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Goldman Sachs lança nova forma de pilhagem e não está sozinho em Wall Street

Paul Krugman

20/04/2010 00h07

Em outubro passado, eu vi um cartum de Mike Petersin no qual uma professora pede a um aluno que crie uma sentença que use o verbo “sacks” (saquear, demitir, em inglês), mas no sentido de pilhar. O estudante responde: “Goldman Sachs”. 

De fato, na semana passada a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) acusou os sujeitos que calçam mocassins Gucci de praticar o que representa uma pilhagem de colarinho branco. 

Eu estou usando o termo pilhagem no sentido definido pelos economistas George Akerlof e Paul Romer em um trabalho de 1993, intitulado “Pilhagem: O Submundo Econômico da Falência pelo Lucro”. O trabalho, escrito logo após a crise das instituições de poupança e empréstimo dos anos Reagan, argumentava que muitos dos prejuízos daquela crise foram resultado de fraude deliberada. 

O mesmo pode ser dito a respeito da atual crise financeira? 

Grande parte da discussão sobre o papel da fraude na crise se concentrou em duas formas de logro: empréstimos predatórios e riscos não devidamente informados. Claramente, alguns mutuários foram atraídos a contratar empréstimos caros e complexos que não entendiam –um processo facilitado pelos reguladores federais da era Bush, que fracassaram tanto em coibir os empréstimos abusivos quanto em impedir que os Estados agissem por conta própria. E, na maioria dos casos, as instituições que concediam os empréstimos “subprime” (de alto risco) não mantinham os empréstimos que concediam. Em vez disso, vendiam os empréstimos para investidores, em alguns casos cientes de que o potencial de futuras perdas era maior do que acreditavam os compradores daqueles empréstimos (ou títulos baseados nos empréstimos). 

O que estamos vendo agora são acusações de uma terceira forma de fraude. 

Sabemos há algum tempo que o Goldman Sachs e outras empresas comercializavam títulos baseados em hipotecas ao mesmo tempo em que esperavam lucrar apostando que os valores desses títulos despencariam. Essa prática, apesar de repreensível, não era ilegal. Mas agora, a SEC está acusando o Goldman de ter criado e comercializado títulos que estavam deliberadamente fadados à queda, para que um importante cliente pudesse lucrar com essa baixa. É o que eu chamaria de pilhagem. 

E o Goldman não é a única empresa financeira acusada de fazer isso. De acordo com o site ProPublica, vencedor do prêmio Pullitzer de jornalismo investigativo, vários bancos ajudaram a comercializar os investimentos fadados à queda em prol do fundo hedge Magnetar, que estava apostando nessa baixa. 

Então, qual foi o papel da fraude na crise financeira? Nem os empréstimos predatórios e nem a venda de hipotecas com propósitos escusos causaram a crise. Mas certamente a agravaram, tanto ao ajudar a inflar a bolha imobiliária quanto ao criar um conjunto de ativos fadado a se transformar em lixo tóxico assim que a bolha explodisse. 

Quanto à suposta criação de investimentos destinados à queda, estes podem ter ampliado os prejuízos dos bancos que estavam no lado perdedor dessas negociações, aprofundando a crise bancária que transformou o estouro da bolha imobiliária em uma catástrofe que atingiu toda a economia. 

A pergunta óbvia é se uma reforma financeira do tipo que está sendo discutida agora teria evitado alguma ou todas as fraudes que agora parecem emergir da década passada. E a resposta é sim. 

Em primeiro lugar, uma agência independente de proteção ao consumidor poderia ter ajudado a limitar os empréstimos predatórios. Outro artigo no projeto proposto pelo Senado, exigindo que as instituições de crédito retenham 5% do valor dos empréstimos que fizerem, teria limitado a prática de fazer empréstimos ruins e rapidamente vendê-los a investidores incautos. 

Não está claro se as propostas para a reforma dos derivativos –que envolvem principalmente a exigência de que instrumentos financeiros como swaps de crédito sejam negociados de forma aberta e transparente, como ações ordinárias e títulos– teriam evitado os supostos abusos atribuídos ao Goldman (embora, provavelmente, pudessem ter evitado que a seguradora AIG se descontrolasse e exigisse um resgate federal). O que podemos dizer é que o esboço final da reforma financeira deve incluir uma linguagem que evite esse tipo de pilhagem –particularmente, deveria bloquear a criação de “CDOs (obrigações de dívida colateralizadas) sintéticas”, coquetéis de swaps de crédito que permitem que os investidores façam grandes apostas em ativos sem nunca os possuírem realmente. 

A principal moral que se deve extrair das acusações contra o Goldman, no entanto, não envolve os pormenores da reforma; envolve a necessidade urgente de mudar Wall Street. Ouvindo os lobistas do setor financeiro e os políticos republicanos associados a eles, você acharia que tudo ficará bem desde que o governo federal prometa não fazer mais nenhum resgate. Mas isso está totalmente errado –e não apenas porque tal promessa não seria crível. 

O fato é que grande parte da indústria financeira se tornou uma extorsão –um jogo em que um punhado de pessoas é ricamente remunerado para iludir e explorar consumidores e investidores. E, se não reduzirmos a proliferação dessas práticas, a extorsão vai continuar.