Personagem da semana

Política X vacina: Brasil sufoca em meio a jogo de números e palavras

Por Marco Britto e Arthur Stabile

Uma semana perdida

O Brasil segue esperando pela vacina, mas pôde ver nesta sexta-feira (15) que a vacina não espera pelo Brasil. O fiasco do governo federal na "operação Índia", quando adesivou um avião que não decolou do aeroporto do Recife para buscar vacinas fora do país, só ilustra o quanto o modus operandi político segue atrapalhando uma reação à covid-19.
Divulgação/Aeronáutica
Antes disso, outra discussão distante do mundo prático tomou manchetes e tempo dos brasileiros: a eficácia geral da CoronaVac, vacina produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo. A falta de transparência ao divulgar a eficácia geral do imunizante, arrastando por dias uma questão que poderia ser resolvida em um tuíte, prejudicou a percepção da boa notícia.
Imagem: cadu.rolim/Shutterstock
O governo Doria se apressou em divulgar os 78% de eficácia em casos leves, e os 100% em casos graves da covid-19, mas omitiu por vários dias a média de sucesso real de 50,3% -- índice ainda considerado bom por especialistas.
Divulgação
Também nesta sexta-feira, simultaneamente ao fracasso na "operação Índia", o governo federal solicitou o confisco de todo o estoque da CoronaVac disponível no Butantan. Isso tira de vez a ampola das mãos de Doria, podendo inclusive mudar a data da vacinação em São Paulo. O estado prometeu recorrer ao STF.
Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
E ainda temos Manaus: acabou-se o oxigênio (dos hospitais) em plena Floresta Amazônica. Pacientes passaram a ser transferidos para outros estados, inclusive bebês prematuros, devido ao caos na capital do Amazonas.

Veja a seguir como foi o jogo de números e palavras em torno da vacina contra a covid-19 na última semana.

SANDRO PEREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Sábado, 9

A Anvisa havia recebido o pedido de uso emergencial da CoronaVac/Butantan e também da AstraZeneca/Fiocruz. Pediu mais informações ao governo Doria, que reagiu reclamando de "burocratização". Ainda não tinha vindo a público a eficácia geral da vacina paulista
Reprodução/Anvisa

Segunda-feira, 11

Em entrevista ao vivo no UOL, o presidente do Butantan, Dimas Covas, negou-se a revelar a eficácia geral da CoronaVac, mantendo o foco nos 100% de eficácia quanto a casos graves.

Enquanto isso, em Manaus, o ministro Eduardo Pazuello prometia vacina no "dia D, e na hora H", sem, entretanto, revelar que data e local seriam esses.

Divulgação/Ministério da Saúde

Terça-feira, 12

O governo de SP, em entrevista coletiva sem a habitual presença do governador João Doria, anunciou a eficácia geral da CoronaVac: 50,3%. O índice não chega a ser 1% acima do mínimo recomendado pela OMS, mas é considerado bom.
Governo do Estado de São Paulo

Quarta-feira, 13

Bolsonaro ironiza a vacina paulista. "Essa de 50% é uma boa?", perguntou a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. O Ministério da Saúde já tinha no sábado declarado acordo com o Butantan para distribuir a vacina a todo o Brasil.
Antonio Cruz - 30.ago.19/Agência Brasil

Quinta-feira, 14

Explode a crise do oxigênio em Manaus. O governo federal envia seis aeronaves com o gás, para socorro imediato. O Enem (Exame nacional do Ensino Médio) foi cancelado no estado pela Justiça.

Em meio ao colapso no Amazonas, causado pela covid-19, Bolsonaro defende tratamento precoce com hidroxicloroquina, remédio até hoje sem eficácia comprovada contra a doença.

Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Sexta-feira, 15

Pacientes começam a ser transferidos de Manaus para outros estados. Em SP, Doria chama o presidente de "facínora", criticando a resposta do governo federal à covid-19 e defendendo panelaços. Bolsonaro reagiu dizendo que o rival político "não é homem" e estaria "morto politicamente".

Em meio à discussão, o Ministério da Saúde, sem vacinas da Índia, decide confiscar a produção do Butantan. Estado de SP afirma que vai ao STF.

Lucas Oliveira
Em conversa com o jornalista José Luiz Datena, o presidente anunciou uma vacina brasileira, que estaria sendo viabilizada em projeto de pesquisa capitaneado pelo ministro Marcos Pontes. Perguntado onde a vacina seria produzida, Bolsonaro afirmou "não ter ideia".

Em Recife, o avião adesivado pelo governo federal seguia estacionado, e o Brasil sem vacina.

Alan Santos/PR
Publicado em 16 de janeiro de 2021.
Texto e edição: Marco Britto
Reportagem: Arthur Stabile