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Reinaldo Azevedo

A PF e Wajngarten: problema é a Lei 12.813, que a extrema-direita aplaudia

Fábio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo Bolsonaro: inquérito da PF apura se há crime na sua relação com o serviço público - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fábio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo Bolsonaro: inquérito da PF apura se há crime na sua relação com o serviço público Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Colunista do UOL

04/02/2020 17h16

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A Polícia Federal atendeu a pedido do Ministério Público Federal e abriu inquérito para investigar se Fábio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, cometeu corrupção passiva, peculato e advocacia administrativa no exercício do cargo. A secretaria é a responsável pela distribuição de verba de propaganda do governo federal. Wajngarten é sócio de duas empresas que têm entre seus clientes alguns dos destinatários dessa verba.

Vamos ver. Wajngarten cumpriu a exigência da Lei 8.112/90, que exige que o nomeado, em casos assim, afaste-se da administração da empresa privada. E ele formalmente se afastou, colocando em seu lugar o amigo Fábio Liberman. Há aí uma imprudência: tal gestor é irmão de Samy Liberman, seu secretário adjunto.

Há uma outra dificuldade: se o secretário cumpriu a exigência da Lei 8.112, que é de 1990, certamente ficou a descoberto em relação à Lei 12.813, que é aquela que trata do conflito de interesses. O Inciso III do Artigo 5º da lei diz estar em conflito de interesse aquele ou aquela que "exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas".

Notem que, nesse caso, estar ou não no comando da empresa é irrelevante.

Na semana passada, Wajngarten disse que via com certo alívio o pedido do MPF para que a PF abrisse um inquérito porque ele poderia provar a lisura de sua atuação. A ver. Há uma apuração em curso no Tribunal de Contas da União. E a Comissão de Ética da Presidência da República também se ocupa do caso. Segundo reportagem da Folha desta terça, ao assumir a função, o secretário omitiu da comissão informações sobre sua atividade empresarial.

Há uma semana, em nota, afirmou o secretário:
"Não há qualquer relação entre a liberação de verbas publicitárias do governo e os contratos da minha empresa --da qual me afastei conforme a legislação determina--, anteriores à minha nomeação para o cargo, como pode ser atestado em cartório", sustentou. Qualquer interpretação afora essa realidade factual é notória perseguição de um veículo de comunicação, que não aceita a nova diretriz da Secom".

Seu caso será debatido pela comissão no dia 19.

O PROBLEMA É A LEI
Existe a máxima no serviço público de que, à mulher de César, não basta ser honesta. É preciso também que pareça honesta. Wajngarten gosta de desafiar em excesso o senso comum -- num governo em que este foi alçado à condição de categoria de pensamento -- ao deixar suas empresas privadas a cargo do irmão do seu secretário executivo. Os dois podem ser, em suas respectivas funções, de uma lisura irrepreensível. Mas se pergunta: convém?

De fato, o secretário cumpriu a exigência da Lei 8.112/90 e está formalmente afastado das suas atividades privadas. Ocorre que, em 2013, veio a Lei 12.813, no prenúncio do surto moralizante no qual navegou a extrema-direita, que resulto na Lei das Delações, a 12.850, e na Lei da Leniência, a 12.846, ambas de agosto daquele ano.

E a Lei 12.813 veio justamente porque se considerava que pessoas do setor privado acabavam assumindo cargo público, maquiando seus interesses privados. Assim, aprovou-se um texto que é amplo o bastante para tonar irrelevante o desligamento do nomeado do cargo de direção. Para que sua atividade seja considerada incompatível, basta que exerça, "direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas".

Como sócio de empresas que lidam com destinatárias de verbas de publicidade oficial, parece evidente que Wajngarten esbarra na lei, ainda que não se venha a provar nenhuma ação irregular. Assim exigiu o surto moralizante daqueles tempos, no qual navegaram a direita e a extrema-direita, muito especialmente o bolsonarismo.

Pode haver exagero nisso tudo? Pode. O grupo Bandeirantes, por exemplo, que é cliente da empresa de Wajngartem desde 2004 — quando o PT estava no poder — recebeu menos publicidade oficial em 2019 do que em 2018. É um fato. Mas isso não muda a disposição legal.

Se Comissão de Ética e TCU acabarem aprovando a permanência de Wajngarten no cargo, ainda que a PF nada encontre na esfera propriamente criminal, ficará difícil caracterizar, doravante, o que é conflito de interesse.