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Leonardo Sakamoto

STF descumpre a própria decisão e prejudica presas que são mães e grávidas

Mulher presa grávida - Getty Images/iStockphoto
Mulher presa grávida Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

12/03/2020 20h36

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Dois anos após uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinando que grávidas, mães de crianças de até 12 anos e mulheres que cuidam de pessoas com deficiência possam converter sua prisão preventiva em domiciliar até o julgamento, há detentas que não conseguem acessar esse benefício. E parte da culpa é do próprio STF.

O Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), responsável por conseguir o habeas corpus em 2018, protocolou, nesta quinta (12), uma petição nos autos do HC 143.641, com a análise de 468 decisões monocráticas proferidas por ministros entre fevereiro de 2018 e agosto de 2019 em ações referentes a mulheres presas gestantes ou mães de crianças pequenas.

Em apenas 73 decisões, 15,5% dos casos, mulheres foram liberadas para prisão domiciliar, sendo que 30 foram emitidas pelo próprio relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski. Outras 158 decisões negaram seguimento às ações, em decorrência de requisitos formais e 84 decisões indeferiram, liminar ou definitivamente, a aplicação do HC. Dessas, apenas 12 indicaram como motivação a existência de crimes com violência ou grave ameaça, exceção para obter o benefício.

De 170 decisões que analisaram o caso em si e negaram o habeas corpus, apenas 38 fundamentam-se na existência de violência e grave ameaça. Em 17 decisões, aliás, a justificativa de "tráfico na residência" foi utilizado para a negativa, mesmo que isso não seja considerado um critério válido, de acordo com o próprio Supremo. Mais de 5,5 mil mulheres e outras milhares de crianças se beneficiaram da medida até agora.

"É inadmissível que os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal deixem de reconhecer a ordem de habeas corpus dada pelo tribunal. Com isso, eles se somam às demais autoridades coatoras que mantém mulheres presas antes da condenação e longe de seus filhos e filhas", afirma Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP, coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta e uma das autoras do habeas corpus.

Em maio de 2019, as mesmas advogadas entraram com um pedido ao ministro relator, Ricardo Lewandowski, para a adoção de medidas para fortalecer a ordem do habeas corpus coletivo - uma vez que estimava-se em mais de 9 mil o número de mulheres que podiam ser beneficiadas e estavam atrás das grades. A razão é que os juízes nos Estados resistiam a cumprir a ordem do Supremo.

Após a decisão de fevereiro de 2018, o Congresso Nacional trouxe o conteúdo para o Código de Processo Penal (lei nº 13.769, de dezembro 2018), com a vedação da prisão preventiva de mulheres mães ou gestantes. E para a Lei de Execuções Penais, os parlamentares inovaram ao reduzir o tempo necessário para essas mulheres conseguirem a progressão de regime.

Tráfico de drogas

O problema é que alguns tribunais afirmam que o crime de tráfico de drogas, causa da prisão de maioria das mulheres, consistia na tal "situação excepcionalíssima" que impede a aplicação do HC. "Os juízes, que criaram o problema para começar, não têm se responsabilizado pela situação da violação de direitos", explica Natalie Fragoso, advogada do CADHu.

No pedido de habeas corpus feito ao STF, estava citado o caso de Adriana Ancelmo, ex-esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, para fortalecer a demanda. Acusada de corrupção e lavagem de dinheiro na época, ela havia sido solta após a defesa argumentar que um de seus filhos tinha 11 anos de idade.

Mulheres ricas acusadas de crimes dificilmente permanecem presas provisoriamente. Já as mães pobres são encarceradas e seus filhos duplamente prejudicados - pela falta da mãe e pela ausência de acolhimento fora do cárcere devido à ausência de políticas públicas. A decisão do Supremo ajudou às mulheres pobres, com mais dificuldade de acesso à Justiça, a levar a demanda da liberdade provisória ou prisão domiciliar à Suprema Corte.

A prisão provisória é usada de forma indiscriminada no Brasil, transformando algo que deveria ser exceção em uma regra. Órgãos internacionais de proteção de direitos humanos já recomendaram ao país - e inclusive ao Judiciário brasileiro - que aplique esse tipo de prisão apenas de forma excepcional.