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Uma história sobre duas Europas

Gregos mascarados protestam contra as medidas do governo para amenizar a crise enonômica - Katerina Mavrona/EFE - 17.mai.2010
Gregos mascarados protestam contra as medidas do governo para amenizar a crise enonômica Imagem: Katerina Mavrona/EFE - 17.mai.2010

Anne Applebaum

Agios Nikolaos, Creta (Grécia)

09/09/2010 01h48

Um grupo de estonianos e um polonês estão sentados em uma taverna grega, contando histórias. Algumas piadas sobre a boa vida dos gregos - todo esse tempo de férias, e os alemães é que pagam! Algumas anedotas sobre o modo como o tempo parece funcionar diferentemente aqui, sobre como as coisas demoram mais. Um regala os outros com histórias sobre o mercado imobiliário grego. O que se deve lembrar, ele diz, é que todas as casas têm dois preços: o preço "oficial" e o preço "real". Você paga impostos sobre o preço oficial e paga ao proprietário o preço real. Todo mundo sabe disso e todo mundo baixa os olhos - inclusive o imposto de renda.

Ah, sim, diz alguém, esses burocratas corruptos - nós também os tínhamos na Estônia. Ah, sim, diz outro, as casas polonesas costumavam ter um preço oficial e um preço real. Mas isso foi há muito tempo, uma década atrás - na época em que a Europa era dividida em Leste e Oeste. Hoje, pelo menos aos olhos de alguns, ela está lentamente se dividindo em Norte e Sul.

Norte e Sul: nem todo mundo vai gostar desse conceito, especialmente não o novo Sul, alguns de cujos membros não estão necessariamente na metade sul do continente. Pois estas não são designações geográficas, mas termos da arte política. O Sul contém todos os países cujas classes políticas não conseguiram equilibrar seus orçamentos nacionais, cujos burocratas não foram capazes de reduzir seus números, cujos eleitores não aprenderam a aprovar a austeridade: Grécia, Espanha, Portugal, Itália, Hungria, Bulgária e - por enquanto - Irlanda.

O Norte contém os falcões do orçamento: Alemanha, Polônia, Estônia, Escandinávia, os checos e os eslovacos. O novo governo britânico, com seu orçamento de austeridade, pretende voltar ao Norte, depois de sua recente experiência de vida no Sul. A França flutua em algum lugar intermediário. A riqueza em si não é setentrional: grande parte do Sul é muito rica. Mas no Norte a riqueza privada cresceu mais ou menos em compasso com o setor público. A riqueza privada e a pobreza pública são mais típicas do Sul.

Ou pelo menos esse é um ponto de vista. Percebo que são categorias subjetivas, e também percebo que a participação nesses dois clubes, como listados aqui, pode ser facilmente discutida. A burocracia polonesa não é melhor que a espanhola. O capitalismo irlandês é de certa maneira mais saudável que a versão checa. Os padrões de vida continuam mais altos na Itália do que na Estônia. E alguns líderes do Sul - governos socialistas, ironicamente, tanto na Grécia quanto na Espanha - hoje lutam para instituir reformas que deveriam ter sido feitas anos atrás e pretendem tornar suas economias mais setentrionais.

Mas mesmo se invertermos alguns dos nomes, ou pelo menos concordarmos em discordar sobre alguns deles, ainda é difícil evitar a existência dessa nova divisão Norte-Sul, que de repente é tão mais importante que a antiga Leste-Oeste. Também é difícil evitar algumas verdades duras sobre o novo Norte, que é claramente dominado pela Alemanha. Até agora, a Alemanha lidera a região pelo exemplo: seu índice de crescimento relativamente alto - alcançado graças às recentes reformas trabalhistas e fiscais - está atraindo imitadores, e não subordinados. No entanto, a influência econômica alemã nessa região é grande e vai se tornar maior.

No momento, o novo Norte não é a mesma coisa que a zona do euro, tampouco: nem todos os seus membros usam o euro, a moeda comum europeia - embora alguns do Sul o façam, infamemente. É claro que isso é ilógico: as economias cada vez mais semelhantes, profundamente conectadas e sempre convergentes do Norte mantêm moedas diferentes. Enquanto isso, Alemanha, França, Itália e Grécia - países que têm atitudes radicalmente diferentes em relação aos gastos públicos e orçamentos - estão unidas na mesma zona monetária. Não faria sentido abandonar o euro em favor de uma moeda "nortista"? Quanto tempo falta para que a ideia comece a parecer boa, especialmente na Alemanha?

Ainda não estamos exatamente lá: a Europa, liderada pelos alemães, salvou a economia grega no início deste ano, é claro, exigindo maciças mudanças estruturais e orçamentárias em troca de uma maciça injeção de dinheiro. Mas o resgate não foi realizado em nome da solidariedade europeia, ou porque o novo Norte sinta alguma responsabilidade pelo novo Sul. Ela foi empreendida sob resmungos, relutantemente, em prol dos bancos que possuíam um excesso de títulos gregos. E aqui vai uma previsão: isso não acontecerá de novo.