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O que é genocida e quem pode ser enquadrado no crime?

Por Carolina Marins

O termo "genocida" voltou a ser muito procurado no Google neste mês. O motivo é a sua utilização por opositores, famosos e até pela comunidade acadêmica para se referir às ações (ou falta delas) do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) frente à pandemia. Tá OK isso aí?
Pilar Olivares/Reuters

Caso Felipe Neto

O youtuber Felipe Neto foi intimado a depor em uma investigação de "crime contra a segurança nacional" depois de chamar o presidente de genocida. Ontem uma liminar da Justiça suspendeu a investigação.
reprodução/Instagram

O crime de genocídio

O genocídio é o principal entre os chamados crimes contra a humanidade. Ele é previsto tanto na lei brasileira de 1956, que foi recepcionada pela Constituição de 1988, quanto pelo Estatuto de Roma do TPI (Tribunal Penal Internacional).
Getty Images

Quem é genocida?

Ambas as normas dizem que genocida é aquele que, com a intenção de destruir parte ou todo um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, o mata, causa grave lesão à integridade física e mental, o submete a condições que podem causar destruição etc. No Brasil, genocídio é crime hediondo.
I. Inisheer

Genocídios conhecidos

O Holocausto do povo judeu, provocado pela Alemanha nazista de Adolf Hitler, é o episódio de genocídio mais lembrado na história. Mas também houve o genocídio armênio em 1915, o massacre em Ruanda em 1994 e, mais recentemente, do povo rohingya em Mianmar.
Yad Vashem Archives/AFP

Só um caso no Brasil

Pedro Emiliano Garcia é o único brasileiro vivo já condenado por genocídio. Em 1997, o garimpeiro foi condenado pela Justiça Federal por ter sido o líder do que ficou conhecido como "massacre de Haximu", em que 16 ianomâmis, incluindo quatro crianças e um bebê, foram mortos a tiros e depois retalhados com facão.
Divulgação

Bolsonaro é genocida?

Esta não é a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro é acusado de genocídio. Em 2019, a Comissão Arns e o Coletivo de Advogados de Direitos Humanos (CADHu) denunciaram Bolsonaro ao TPI por "genocídio contra os povos indígenas". Os incêndios daquele ano na Amazônia embasaram a ação.

Em dezembro do ano passado, o tribunal disse estar analisando a denúncia. É a primeira vez que um líder brasileiro pode vir a ser investigado pelo órgão.

Loic Venance/AFP

Para mim, é muito evidente que o Estado brasileiro atua há muito tempo no sentido de eliminar as comunidades indígenas, de atacá-las na sua essência, inclusive no seu modo de vida. A pandemia só agravou algo que já estava em andamento.

Deisy Ventura,
Professora de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP
Karla Mendes/Mongabay

Crime contra a humanidade

Para a professora, genocídio é um termo perfeitamente adequado para classificar a atuação brasileira frente aos indígenas. Já no caso da pandemia, seria mais adequado dizer que é um crime contra humanidade, pois se trata de um ataque generalizado e sistemático à população em seu conjunto, com repercussão desproporcional sobre alguns grupos.
Bruno Kelly/Reuters
Segundo o Estatuto de Roma, é crime contra a humanidade praticar atos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental, no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil.
Michael Dantas/AFP

A pandemia

Em julho de 2020, Bolsonaro foi denunciado por ambos. Sindicatos e entidades de trabalhadores da saúde denunciaram o presidente a Haia por genocídio e crime contra a humanidade por "falhas graves e mortais" na condução da resposta à pandemia de covid-19.
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

As pessoas são incitadas à exposição ao vírus pelo governo federal, são iludidas com a ideia de que existe tratamento precoce para que elas se exponham e o resultado de tudo isso é que elas podem não conseguir ter assistência no sistema de saúde porque ele está sobrecarregado. Isso é ou não é tratar uma pessoa como se ela não fosse humana?

Deisy Ventura,
Professora de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP
Ueslei Marcelino/Reuters

Esvaziamento do termo?

Há quem diga, porém, que a utilização do termo genocida é extrema para o caso brasileiro e pode levar ao esvaziamento de um crime hediondo. A professora, que também é consultora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para assuntos relacionados à covid-19, discorda.
RICARDO MORAES/REUTERS

Quantas pessoas mais precisam morrer [para considerar crime]? Porque a questão do genocídio não se restringe ao número de pessoas. Pode constituir genocídio a eliminação de um número pequeno de pessoas, inclusive, desde que a intenção seja fazer deixar de existir o grupo.

Deisy Ventura,
Professora de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP
BRUNO KELLY/REUTERS
O genocídio nunca foi usado para caracterizar o comportamento de um mandatário durante uma pandemia. O caso é sem precedentes no direito brasileiro e há o temor de que autoridades brasileiras não investiguem esses crimes. O TPI ainda não aceitou a queixa contra o presidente brasileiro.
Marcos Corrêa/Presidência da República
Publicado em 19 de março de 2021.
Edição: Lúcia Valentim Rodrigues

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