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Um fracasso inventado

Paul Krugman

06/05/2014 00h01

Na semana passada, os republicanos da Câmara divulgaram um relatório deliberadamente enganoso sobre a situação da reforma da saúde, manipulando grosseiramente os números para sustentar a ilusão de fracasso diante do sucesso inesperado. Você está chocado?

Não está, mas deveria. Os políticos nem sempre tentaram promover seus interesses por meio de mentiras e mais mentiras e -neste caso- estatísticas falsas. E o fato de que isto se tornou um padrão de operação de um grande partido é um mau presságio para o futuro dos EUA.

Sobre o relatório: a novidade política realmente grande de 2014, pelo menos até agora, é a recuperação espetacular da Lei do Atendimento Médico Acessível de seu tropeço inicial, graças a uma recuperação extraordinária de última hora, que levou as inscrições a um patamar superior às projeções iniciais.

A variedade na idade dos inscritos aumentou; as companhias de seguros estão amplamente satisfeitas com a qualidade do risco. Vários estudos independentes confirmam que a porcentagem de americanos sem seguro de saúde já declinou substancialmente, e há todos os motivos para acreditar que, nos próximos dois anos, a lei vai cumprir suas metas globais, exceto naqueles Estados que se recusam a expandir o Medicaid.

E isso é um problema para os republicanos, que apostaram pesado que a reforma da saúde é um fracasso sem solução. “Ninguém pode fazer o Obamacare funcionar”, declarou Eric Cantor, líder da maioria na Câmara, duas semanas atrás (quando já era óbvio que estava funcionando muito bem).

Como eles poderiam responder a uma boa notícia?

Bem, eles poderiam admitir graciosamente que estavam errados e oferecer sugestões construtivas sobre como fazer a lei funcionar ainda melhor. Oh, desculpe, esqueci que eu não estava escrevendo piadas para o Jantar dos Correspondentes da Casa Branca.

Não, de fato eles continuaram a fazer o que vinham fazendo desde que as notícias sobre o Obamacare começaram a ser positivas: jogar tanta lama quanto possível na reforma da saúde, com a esperança de que alguma cole. Eles declararam que os prêmios estavam altos demais, quando de fato estavam abaixo das projeções.

Insistiram que milhões de pessoas estavam perdendo a cobertura, quando a grande maioria daqueles cujas apólices foram canceladas simplesmente as substituíram por novas. E choramingaram dizendo que o governo Obama estava alterando os dados (será projeção?).

E, claro, eles ficam contando histórias de horror sobre pessoas que sofrem terrivelmente com o Obamacare, nenhuma das quais se provou verdadeira.

E aí vem a alegação mais recente: de que muitas pessoas que se inscreveram não estão pagando suas mensalidades. Obviamente esta afirmação faz parte de um padrão contínuo, mas ao mesmo tempo, envolve uma mudança de tática.

Os ataques anteriores ao Obamacare foram praticamente construídos sem base factual alguma; desta vez, a alegação se baseia em uma pesquisa que pretende mostrar que um terço dos inscritos não pagou sua primeira mensalidade.

Só que a pesquisa foi fraudada. (Você está surpreso?) Os pesquisadores perguntaram às seguradoras quantos inscritos pagaram sua primeira mensalidade, mas ignoraram o fato de que o prazo para pagamento ainda não expirou para milhões de pessoas que se inscreveram depois do dia 15 de março.

E o fato da pesquisa ter sido furada de uma forma tão transparente prova que os ataques contra o Obamacare não são apenas falsos: são deliberadamente falsos. Os agentes que montaram essa pesquisa sabiam o suficiente sobre os números para distorcê-los, o que significa que eles sabem que o Obamacare está realmente se saindo bem.

Então, por que os republicanos fazem isso? É triste dizer, há um método em sua fraude.

Primeiro de tudo, ela incita a base. Após este último exercício de enganação, podemos ter quase certeza que os líderes republicanos sabem perfeitamente bem que o Obamacare falhou em fracassar. Mas os fiéis do partido não.

Como qualquer um que escreve sobre essas questões, eu recebo grandes quantidades de mensagens por email de pessoas que sabem, simplesmente sabem, que os prêmios das apólices estão subindo rapidamente, que muito mais pessoas perderam o seguro por causa do “Obummercare” que ganharam com ele, que todas as histórias de horror são reais, e que qualquer um que diga o contrário é apenas um farsante liberal.

Além disso, a repetição constante do pretenso fracasso funciona como sugestão genérica, mesmo que cada reivindicação individual desmorone em face de provas. Uma pesquisa recente da Fundação Família Kaiser revelou que a maioria dos americanos sabe que mais de 8 milhões de pessoas matricularam-se em novos programas de saúde; mas também mostrou que a maioria dos entrevistados acreditavam que esse número foi abaixo do esperado, e que a lei estava funcionando mal.

Assim, os republicanos estão espalhando a desinformação sobre a reforma da saúde, porque a desinformação funciona, e porque não há custos - não há sinal de pagarem qualquer preço político quando fica provado que suas acusações são falsas.

E essa observação deve assustar o leitor. O que aconteceria com o Setor de Orçamento do Congresso, se um partido que aprendeu que mentir sobre os números vale a pena assumisse o controle completo do Congresso? O que aconteceria se ele também recuperasse a Casa Branca? Nada de bom, isso é certo.