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Pense grande e enlouqueça

Thomas L. Friedman

09/05/2014 00h01

Até agora, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vem explorando muito bem os trunfos fracos que têm na Ucrânia. Como podem ser fortes, quando seus aliados insistem em usar máscaras? Mas Putin acha que conhece seus adversários melhor do que eles mesmos. Ele acha que os americanos nunca vão ser sérios na questão da energia, que os europeus nunca vão ser sérios em suas sanções, que os reformadores ucranianos nunca serão sérios sobre governança e que ele pode controlar as forças separatistas que ele desencadeou no leste da Ucrânia e inflamá-las ou esfriá-las quando quiser.

O desfecho da crise na Ucrânia dependerá em grande parte se ele está certo sobre tudo isso. Como sua aposta está se saindo a até agora?

Ultimamente, vem se falando muito sobre a “liderança” do presidente Barack Obama. Tudo o que sei é que, se Obama quiser, a Ucrânia está oferecendo uma oportunidade única de exercer sua liderança de forma a deixar um legado, com uma iniciativa que poderia, simultaneamente, tornar os EUA mais fortes, Putin mais fraco, o planeta mais saudável e nossos netos mais seguros.

Como nós descartamos a possibilidade de enviar tropas, a nossa capacidade de influenciar Putin no curto prazo depende de sanções específicas. Mas a forma séria de enfraquecer Putin, cuja economia e orçamento do governo é extremamente dependente do barril de petróleo a US$ 100 ou mais, é com um grande acordo nacional americano em torno do uso de energia que desencadeie forças que, ao longo do tempo, comecem a afetar o preço mundial e a disponibilidade de petróleo e gás.

Obama deve convocar os líderes do Congresso para Camp David e colocar seu próprio plano em cima da mesa: oferecer aos republicanos o oleoduto Keystone XL, a expansão da perfuração de petróleo e o fraturamento hidráulico (mas apenas com os mais altos padrões ambientais) e, em troca, exigir um imposto sobre combustíveis fósseis com base em seu conteúdo de carbono, um portfólio nacional renovável que exigiria que cada empresa de energia nos Estados Unidos introduzisse gradualmente mais energia renovável, e um código nacional de construção de casas eficientes energeticamente como o da Califórnia. Eu também incluiria incentivos para ampliar a participação da energia nuclear em nossa matriz energética.

Odeio Keystone, que traz o óleo de areias betuminosas nojento do Canadá, e me preocupo com a técnica de fraturamento hidráulico com baixos padrões ambientais, mas eu assinaria este acordo em um segundo, porque, em pouco tempo, um imposto sobre o carbono adequado tornaria antieconômico o óleo de areias betuminosas, e o fraturamento associado a um portfólio de energia renovável garantiria que o gás natural substituiria o carvão e não a energia solar, eólica e outras fontes renováveis.

A Casa Branca acaba de divulgar um estudo revelando que a mudança climática induzida pelo homem está afetando todos os cantos do nosso país, para não falar do mundo. Assim, um acordo de tamanha envergadura seria uma estratégia oportuna e necessária, onde todos sairiam ganhando. Simultaneamente, aumentaria nossa alavancagem contra Putin e em favor da Mãe Natureza. E faria com que um conjunto de tecnologias baixasse de preço de forma que poderíamos implantá-las em escala e assegurar a posição de liderança dos EUA na próxima grande indústria global: a da tecnologia limpa. Obama deve deixar de lado a cautela e agir em grande escala. Se os republicanos não concordarem nem com essa barganha (sim, eu sei, improvável), exporão sua má vontade em fazer algo que deteria Putin significativamente e que nos garantiria contra as alterações climáticas -com políticas que nos tornariam mais fortes e saudáveis- mesmo que a mudança climática prove-se menos intensa.

Pense grande, senhor presidente, enlouqueça.

Mas, como eu disse, Putin acha que nos conhece melhor do que nós mesmos, que somos todos caubóis sem gado. E ele tem alguma razão: durante décadas, os dois partidos norte-americanos não conseguiram desenvolver uma estratégia energética, e nós pagamos por isso -com os choques do preço do petróleo, as guerras, a poluição e as mudanças climáticas. Será que estamos condenados a ser tomadores, e não formuladores de política energética?

E Putin acha que conhece os europeus, pois muitos são beneficiários de seu petróleo e gás. Até agora, a resposta da Europa tem sido mais se preocupar com Putin do que torcer o pescoço dele. Eles falam baixinho e carregam uma grande baguete.

Os reformadores da Ucrânia também têm um enorme papel a desempenhar. Eles devem encontrar uma maneira de realizar eleições livres e justas na Ucrânia no dia 25 de maio e, em seguida, avançar rapidamente para as eleições parlamentares e reforma constitucional de forma a instituir uma base para uma governança decente. A última coisa que Putin quer é um governo reformista eleito de forma justa em Kiev, que teria a legitimidade para associar a Ucrânia com a União Europeia. Portanto, é a primeira coisa que os ucranianos devem fazer.

Mas Putin precisa tomar cuidado. Os aliados separatistas que ele incitou com seus agentes e sua campanha de propaganda ao estilo de Goebbels no leste da Ucrânia podem fugir do controle. Os separatistas inspirados por Putin podem persuadir o oeste da Ucrânia que não há futuro com o leste, e Kiev pode largá-los todos no colo de Putin, sob sua responsabilidade econômica.

Putin talvez se veja como o Super-Homem, mas o fato é que os EUA, a Europa e os reformadores ucranianos juntos podem gerar a Kriptonita que o tornaria impotente: unidade europeia, legitimidade do governo ucraniano e energia norte-americana. Essas são as coisas que ele mais teme. O que todas têm em comum, porém, é que são difíceis, implicam em escolhas sérias e exigem uma capacidade extraordinária de liderança. Então, observe bem essas frentes. Posso assegurar-lhe que Putin está observando.