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A amnésia peculiar dos Estados Unidos

Anne Applebaum

04/08/2010 01h41

A amnésia histórica é ao mesmo tempo a mais agradável e a mais frustrante das qualidades norte-americanas. Por um lado, isso significa que – a despeito da opinião contrária de F. Scott Fitzgerald – existem de fato segundos atos nas vidas norte-americanas.

Por outro lado, a nossa incapacidade de lembrar qual foi a nossa política na semana passada – e o que dirá da última década – deixa pessoas de outros países furiosas. Nós nos esquecemos de que apoiamos o ditador antes de decidirmos destruí-lo. E depois não somos capazes de entender por que outros, especialmente os indivíduos que eram governados pelo ditador, nem sempre acreditam na benignidade das nossas intenções ou na sinceridade da nossa devoção à democracia.

A política doméstica não é diferente, conforme eu descobri com leitores que escreveram para reclamar da minha coluna de duas semanas atrás. Eu havia argumentado que, na última década, os norte-americanos, tanto da direita quanto da esquerda, votaram seguidamente em membros gastadores do congresso e apoiaram constantemente patamares cada vez mais elevados de intervenção e regulamentação governamental em todos os níveis da vida pública. Como resultado, o governo federal expandiu-se durante o governo de George W. Bush em um ritmo que foi totalmente sem precedentes na história dos Estados Unidos, pelo menos até o presidente Barack Obama ter tomado posse.

Mas a amnésia histórica parece ter afetado alguns leitores, muitos dos quais têm a impressão de que o presidente Bush acreditava em uma estrutura de governo pequena e que as recentes lideranças parlamentares republicanas se opunham aos gastos do governo federal.

Eis aqui uma avaliação mais precisa: “O presidente Bush aumentou os gastos governamentais mais do que qualquer dos seis presidentes que o antecederam, incluindo Lyndon Baines Johnson”. Não fui eu que escrevi isso. A autora foi a astuta economista libertária Veronique de Rugy. Ela observa também que durante os oito anos de Bush, a administração republicana “antigoverno” elevou o orçamento federal em extraordinários 104%. Em comparação, o aumento do orçamento sob o governo do presidente Bill Clinton foi de meros 11% (um índice, eu poderia acrescentar, menor do que o do governo de Ronald Reagan). No seu último mandato, Bush aumentou os gastos discricionários – o que significa, nada de Medicare ou Social Security – em 48,6%. No seu último ano no poder, o ano fiscal de 2009, ele gastou mais de US$ 32 mil (R$ 56,3 mil) por cada cidadão norte-americano, contra US$ 17.216,69 (R$ 30.301,37) no ano fiscal de 2001.

Mas Bush não é o único culpado. Afinal de contas, o governo federal geralmente gasta dinheiro em resposta às demandas dos Estados. Vejamos, por exemplo, as demandas feitas pelo Alasca, um Estado que produz uma quantidade desproporcional de retórica antigovernamental, que tem governadores republicanos desde 2002 e que conta com uma delegação parlamentar dominada por republicanos. Entretanto, no decorrer da década passada, o Alasca foi um dos três Estados que mais receberam verbas federais per capita. Geralmente o Alasca recebe bem mais – às vezes até três vezes mais – do que a maioria dos Estados da União.

Isso se deve em grande parte a um famoso nativo do Alasca, o senador Ted Stevens – um republicano – que se dedicou à tarefa de garantir verbas para o seu Estado durante mais de quatro décadas no Senado. Os esforços dele não só foram extremamente populares entre os seus eleitores republicanos – ele foi reeleito várias vezes –, mas também fizeram com que ele ganhasse uma grande quantidade de imitadores. Timothy Noah observou que Sarah Palin, quando era prefeita de Wasilla, contratou o ex-chefe de gabinete de Stevens para atuar como lobista em Washington. Como resultado disso, os 6.700 habitantes de Wasilla desfrutaram de US$ 27 milhões (R$ 47,5 milhões) em um período de quatro anos.

Por favor, percebam, leitores furiosos, que eu não estou citando esses números para alegar que o governo Obama fez qualquer coisa de melhor. Ao contrário, o governo Obama é bem mais gastador do que foram Clinton ou Bush. Terrivelmente mais gastador. Após o primeiro orçamento do presidente, Veronique de Rugy previu “níveis de dívidas sem precedentes e não sustentáveis para o povo norte-americano, os seus filhos e netos”. Mas, não é o Partido Democrata que se intitula o partido do governo pequeno. Quem faz isso é o Partido Republicano.

É claro que partidos podem mudar, políticos podem enxergar a verdade, lições podem ser aprendidas – e talvez alguns republicanos as tenham aprendido. Mas não se pode começar do nada. Não se pode esquecer a história. E tampouco se pode fingir que o Partido Republicano não apoiou grandes e perdulários programas de gastos – subsídios de energia, subsídios agrícolas, projetos desnecessários de segurança nacional, e assim por diante – no decorrer da última década. Para que o Partido Republicano tenham alguma credibilidade no que se refere a questões de gastos, as lideranças republicanas precisam falar francamente sobre os seus erros do passado.

Os republicanos precisam também ser extremamente específicos quanto às políticas e aos programas que estão pretendendo cortar no futuro. Que políticas e programas serão esses? O Social Security ou o orçamento militar? O Medicare ou a Administração de Segurança de Transportes? A vaga retórica “antigoverno” simplesmente não convence mais. Quem desejar um governo menor precisará nos dizer como pretende criá-lo.