Gestão Doria pede a chef menu para pobres e disponibiliza receita no ebook
O governo do estado de São Paulo está preocupado com o menu que as famílias em situação de extrema pobreza vão preparar com 1,3 milhão de caixas distribuídas no programa "Alimento Solidário".
Para que as pessoas que eventualmente passam fome não corram o risco de enjoar comendo sempre a mesma coisa, a secretária do Desenvolvimento Social, Celia Parnes, pediu à chef Morena Leite, do estrelado restaurante Capim Santo, instalado no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, que criasse pratos com itens da caixa — arroz, feijão, milho, ervilha, composto lácteo, linguiça, farinhas de mandioca e milho, molho de tomate, leite, açúcar e sal. Morena topou graciosamente.
Igual no restaurante
De acordo com estimativa da Prefeitura, uma caixa de alimentos do programa é suficiente para abastecer por um mês uma família de quatro pessoas. São 18 itens que, juntos, somam R$ 110.
"Tudo o que eu vou fazer aqui, eu sirvo no Capim", garante Morena, que na quinta-feira se reuniu com a secretária para dar uma "provinha" do que estará no menu. As famílias em estado de extrema pobreza poderão consultar as receitas no e-book, ou no instagram do programa.
Trata-se de uma oferta imperdível. Uma salada no Capim Santo pode custar R$ 42, e um almoço completo, R$ 141. A chef atribui a diferença de preços, comparando com os da caixa, aos encargos que ela paga no restaurante. "Tem salário de funcionário, aluguel do espaço, custo da mercadoria, toda a estrutura."
DNA tropical, técnica francesa
Morena Leite cresceu em Trancoso (BA), para onde seus pais foram em busca de "um estilo de vida mais natural". Aos 16 anos, trocou o litoral sul da Bahia por Paris, a fim de estudar na centenária escola de culinária Cordon Bleu. Apesar da formação clássica, ela explica que desenvolveu um estilo muito pessoal: "Meu trabalho tem muito do emocional. Gosto de brincar com os sentidos, explorar sabores e revisitar pratos tradicionais."
O site do restaurante informa que "o DNA de cozinha brasileira tropical da chef Morena Leite se baseia no tripé culinária saudável com técnica francesa e ingredientes brasileiros".
Jantar para princesa espanhola
Em uma demonstração de sua frugalidade, a chef conta que serviu ravióli de tapioca com queijo e molho de ervas fondant, em um jantar para a princesa Elena de Espanha, filha do rei Juan Carlos. De sobremesa, tarte tatin de banana com castanha, e um shot de cachaça Boa Vida.
A dada altura da explanação do programa, é possível imaginar a família em situação de extrema pobreza morando no Castelo de Coca, na Segóvia.
O governador João Doria Jr. é cliente de Morena desde 2005.
Panela Le Creuset
"O auge da sofisticação é a simplicidade", continua Morena, enquanto mexe uma farofa em uma panela francesa de ferro feita a mão Le Creuset . "Eu sou farofeira. Adoro todas, de milho, de mandioca, de tapioca, de pipoca..."
Celia Parnes: "Lá em casa tem farofa todo dia."
Parnes diz que adora cozinhar, mas infelizmente não consegue ir para o fogão todos os dias porque não tem tempo. A dona de casa da família em extrema pobreza tem.
Não precisa saber ler
O melhor, segundo Morena, é que ninguém precisa ser alfabetizado para se sair bem na cozinha. Ela cita o chef paraibano Genivaldo: "Ele não sabe um 'a' de português, e faz pratos incríveis. Já cozinhou para eventos grandes em Paris, Indonésia e Dubai. Mais que cultura, é preciso sabedoria", acredita.
Para Morena, "a vida é dura para quem é mole". "Não acredito que exista desemprego em São Paulo", afirma ela, seguindo um pouco a escola de Bia Doria.
Os ingredientes usados nos pratos foram previamente picados e colocados em vasilhas pelos auxiliares da chef — um recurso de que a dona de casa extremamente pobre talvez não disponha.
Pasta al dente
Os pratos estão quase prontos: espaguete (al dente) com ervilha, linguiça e molho branco; espaguete com molho de tomate e sardinha; e arroz, farofa de feijão com linguiça e creme de milho. "A gente é contra a 'chiqueza'. Não tem de ser caro, tem de ser saboroso", ensina Morena.
A sobremesa é uma deliciosa torta feita com biscoito de maizena amassado e umedecido, coberta com casca de maracujá cozida. "Nossa, vocês sabiam que dava para aproveitar a casca do maracujá?", pergunta a secretária Celia Parnes aos que estão por perto.
Beiju com bacalhau
Não tem maracujá na cesta, porque fruta é perecível, explica Celia. Morena então diz que "dá para plantar tudo, maracujá, couve, que tem ferro, beterraba", e aponta o gramado de 6 mil metros quadrados nos fundos do museu. "Quer ver uma coisa deliciosa? Beiju de tapioca hidratado com suco de beterraba. Ideal para acompanhar um bacalhau."
"Hmmmm", diz Celia Parnes, momentaneamente esquecida de que na caixa não tem bacalhau. As duas levantam um brinde de kombucha de capim santo.
"Obrigado pelo que você tem feito não só pelo governo, mas pela humanidade", agradece a secretária, provando o espaguete com ervilha, linguiça e molho branco, servido na louça Vista Alegre. "O segredo do prato gostoso é o amor com que a gente faz", diz Morena.
"Saúde!", diz uma.
"Tim-tim!", sorri a outra.
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