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Viagem ao centro da terra satírica

Biblioteca Nacional Britânica
Imagem: Biblioteca Nacional Britânica

30/06/2012 00h01

Algum dia, quando eu me cansar de procurar temas apropriadamente atuais para abordar nesta coluna, gostaria de começar uma série de resenhas literárias tardias: escreverei sobre livros que saíram há muitos anos como se tivessem sido publicados hoje; livros que poderiam ser dignos de serem lidos novamente. Por exemplo, com a intenção de ver suas curiosas ilustrações, recentemente tirei das minhas estantes a edição de 1745 de “Nicolai Klimii iter subterraneum novam telluris’' de Ludwig Holberg. É claro, a tradução para o italiano publicada em 1994, “A Viagem Subterrânea de Niels Klim”, talvez seja a versão mais disponível, já que contém muitas ilustrações a mais do que as primeiras impressões do livro.

Holberg, que nasceu na Noruega e depois viveu e trabalhou na Dinamarca, produziu uma obra clássica de literatura utópica, do tipo da de Sir Thomas Morus da Inglaterra, Tommaso Campanella da Itália e Jonathan Swift da Irlanda. Mas Holberg se distanciou um pouco da obra de seus predecessores ao escrever o relato satírico de Niels Klim: o personagem do título descobre um universo localizado não na superfície, mas debaixo da Terra, que é oca, com outros planetas que supostamente orbitam dentro dela. (Esta ideia prosperaria mais tarde na imaginação de muitos ocultistas.)

Klim descobre que os habitantes deste universo, além de parecerem árvores, praticam vários costumes que são diferentes dos terrestres que ele conhece; e, é claro, extrai algumas lições morais destas diferenças. Ele assinala, por exemplo:

“Entre as outras excelências deste principado, havia-se estabelecido a permissão para desfrutar de prazeres inócuos, já que se acreditava que eles fortaleciam a mente e a preparavam para empreender deveres fastidiosos; pensava-se também que estes prazeres dispersavam as nuvens negras e estados de melancolia que são a fonte de tantos distúrbios, motins e ardis tortuosos. (…) Entretanto, notei com certo aborrecimento que situavam a prática das discussões no mesmo nível que o entretenimento e as obras de teatro. Em determinadas datas do ano, depois de fazer apostas e fixar um prêmio para os vencedores indiscutíveis, formavam-se duplas de competidores como se fossem duplas de gladiadores, sob mais ou menos as mesmas regras que usamos quando organizamos brigas de galos ou de animais que são igualmente ferozes. Assim, é costume que os indivíduos ricos mantenham competidores, como fazemos com os cães de caça no nosso mundo. (…) Um certo cidadão rico de nome Henochi havia ganhado em três anos 4.000 ricatu, uma soma enorme, graças aos prêmios conquistados por um desses concorrentes, a quem mantinha para este propósito. (…) Possuidor de uma assombrosa fluidez verbal, este personagem demolia, erguia, mudava o quadrado para redondo, retumbava com as armadilhas dos sofismas e silogismos dialéticos e, ao distinguir, incluir e determinar, sabia bem como frustrar a todos seus oponentes e reduzi-los ao silêncio a seu gosto. Várias vezes assisti a espetáculos deste tipo e sofria uma aflição extrema, já que considerava irreverente e impróprio transformar estas nobres tarefas, que habitualmente enaltecem nossas academias, em atuações teatrais. (…) Não foi a prática da discussão que mais me deu náuseas, mas sim o procedimento. Havia certos incitadores envolvidos, chamados 'cabalcos', que cutucavam os flancos dos concorrentes com instrumentos pontiagudos quando os viam fraquejar em seu ataque, para incentivá-los novamente e renovar seus poderes que minguavam.

“Além destes concorrentes, a quem os habitantes do Inframundo alegremente chamavam de 'maskabos', ou vaqueiros, havia outros concorrentes entre os animais de quatro patas, tanto selvagens como domados, e entre as aves particularmente ferozes, todos os quais eram apresentados aos espectadores por uma tarifa estabelecida. Perguntei a meu anfitrião como podia ser que um povo dotado de tal discernimento podia degradar essas atividades sublimes a exibições na arena, já que nelas se oferecia uma oportunidade para a eloquência, revelava-se a verdade e se afinava o pensamento. Respondeu que essas competências antes eram levadas em alta consideração na era dos bárbaros, mas, como finalmente haviam aprendido graças à experiência, a disputa estava mais inclinada a sufocar a verdade, deixava os jovens frívolos, causava distúrbios e sufocava os estudos genuínos. (…) O resultado havia ensinado que os estudantes jovens dominavam suas habilidades mais rapidamente através do silêncio, da leitura e da reflexão.”

Rindo diante dessas fábulas, fechei o livro e voltei à realidade, sentando-me para ver um refinado debate político-jurídico na televisão, no qual parlamentares, advogados e jornalistas, incitados pelo mediador, interrompiam-se incessantemente, competindo pelo tempo ao ar livre.