TJBA aposenta juiz que fez edital só para LGBT e chamou corregedor de 'gay'
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O juiz baiano Mário Soares Caymmi Gomes recorre ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para tentar anular o processo do TJ da Bahia que o aposentou compulsoriamente. A decisão dos desembargadores foi tomada em sessão no último dia 29 de janeiro, que julgou o PAD (processo administrativo disciplinar) aberto em 2023.
A investigação mirava supostas "violações ao dever de urbanidade" e de "conduta irrepreensível na vida privada". Mas por trás dessa decisão, Mário e entidades acreditam que houve LGBTfobia com o magistrado, que meses antes teve embate com a cúpula do TJ da Bahia por conta de um edital para contratação de estagiários LGBTQIAPN+.
O julgamento que o condenou com pena máxima para um juiz, por sinal, ocorreu no Dia da Visibilidade Trans. Entidades ligadas à causa repudiaram a decisão e elogiaram a carreira de Mário na defesa do público.
O caso teve liminar negada pelo conselheiro Caputo Bastos, relator do caso, no CNJ, que alegou que "a interferência em processos disciplinares no âmbito dos tribunais somente se justifica em situações excepcionais, o que não é, a toda evidência, a hipótese dos autos."
Agora, Mário tenta um último recurso, que é o julgamento do plenário do CNJ sobre seu caso.
O que aconteceu
Mário entrou na magistratura em 1996, aos 24 anos, e era conhecido como um ativista LGBTQIAPN+. Não à toa, presidia a comissão que tratava do tema no TJ da Bahia. Ele também era titular da 27ª Vara de Substituições de Salvador.
Mas o enfrentamento com o TJ da Bahia tem como ponto de partida janeiro de 2023, quando Mário lançou um edital para destinar suas três vagas de estágio para pessoas LGBTQIAPN+.
"É um direito meu dizer quem eu quero para esse estágio. Todos os juízes têm direito, e eram três vagas para a política afirmativa, de um total de 1.700 do tribunal", alegou à época.
Mário sofreu críticas por isso, e o edital acabou anulado por decisão do então corregedor Geral de Justiça, José Edivaldo Rocha Rotondano. Ele alegou, entre outros pontos, que o texto era preconceituoso contra a população heterossexual e poderia fracassar na contratação, caso não tivesse interessados.
Mario não gostou e recorreu da decisão. No período em que esperava o recurso do CNJ, veio o fato considerado determinante para sua punição: uma fala durante debate sobre empregabilidade para população LGBTQIAPN+ na rádio da Assembleia Legislativa da Bahia, em 5 de maio de 2023.
Na ocasião, ele citou as dificuldades desse público para conseguir acesso a empregos e fez críticas à decisão do corregedor do TJ da Bahia. Em certo momento, citou que algo em especial chamou a atenção na decisão do tribunal: "o que me causou maior incômodo é que essa determinação tenha vindo de um corregedor que é gay, ainda que ele não se assuma."
Já que estamos tratando desse tema relevante, e isso não é fofoca, eu acho que isso tem a ver com o caso: sei que ele é gay porque ele teve um caso com o meu marido, antes dele [meu marido] me conhecer.
Mário Gomes
Pouco mais de um mês depois da fala, no dia 23 de junho de 2023, Mário foi avisado que o pedido fora negado pelo CNJ. Quatro dias depois, ele recebeu uma representação disciplinar do presidente do TJ da Bahia, Nilson Castelo Branco, que iria responder ao PAD que culminaria com sua aposentadoria compulsória.
"Em tese, foi a transcrição de uma edição não autorizada e anônima da entrevista, com frases minhas tiradas de contexto —não se sabe por quem- o argumento para abrir o PAD", diz Mário.
Em setembro, em análise inicial, o processo foi admitido, e Mário acabou afastado preventivamente das funções —que perdurou até o julgamento definitivo no dia 29 de janeiro.
