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O homem no muro

Ariel Sharon morreu no último dia 8 de janeiro após ter ficado anos em coma após um derrame - Jim Hollander/Efe
Ariel Sharon morreu no último dia 8 de janeiro após ter ficado anos em coma após um derrame Imagem: Jim Hollander/Efe

Thomas L. Friedman

16/01/2014 00h01

Eu sempre pensei que o motivo pelo qual Ariel Sharon foi uma presença tão duradoura na vida política de Israel é que ele refletia pessoalmente três dos estados de espírito mais importantes pelos quais o Estado de Israel passou desde sua fundação. Em momentos chaves, para melhor e para pior, Sharon expressou e personificou os sentimentos do israelense comum, talvez mais que qualquer outro líder israelense.

O primeiro foi a prolongada luta pela sobrevivência do povo judeu em Israel. A fundação de um Estado judaico no coração do mundo árabe-muçulmano jamais seria um ato natural, apreciado pela região. Existe um Estado judeu hoje por causa de homens duros como Ariel Sharon, que estavam dispostos a atuar de acordo com as regras locais, e sucessivos primeiros-ministros o usaram para fazer exatamente isso. Sharon - que conheci aos 16 anos, quando o entrevistei para o jornal do meu colégio depois de uma palestra que ele deu na Universidade de Minnesota em 1969 - sempre desprezou as pessoas em Israel ou no exterior que na sua opinião não compreendiam a natureza "matar ou morrer" de sua região. Ele era um guerreiro sem remorsos e às vezes sem restrições. Não por acaso, uma biografia dele em hebraico foi intitulada "Ele não para nos faróis vermelhos".

Sharon poderia ter perfeitamente entregado uma versão hebraica do discurso que o coronel dos fuzileiros navais Nathan Jessep, interpretado por Jack Nicholson, fez na cena climática do tribunal em "Questão de Honra", justificando a morte de um soldado fraco, Santiago, sob seu comando. No caso de Sharon, estaria justificando sua negociação irrestrita com os árabes que resistiram à existência de Israel nos anos 1950 e 60.

Como disse Jessep ao advogado do julgamento: "Filho, nós vivemos em um mundo que tem muros, e esses muros têm de ser protegidos por homens armados. Quem vai fazer isso? Você?... Eu tenho uma responsabilidade maior do que você poderia imaginar.... Você tem o luxo de não saber o que eu sei. Essa morte de Santiago, embora trágica, provavelmente salvou vidas. E minha existência, embora grotesca e incompreensível para você, salva vidas. Você não quer a verdade porque no fundo, em lugares de que você não fala nas festas, você quer que eu esteja naquele muro, você precisa de mim naquele muro".

Muitos israelense queriam Sharon naquele muro, e é por isso que ele sobreviveu a tantas crises. No fim do dia, eles sempre queriam saber que seu maior guerreiro, que jogava conforme as regras locais, estava a postos.

Mas no final dos anos 1980 Sharon também personificou uma fantasia que tomou conta de Israel - a de que com poder suficiente os israelenses poderiam se livrar da ameaça palestina, poderiam ter tudo: reassentar judeus em suas terras bíblicas na Cisjordânia, mais assentamentos em Gaza, palestinos dóceis, a paz com os vizinhos e boas relações com o mundo. Essa fantasia levou Sharon a unir-se em 1982 ao líder falangista cristão Bashir Gemayel em uma empreitada estratégica para expulsar Yasser Arafat e a OLP do Líbano e instalar Gemayel como um primeiro-ministro pró-israelense em Beirute. Ronald Reagan estava no poder nos EUA; Anuar Sadat tinha acabado de fazer a paz com Israel e retirado o Egito do campo de batalha. O pequeno Estado judeu, pensou Sharon, poderia reorganizar a vizinhança.

Esse esforço israelense, que eu cobri de Beirute, terminou mal para todos. Sharon foi considerado em 1983 por uma comissão de inquérito israelense "indiretamente responsável" pelo horrível massacre de civis palestinos por falangistas nos campos de refugiados de Sabra e Shatila. O fiasco no Líbano (que também deu origem ao Hizbollah), seguido de duas intifadas palestinas, pareceu marcar em Sharon os limites do poder israelense.

De fato, não sei que epitáfio a família Sharon gravará em sua lápide um dia, mas uma adaptação da frase mais memorável do clássico de Clint Eastwood "Magnum Force" certamente seria apropriada: "Um país precisa conhecer suas limitações".

Essa foi a conclusão a que Sharon, o construtor de assentamentos, chegou tarde na vida - assim como muitos israelenses. Ele atuou de acordo com ela ao se eleger primeiro-ministro e depois se afastando de seus antigos aliados do Likud/colonos, movendo-se para o centro e orquestrando uma retirada unilateral de Gaza. Ele certamente teria tentado algo semelhante na Cisjordânia se não tivesse sofrido um derrame. Sharon continuou cético de que os palestinos jamais fariam uma paz real com Israel, mas ele concluiu que ocupar sua terra para sempre seria prejudicial para o futuro de Israel, e portanto uma terceira via tinha de ser encontrada.

Mais uma vez, Sharon estava expressando os sentimentos do israelense comum - e é provavelmente por isso que o presidente Barack Obama teve uma recepção tão cálida dos jovens israelenses em sua visita a Israel em março passado, quando justificou sua diplomacia de paz citando um Ariel Sharon mais sábio e mais velho, dizendo aos israelenses que o sonho de um Grande Israel tinha de ser abandonado: "Se insistirmos em cumprir o sonho em sua totalidade, poderemos perder tudo", disse Sharon.

Poucos israelenses são neutros a respeito de Sharon. Eu acho que isso é porque alguma parte dele - o sobrevivente cabeça-dura, o sonhador que esperava que Israel pudesse retornar a suas origens bíblicas e que os palestinos eventualmente concordariam ou desapareceriam, ou o sóbrio realista que tentou descobrir como dividir a terra que ele amava com um povo em quem jamais confiaria - tocou algo em todos eles.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves