estão tentando apagar e desfazer os avanços que Lula conseguiu para tornar a humanidade menos desigual.

DW Brasil: Mesmo com as condenações em duas instâncias da justiça brasileira, você acredita na inocência do ex-presidente?

Adolfo Pérez Esquivel: Sim. O caso do tríplex é armado. Ele não possuiu aquela propriedade, não a alugou, nunca viveu lá, seus verdadeiros donos já estão identificados, mas ainda o acusam de ter recebido isso como suborno.

DW Brasil: Existe um movimento para que o papa Francisco apoie a campanha de Lula ao Nobel?

Adolfo Pérez Esquivel: O papa Francisco está preocupado com a situação no Brasil, e ele me disse isso depois do golpe contra Dilma Rousseff, em 2016. Eu o encontro com frequência e posso assegurar-lhe que o que acontece no Brasil não é estranho para ele.

DW Brasil: Qual é a sua expectativa em relação à comissão de julgamento do Nobel na Suécia? Quais são os próximos passos, depois de reunir as assinaturas?

Adolfo Pérez Esquivel: Infelizmente, poucas pessoas no mundo podem postular candidatos ou instituições ao Nobel. Vencedores do prêmio, como eu, têm essa prerrogativa. Eu quis compartilhar a carta com a comunidade internacional para mostrar que não é o Adolfo Pérez Esquivel quem está apresentando esse pedido, mas milhares de pessoas no mundo que também concordam com isso. Já recebemos a notícia de que o egípcio Mohamed El Baradei, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2005, se juntou à campanha. Esses avanços podem ajudar a convencer pessoas hesitantes a fazer o mesmo e a apoiar o ex-presidente Lula.

DW Brasil: Com a possibilidade real de Lula não se candidatar, você acredita que a esquerda brasileira deva se unificar em um único projeto ou candidato?

Adolfo Pérez Esquivel: As forças democráticas devem se unir no Brasil e na América Latina. É importante. Os detalhes serão decididos pelas forças políticas de cada país.

DW Brasil: Você virá ao Brasil nos próximos dias? Há o desejo de visitar o ex-presidente Lula?

Adolfo Pérez Esquivel: Estarei no Rio de Janeiro, devido à grave situação da cidade, em relação à intervenção militar, e depois viajarei para Curitiba para tentar visitá-lo junto com outros parlamentares do Mercosul.

DW Brasil: Você costuma dizer que a América Latina sofreu "golpes blandos (suaves)" nos últimos anos. Como eles são caracterizados?

Adolfo Pérez Esquivel: Estamos vivendo um plano de golpes na América Latina que deixou de ser militar e se tornou muito mais sofisticado, desde a tentativa fracassada de 2002, na Venezuela. Existem as características conjunturais de cada país, mas, em geral, o golpe envolve alianças entre os poderes Legislativo e Judicial, a mídia hegemônica e algumas ONG's financiadas por grupos estrangeiros. Eles fazem lobby na opinião pública para que certos atores com o poder do Estado possam agir arbitrariamente e violar o estado de direito. Dessa forma, eles derrubaram governos com golpes parlamentares em Honduras, Paraguai, Brasil. Utilizaram rebeliões policiais para desestabilizar os governos da Bolívia, Equador e Argentina. Nesse momento, principalmente na Argentina e no Brasil, há um processo de criminalização dos partidos progressistas, para que eles não possam disputar as eleições em seus respectivos países. Não é apenas a situação crítica de Lula. Na Argentina, intervieram judicialmente o Partido Justicialista, principal sigla de oposição. Em outras palavras, agora o governo Macri controla o partido da oposição com a ajuda do Judiciário. Essas coisas não são coincidências.

DW Brasil: Você recebeu o Prêmio Nobel pela defesa dos direitos humanos na América Latina. Tivemos recentemente no Brasil o assassinato da vereadora Marielle Franco, que lutava por causas semelhantes à sua. Qual é a situação dos direitos humanos na América Latina atualmente?

Adolfo Pérez Esquivel: A América Latina tem muitos mártires que lutaram pela vida, e Marielle é um deles. A situação é séria, estamos enfrentando fortes reveses, mas sempre há esperança e resistência que nos dão força para continuar a luta.