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A melhor esperança do Iraque

Thomas L. Friedman

De Sulaimani, Iraque

09/06/2014 00h03

Eu sou um fã incondicional de colações de grau, mas esta me fez sentir várias emoções diferentes.

Quando Dina Dara – a oradora oficial da turma de formandos de 2014 da Universidade Americana do Iraque em Sulaimani, no Curdistão – subiu ao palco, o sol estava se pondo, transformando a montanha Azmar, ao fundo, em uma cortina marrom-avermelhada. A classe era formada por cerca de 70% de curdos, e o restante dos alunos vinha de todos os cantos e tribos do Iraque e professavam várias religiões diferentes. Os pais dos estudantes, explodindo de orgulho com câmeras de celular em uma mão e buquês na outra, tinham dirigido de Basra ou Bagdá e estavam vestidos com suas melhores roupas para ver os filhos receberem diplomas universitários ao estilo americano. Três estações de TV curdas transmitiram a cerimônia ao vivo.

“Essa foi uma jornada e tanto”, disse Dara, que fará pós-graduação na Universidade Tufts, a seus colegas de classe. (Desde que a universidade foi inaugurada, em 2007, todos os oradores oficiais da turma foram mulheres iraquianas). “Vivendo nos dormitórios (da universidade), nós tivemos uma experiência totalmente diferente. Esta noite... nós estamos munidos de duas coisas: primeiro, com a educação norte-americana altamente valorizada que nos torna tão competentes e qualificados quanto o restante dos estudantes no mundo. E, segundo, com o empoderamento de uma formação artística liberal”. À medida que “nós exercitarmos as técnicas de pensamento crítico que formaram o cerne de nossa educação aqui, e enquanto tentarmos ir além das convenções tradicionais, além do que os outros costumam sugerir, nós poderemos vir a enfrentar dificuldades. Mas não é assim que as nações são construídas?”

Sentado perto de Dara (eu era o orador da cerimônia de formatura), eu pensei: é dessa maneira que a história do Iraque deveria ter terminado, mas não terminou – pelo menos ainda não. O Curdistão segue sendo a história de sucesso desconhecida da Guerra do Iraque, uma coisa da qual os veteranos de guerra norte-americanos podem se orgulhar de ter ajudado a criar – em primeiro lugar, ao protegerem os curdos de Saddam Hussein com uma zona de exclusão aérea e, em segundo lugar, por terem derrubado Saddam, que havia tentado eliminar os curdos com gás venenoso em 1988.

Mas foram os curdos que utilizaram a janela de liberdade que nós abrimos para eles para superar as divisões internas, iniciar a reforma de seu sistema político à la Sopranos e criar uma economia vibrante que atualmente tem produzido diversos arranha-céus e faculdades em cidades grandes como Erbil e Sulaimani. Em todos os lugares que eu visitei aqui no Curdistão, eu conheci “imigrantes invertidos”, ou seja, curdos que retornaram a sua terra natal, localizada no nordeste do Iraque, devido a todas as oportunidades que foram abertas.

O Curdistão representa tudo que não aconteceu na Bagdá dominada pelos xiitas e nas regiões sunitas do Iraque, onde o primeiro-ministro Nouri al-Maliki se comportou como um chefe sectário pró-xiita sem nenhuma visão e onde a violência continua a grassar. Maliki era “o nosso cara”. Por isso, nós podemos dizer que os Estados Unidos deixaram dois grandes “presentes” para trás no Iraque: um autocrata instalado por nós e uma universidade norte-americana que está ensinando os valores da inclusão que Maliki não pratica. Para o longo prazo, quando Maliki já tiver deixado o cargo, nós ainda podemos alimentar esperanças – como aconteceu parcialmente no Vietnã – de que os nossos valores triunfarão onde o nosso poder falhou. Essas esperanças ainda representam um tiro no escuro, mas isso é, claramente, o que os alunos da Universidade Americana do Curdistão esperam.

Bery Hoshiar, 20, uma estudante de engenharia, me disse: “As pessoas que se formam aqui sentem que podem mudar as coisas. Elas chegam aqui como pessoas limitadas por convenções sociais e saem como indivíduos com valores que podem implementar em suas vidas. Nós todos acreditamos que podemos ser futuros líderes. O (Iraque) ainda não acabou. Nós estamos apenas começando. Nós estamos construindo tudo a partir do zero. E isso vai demorar bastante tempo”.

Karwan Gaznay, 24, um curdo, me disse que durante sua infância e adolescência os livros só falavam sobre Saddam: “agora nós temos essa educação norte-americana. Eu não sabia quem foi Thomas Jefferson. Eu não sabia quem foi James Madison. Por isso, quando o governo faz algo errado agora nós podemos dizer: ‘Isso está errado. Eu tenho uma formação’. ... Eu concorri ao cargo de presidente do grêmio estudantil e árabes votaram em mim. Nós vivemos como uma família na universidade. Eu não sou pessimista sobre o futuro do Iraque. Nós podemos trabalhar juntos se assim desejarmos”.

Como presidente do grêmio, Gaznay persuadiu o governo curdo a criar um cartão de identificação especial para estudantes sunitas e xiitas da American University of Iraq, Sulaimani's (AUIS) utilizarem e poderem passar facilmente pelos postos de controle que protegem esta região do restante do Iraque. Isa Mohamed, 22, um xiita de Bagdá, me disse que foi por isso que ele apoiou Gaznay: “qualquer estudante árabe (da AUIS) agora pode passar por todos os postos de controle e aeroportos” do Curdistão sem dificuldades.

Shayan Hamed, 23, disse: “você ouve a palavra democracia sendo usada pelos líderes políticos, mas eles estão apenas definindo a democracia da maneira que mais lhes convêm. No entanto, quando você realmente aprende o que é a democracia nos textos reais, você percebe que em seu país não existe democracia”. Eu pensei que o Iraque estava acabado, eu disse a ela. “A Alemanha não acabou depois de Hitler. A Rússia não acabou após Stalin. Então, por que o Iraque acabaria após Saddam?”, respondeu ela.

Mewan Nahro, 23, colocou tudo em perspectiva: “nas décadas de 1980 e 1990, meu pai estava nas montanhas atuando como combatente da Pesh Merga (a guerrilha curda) e, agora, a nossa família avançou. Passamos da fase em que ele vivia nas montanhas e chegamos até mim, aqui em uma universidade norte-americana, tendo a liberdade de dizer o que eu quero”.

Sim, esta é uma escola de elite e o Curdistão é uma ilha de decência em um mar ainda turvo. Mas o poder do exemplo é uma coisa engraçada. Você nunca sabe como ele pode se disseminar. Mais universidades norte-americanas, por favor – e não apenas drones.

Tradutora: Cláudia Gonçalves