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Ameaçada de extinção, ave rara tem cabeça mais valiosa que marfim

01/11/2015 12h38

O comércio ilegal de presas de elefante com frequência recebe atenção da imprensa internacional. No entanto, existe um tipo de marfim que alcança preços ainda mais altos no mercado negro.

Ele vem de uma ave raríssima e pouco conhecida chamada calau-de-capacete (Rhinoplax vigil, na nomenclatura científica), que habita florestas tropicais no leste da Ásia. E, como informa a correspondente Mary Colwell, essa ave magnífica está agora ameaçada de extinção.

Não seria boa ideia dar uma cabeçada em um calau-de-capacete. A ave pesa cerca de 3 kg e tem um tipo de capacete natural, chamado de elmo, feito de queratina, uma proteína fibrosa, que se estende do bico ao crânio. Essa estrutura pode corresponder a cerca de 11% do peso total do pássaro.

Em todas as outras espécies de calau -há mais de 60 na África e Ásia-, o elmo é oco. Mas no caso dessa espécie, ele é sólido. Os machos usam a estrutura em combates com outros machos e ambos os sexos a usam para extrair insetos de árvores apodrecidas.

Fazendeiro da floresta

O calau-de-capacete vive na Malásia e Indonésia. Nas ilhas de Sumatra e Bornéu, seus gritos ecoam pelas florestas. Eles tendem a se alimentar de frutas e castanhas e com frequência são chamados de "fazendeiros da floresta", porque, por meio de seus excrementos, espalham sementes por grandes territórios.

Suas asas podem chegar a dois metros de envergadura. De aparência chamativa, eles têm penas brancas e pretas e uma grande área de pele descoberta em torno da garganta. No entanto, têm fama de reclusos e cautelosos. Há muito mais chances de você ouvi-los do que de vê-los.

E esses pássaros têm boas razões para ser tímidos. São mortos aos milhares, anualmente, por caçadores que vendem seus elmos para a China. Entre 2012 e 2014, somente na província de West Kalimantan, na Indonésia, 1.111 elmos foram confiscados de contrabandistas.

Artesanato

A pesquisadora Yokyok Hadiprakarsa, que estuda o calau-de-capacete, calcula que cerca de 6 mil desses pássaros sejam mortos a cada ano no leste da Ásia. O elmo - que caçadores tentam a todo custo obter, correndo risco de ser presos - às vezes é chamado de "marfim". É um material de cor amarelo-dourada, macio e sedoso ao toque, perfeito para ser entalhado.

Durante centenas de anos, o elmo do calau-de-capacete foi usado por artesãos chineses na fabricação de objetos para os ricos e poderosos. No Japão, o material foi usado por artesãos para esculpir netsuke, intrincadas figuras usadas para decorar cintos de quimonos masculinos.

Muitos desses objetos acabaram indo parar em outras partes do mundo. Por exemplo, na Grã-Bretanha, durante a era vitoriana (século 19), tornou-se moda colecionar netsuke. "Há registros que mostram que o marfim de calau-de-capacete era presenteado aos shogun (generais japoneses do século 12)", disse Noriku Tsuchiya, curadora da seção japonesa do Museu Britânico, em Londres.

"Infelizmente, por volta do início do século 20, o pássaro tornou-se muito raro por causa da caça, e, hoje, o comércio legal se restringe a um número limitado de antiguidades já certificadas", acrescentou.

Ameaças

Mas, apesar de ilegal, o comércio continua sendo feito às escondidas. Cada quilo de marfim de calau vale cerca de US$ 6 mil, três vezes mais do que marfim de elefante. E, diferentemente do que ocorre com elefantes e rinocerontes mortos para extração de presas e chifres, a matança do calau-de capacete não é denunciada pela imprensa. "Se ninguém prestar a atenção, esse pássaro vai acabar extinto", alerta Hadiprakarsa.

O pássaro tem grande importância cultural nos países que habita. Ele é o mascote de West Kalimantan, e o povo de Bornéu acredita que o pássaro transporta as almas dos mortos para a vida além da morte, age como mensageiro sagrado dos deuses e é tido como um modelo de fidelidade e constância no casamento. Matar um calau é tabu.

Esse pássaro de ciclo reprodutivo demorado não sofre ameaças apenas dos caçadores: seu habitat também está sob pressão. Segundo cálculos de pesquisadores, a cada ano, Bornéu e Sumatra perdem 3% de suas matas. Ou seja, o pássaro enfrenta dois perigos. Perder sua cabeça - ou perder sua casa.

O resultado disso é que hoje especialistas classificam o calau-de-capacete na categoria espécie quase ameaçada, e recomendam que o pássaro seja "monitorado cuidadosamente caso haja mais aumentos nos índices de declínio", segundo relatório da ONG francesa International Union for Conservation of Nature (IUCN).