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Divisões na política americana não são apenas sobre o dinheiro

Bernie Sanders e Hillary Clinton, principais pré-candidatos democratas - Joe Raedle/Getty Images/AFP
Bernie Sanders e Hillary Clinton, principais pré-candidatos democratas Imagem: Joe Raedle/Getty Images/AFP

Paul Krugman

29/01/2016 12h53

Toda vez que você acha que o nosso discurso político não pode ficar pior, ele fica. As primárias republicanas se transformaram em uma corrida para baixo, conseguindo algo que talvez você achasse impossível: fazer George W. Bush parecer um exemplo de tolerância e de homem de Estado. Mas de onde vem toda essa maldade? 

Bem, há um debate sobre isso, e esse debate está no cerne da disputa democrata. 

Como muitos, eu descrevi a competição entre Hillary Clinton e Bernie Sanders como um argumento entre teorias concorrentes de mudança. Mas subjacente a este argumento está uma disputa mais profunda sobre o que há de errado com os EUA, o que nos levou ao estado em que nos encontramos. 

Simplificando -apenas um pouco, acho eu- a opinião de Sanders é que o dinheiro é a raiz de todo o mal. Ou, mais especificamente, que a influência corruptora do dinheiro, do 1% e da elite empresarial, é a fonte primordial da feiura política que vemos ao nosso redor. 

A visão de Clinton, por outro lado, parece ser que o dinheiro é sim a raiz de algum mal, talvez de grande parte dele, mas não de todo o mal. Em vez disso, o racismo, o machismo e outras formas de preconceito são forças poderosas por si próprias. Essa diferença pode parecer pequena -ambos os candidatos se opõem ao preconceito, ambos querem reduzir a desigualdade econômica. Mas é importante para a estratégia política. 

Como você pode imaginar, eu estou do lado que entende que há muitos males. A oligarquia é um problema muito real, e eu já escrevia sobre a ascensão prejudicial do 1% desde quando muitos dos que defendem Sanders hoje estavam no ensino fundamental. Mas é importante entender como os oligarcas norte-americanos ficaram tão poderosos. 

Afinal, eles não chegaram lá apenas comprando influência (o que não é negar que há muita compra de influência). Crucialmente, a ascensão da direita radical americana foi o surgimento de uma coalizão, uma aliança entre uma elite que buscava impostos baixos e desregulamentação com uma base de eleitores motivados por medos de mudança social e, acima de tudo, pela hostilidade em relação a você-sabe-quem. 

Sim, houve um esforço concentrado bem sucedido de bilionários para empurrar os EUA para a direita. Isso não é teoria da conspiração; é simplesmente a história, documentada em detalhe no novo e esclarecedor livro de Jane Mayer “Dark Money” (ou, em tradução livre, “Dinheiro Obscuro”). Mas esse esforço não teria chegado tão longe sem o rescaldo político da Lei dos Direitos Civis, e a resultante migração dos eleitores brancos do Sul para o Partido Republicano. 

Até recentemente, você poderia argumentar que quaisquer que fossem as motivações dos eleitores conservadores, os oligarcas permaneciam firmemente no controle. Os alertas raciais, a demagogia sobre o aborto e assim por diante eram temas usados nos anos eleitorais e depois guardados de volta no armário, enquanto o Partido Republicano se focava em seu verdadeiro negócio, o de permitir atividades financeiras obscuras e cortar as taxas de impostos do topo. 

Atualmente, porém, nesta era Trump, não é bem assim. O 1% não tem problemas com a imigração, que traz mão de obra barata e não deseja um confronto com a Planned Parenthood, mas a base não está aceitando suas orientações do jeito que costumava fazer. 

De qualquer maneira, a questão para os progressistas é o que tudo isso revela sobre estratégia política. 

Se a feiura na política americana vem toda, ou quase toda, da influência do dinheiro grande, então os eleitores da classe trabalhadora que apoiam a direita são vítimas de falsa consciência. E pode ser possível, talvez, que um candidato pregando o populismo econômico vença essa falsa consciência, conseguindo assim uma reestruturação revolucionária da paisagem política, convencendo os eleitores de que está do seu lado.

Alguns ativistas vão mais longe e pedem que os democratas parem de falar sobre questões sociais além da desigualdade de renda, embora Sanders não tenha chegado a esse ponto. 

Por outro lado, se as divisões na política americana não são apenas sobre o dinheiro, se refletem preconceitos profundamente arraigados que os progressistas simplesmente não podem apaziguar, tais visões de mudança radical são ingênuas. E eu acredito que este seja o caso. 

Isso não quer dizer que o movimento em direção a metas progressistas seja impossível. Afinal, os EUA estão se tornando mais diversificados e mais tolerantes ao longo do tempo. Veja, por exemplo, a rapidez com que a oposição ao casamento gay passou de uma postura que conquistava votos para a direita a um passivo republicano. 

Mas ainda há muito preconceito por aí, provavelmente o suficiente para que a revolução política a partir da esquerda esteja fora de questão. Em vez disso, será um lento progresso, na melhor das hipóteses. 

Esta é uma visão inaceitavelmente pessimista? Aos meus olhos, não. Afinal, uma das razões que a direita ficou tão furiosa é que os anos de Obama foram efetivamente marcados por vitórias progressivas significativas, apesar de incompletas, em políticas de saúde, impostos, reforma financeira e do meio ambiente. E não há algo de nobre, até mesmo inspirador, em travar a luta do bem, ano após ano, e, gradualmente, tornar as coisas melhores?

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