Curiosamente, em setembro daquele ano, o TJ da Bahia publicou decreto criando cota de 5% das vagas de estágio para pessoas trans no órgão.
"Ou seja: eu que não podia fazer a ação porque o presidente é quem queria ser louvado por isso. Eles querem tirar o meu protagonismo. É importante frisar que depois de um ano nenhuma pessoa trans foi contratada. Ou seja, fizeram um ato para alegarem diversidade, mas que não fazem questão alguma de cumprir", alega Mário.

Alegações
O UOL teve acesso a parte dos documentos do processo. Na votação, alguns desembargadores deixaram claro que a fala de Mario na entrevista deveria ser alvo de punição severa, mas houve também citação de um outro motivo: um suposto "excesso de linguagem em decisões judiciais proferidas em 2022."
Esse argumento chama a atenção porque, segundo Mário, as pessoas supostamente ofendidas com essa linguagem nunca procuraram a Corregedoria.
"Isso revela que eu tive a vida revirada a fim de encontrarem qualquer possibilidade de responsabilização na esfera administrativa perante o tribunal", diz.
Na sessão inicial de julgamento, ainda em dezembro de 2024, a relatora votou pela condenação, porém com uma pena apenas de censura ao juiz, mas acabou sendo contestada por colegas, que defendiam a pena máxima. Citaram que o magistrado teria "praticado outros ilícitos administrativos."
Segundo um dos desembargadores, o juiz "não demonstra o menor apreço, o menor respeito pelo seu tribunal." "Essa postura é inadmissível, inaceitável, porque não está em jogo aqui uma ofensa irrogada apenas contra outro magistrado, mas contra a instituição."
Mário confirma que chegou a responder processos no TJ da Bahia, mas nenhum deles prosperou. "Ninguém indica um único fato pra me condenar", diz.
Fizeram considerações sobre o que eles pensam que eu sou, que eu já respondi a outros PAD e mentem dizendo que já fui condenado. Não é indicada uma certidão que prove nada disso. O fato de eu ter sido absolvido ou ter sido declarada a prescrição não podem ser fundamentos para arbitrar a pena mais alta que existe para a carreira de juiz.
Mário Gomes
Sobre as falas à rádio, Mário diz que elas não poderiam justificar uma pena funcional.
Não podemos misturar a pessoa com o cargo. Se eu expus uma pessoa a algum constrangimento, essa pessoa física deve tomar as providências para responsabilizar --e esse senhor entrou com ação penal por difamação contra mim. Uma coisa é a pessoa física, outra é o tribunal pegar isso para si e fazer um justiçamento em resposta a uma suposta revelação indesejada.
Mário Gomes
O UOL procurou o TJ da Bahia, que informou que "não se manifesta em questões relacionadas a processos judiciais que tramitam em instâncias superiores ou órgão fiscalizador."
Sobre a não contratação de estagiários trans, diz que "essa informação não procede, tanto que no ano de 2024 tivemos dois estagiários trans lotados na Secretaria Geral da Presidência e na assessoria de comunicação do TJ da Bahia, bem como servidores concursados no quadro."
82 comentários
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Raimundo Nascimento
A PUNIÇÃO É A APOSENTADORIA...99% DA POPULAÇÃO SONHA COM ESSA PUNIÇÃO
Isaias Pontes de Melo
No processo administrativo disciplinar - PAD contra os funcionários públicos mortais comuns, aquele que é considerado praticante de falta disciplinar grave, só ponto de ser afastado das funções, é condenado à pena de demissão do serviço público. Já os membros do poder judiciário e do ministério público, nesses casos, são "CONDENADOS" à aposentadoria vitalícia, com seus polpudos vencimentos.
João Santana Moura
As pessoas que vivem se preocupando com o que A ou B faz com sua genitália tem muito a esconder. Menos afetação e mais humanismo. Relaxem e ouçam IMAGINE