A internet veio para ficar
Há não muito tempo, eu publiquei uma carta aberta ao meu neto, encorajando-o a desenvolver sua memória ao (entre outras coisas) resistir ao impulso de obter todas as suas informações na internet. Em resposta, fui acusado na blogosfera de ser anti-internet. Mas, isso é um pouco como dizer que alguém que critica as pessoas por dirigirem acima da velocidade ou embriagadas na estrada é contra automóveis.
Inversamente, em resposta à minha recente coluna sobre candidatos jovens de programas de perguntas que entregam a ignorância de sua geração, ao responderem que Hitler e Mussolini ainda estavam vivos nos anos 60 e 70, o jornalista italiano Eugenio Scalfari me criticou (afetuosamente) na revista "L'Espresso" pelo excesso oposto, dizendo que confio demais na internet como fonte de informação.
Scalfari, fundador da revista "La Repubblica", observou que a internet, com os efeitos homogeneizadores de sua memória coletiva artificial, dá às gerações mais jovens pouco incentivo para exercitar sua própria memória. Afinal, por que se dar ao trabalho de memorizar um fato quando ele estará sempre disponível a um clique de botão? Scalfari também comentou que apesar do uso da internet dar a impressão de nos conectar ao restante do mundo, ele é, no final, uma sentença autoimposta de solidão.
Eu concordo com Scalfari que a preguiça e o isolamento que a internet nutre são duas das maiores aflições de nosso tempo. Mas considere este trecho de "Fedro", no qual o faraó critica o deus Thoth, o inventor da escrita, pela criação de uma tecnologia que permitiria aos homens confiar fatos ao papel, em vez de à memória. Como acontece, o ato de escrever, na verdade, estimula as pessoas a lembrarem o que leram. Além disso, é graças ao advento da escrita que Marcel Proust foi capaz de produzir sua celebração da memória, "Em Busca do Tempo Perdido". E se somos perfeitamente capazes de cultivar nossas memórias enquanto escrevemos, certamente podemos fazê-lo enquanto usamos a internet, internalizando o que aprendemos nela.
O fato é que a internet não é algo que podemos descartar. Assim como o tear mecânico, o automóvel e a televisão antes dela, a internet veio para ficar. Nada, nem mesmo ditaduras conseguirão eliminá-la. Então a pergunta não é como reconhecer os riscos inerentes da internet, mas como fazer o melhor uso dela.
Vamos imaginar uma professora que dá um tema de pesquisa para sua classe. Ela sabe, é claro, que não pode impedir seus alunos de encontrarem respostas pré-digeridas online. Mas, ela pode desencorajar os estudantes de simplesmente copiarem essas respostas e não pesquisarem mais a fundo. Ela poderia instruí-los a procurarem informação em pelo menos dez sites, comparar os "fatos", apontar quaisquer diferenças ou contradições entre eles e tentar avaliar qual fonte é a mais confiável --talvez até mesmo consultando livros de história à moda antiga ou até mesmo enciclopédias.
Desse modo, os estudantes estariam livres para mergulhar na informação disponível online –que seria tolice evitar totalmente–, mas ao mesmo tempo eles avaliariam e sintetizariam essa informação, exercitando seu julgamento e suas memórias no processo. Além disso, se for pedido aos estudantes que comparem o que encontraram com seus colegas, eles evitarão a sentença da solidão e talvez até mesmo cultivem um gosto pela interação face a face.
Infelizmente, pode não ser possível salvar todas as almas penadas na internet; alguns jovens já podem estar profundamente envolvidos em seus relacionamentos exclusivos com suas telas de computador. Se pais e escolas não conseguirem arrancá-los desse círculo infernal, eles acabarão como párias, ao lado dos viciados, fanáticos e todos os outros que a sociedade coloca de lado e atura com má vontade.
Por toda a história, esse processo se repete. Este grupo particular de novas pessoas "doentes" pode parecer especialmente vasto ou difícil de conter, mas isso apenas porque, nos últimos 50 anos, a população mundial aumentou de aproximadamente 2 bilhões para mais de 7 bilhões. E isso, a propósito, é um desenvolvimento que não é culpa da internet e da solidão que ela impõe, mas provavelmente resultado de um excesso de contato humano.
(Umberto Eco é autor dos best-sellers internacionais "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault", entre outros.)
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