Topo

Concentração de riqueza ameaça fazer com que democracia nos EUA vire rótulo sem significado

Manifestantes derrubam uma cerca durante protesto "Ocupe Oakland" no Frank Ogawa Plaza, em Oakland, na Califórnia. Policiais e manifestantes entram em conflito pelo segundo dia consecutivo na cidade dos Estados Unidos - Marcio Jose Sanchez/AP
Manifestantes derrubam uma cerca durante protesto "Ocupe Oakland" no Frank Ogawa Plaza, em Oakland, na Califórnia. Policiais e manifestantes entram em conflito pelo segundo dia consecutivo na cidade dos Estados Unidos Imagem: Marcio Jose Sanchez/AP

Paul Krugman

05/11/2011 00h01

A desigualdade econômica está de volta às manchetes, graças em grande parte ao movimento Occupy Wall Street, mas também por causa de uma assistência do Departamento de Orçamento do Congresso. E sabem o que isso significa? Que chegou a hora de desmascarar os grandes ocultadores da verdade!

Quem quer que tenha acompanhado essa questão sabe o que eu quero dizer. Toda vez que há uma ameaça de que seja revelado que as disparidades de renda são cada vez maiores, um grupo confiável de defensores da desigualdade procura ocultar os fatos. Institutos de pesquisa apresentam relatórios alegando que a desigualdade não está de fato em alta, ou que essa não é uma questão importante. Especialistas tentam colocar uma fachada mais benigna em frente a esse fenômeno, alegando que não se trata de fato de um conflito entre os ricos e o resto da população, mas sim entre os que têm escolaridade e os ignorantes.

Portanto, é preciso que se saiba que todas essas alegações são basicamente tentativas de ocultar a dura realidade: os norte-americanos vivem em uma sociedade na qual o dinheiro encontra-se cada vez mais concentrado nas mãos de poucas pessoas, e na qual essa concentração de renda e de riqueza ameaça fazer com que a democracia nos Estados Unidos se torne apenas um rótulo sem nenhum significado real.

O departamento do orçamento expôs parte dessa realidade terrível em um relatório recente, que documentou um declínio drástico da parcela de renda total que é destinada aos norte-americanos de rendimento baixo e médio. Nós ainda gostamos de achar que somos um país de classe média. Mas, considerando que 80% dos domicílios recebem atualmente menos do que a metade da renda total do país, essa ideia não corresponde à realidade.

Como resposta, os suspeitos atuais apresentaram alguns argumentos familiares: os dados estão incorretos (não estão); os ricos representam um grupo de indivíduos em constante mudança (mentira); e assim por diante. Atualmente o argumento mais popular parece ser, no entanto, a alegação de que nós podemos até não ser uma sociedade de classe média, mas somos ainda uma sociedade de classe média alta, na qual uma ampla classe de trabalhadores de alto nível educacional, que possuem as qualificações para competir no mundo moderno, está se saindo muito bem.

A história é bonita, e bem menos perturbadora do que o quadro de uma nação na qual um grupo muito menor de indivíduos ricos está se tornando cada vez mais dominante. Mas não se trata de uma história verdadeira.

Os trabalhadores com diploma universitário estão, de fato, se saindo melhor do que aqueles que não cursaram o terceiro grau, e a lacuna entre eles está de forma geral aumentando com o passar do tempo. Mas os norte-americanos de alto nível de escolaridade não estão de forma alguma imunes à estagnação de salário e à crescente insegurança econômica. Os ganhos salariais para a maioria dos trabalhadores com diploma universitário têm sido medíocres (e inexistentes desde 2000), e nem mesmo aqueles com qualificação ainda mais alta podem mais esperar conseguir empregos com bons benefícios. E um fato notável é que esses trabalhadores com diploma universitário básico, mas que não têm pós-graduação, contam com menor possibilidade de obter cobertura de seguro saúde vinculada ao emprego do que os trabalhadores em 1979 que tinham apenas o segundo grau.

Sendo assim, quem está embolsando com os grandes lucros? Uma minoria rica muito pequena.

O relatório do departamento do orçamento nos mostra que essencialmente toda a redistribuição de renda de baixo para cima, que teve origem na parcela de 80% da população que tem menos dinheiro, foi destinada ao grupo do 1% de norte-americanos mais ricos. Os seja, os manifestantes que dizem representar os interesses dos 99% acertaram na mosca, e os especialistas que lhes asseguram solenemente que tudo diz respeito de fato ao nível educacional, e não aos lucros de uma pequena elite, estão completamente equivocados.

Se os manifestantes estiverem cometendo algum erro quanto à estimativa, eles estarão errando por subestimarem o número de pessoas que estão sendo subtraídas no processo de divisão de riquezas. O relatório recente do departamento do orçamento não faz uma análise detalhada do grupo do 1% mais rico, mas um relatório anterior, que só cobre o período até 2005, mostrou que quase dois terços da parcela de riqueza crescente dos 1% mais ricos na verdade foram parar na verdade nos bolsos de 0,1% indivíduos mais ricos desse grupo – o um milésimo de norte-americanos mais ricos, que viram as suas rendas aumentarem em mais de 400% de 1979 a 2005.

E quem faz parte desse grupo de 0,1% mais ricos? Seriam eles heroicos empresários criadores de empregos? Não, em sua maioria eles são executivos de corporações. Pesquisas recentes revelam que cerca de 60% dos 0,1% mais ricos são executivos de companhias não financeiras ou indivíduos que ganham o seu dinheiro com finanças, ou seja, via de regra, o pessoal de Wall Street. Acrescentemos a este grupo os advogados e os integrantes do setor imobiliário e teremos mais de 70% dessa fatia de um milésimo de sortudos.

Mas por que essa concentração crescente de riqueza em tão poucas mãos tem importância? Parte da resposta é que a desigualdade crescente significa que a maioria das famílias não recebe a sua fatia do crescimento econômico. Além disso, assim que um indivíduo percebe o quanto os ricos ficaram mais ricos, o argumento de que impostos e salários mais altos deveriam fazer parte de qualquer acordo de longo prazo referente ao orçamento se torna muito mais convincente.

A resposta mais abrangente, no entanto, é que a concentração intensa de renda é incompatível com uma democracia real. Será que alguém poderia negar com seriedade que o nosso sistema político encontra-se distorcido pela influência do grande capital e que essa distorção está se agravando à medida que a riqueza de uns poucos fica cada vez maior?

Alguns especialistas estão tentando afirmar que as preocupações quanto à desigualdade crescente não passam de bobagem. Mas a verdade é que a própria natureza da nossa sociedade encontra-se ameaçada.