Moro contra Lula: ministro rasga lei, recua e tenta vender abuso como erro
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Eu jamais compraria de Sergio Moro um carro usado.
Não compraria a gramática usada por Moro.
Não compraria a concepção de direito que ele usa nem para abrigar lixo não-reciclável.
Para que serve um ministro da Justiça que se cala diante do risco de rebeliões das PMs; defende uma forma oblíqua de censura em conversa com o dublê de "youtuber", difamador e deputado federal Eduardo Bolsonaro e, ciente de que a PF apela´, de modo impróprio, à Lei de Segurança Nacional contra um adversário político do presidente, deixa a coisa correr? Quando se revela a estupidez, alega, então, um erro, um engano, um deslize qualquer...
Moro quer a Presidência da República. Há quem diga que acabará no Supremo. Sua verdadeira vocação já está mais do que revelada: fazer discurso cafona em casamento cafona de gente cafona ao som de um piano cafona.
Eis o Moro lírico. Mas também há o épico, que pretende fazer história. Esse é o que corrói as instituições, o Estado de Direito e a democracia.
Aos fatos.
FALA DE LULA E PEDIDO DE MORO
Há um vídeo do dia 9 novembro do ano passado em que o ex-presidente Lula faz seguinte afirmação:
"Nós vamos ter que levantar a cabeça e lutar porque não é possível que um país do tamanho do Brasil tenha o desprazer de ter no governo um miliciano responsável direto pela violência contra o povo pobre, responsável pela morte da Marielle, responsável pelo impeachment da Dilma, responsável por mentirem a meu respeito".
Muito bem. Em despacho encaminhado à Polícia Federal, o 8938/2019, o ministro Sérgio Moro determina:
"Diante da gravidade dos fatos narrados, requisito, com base no art. 145, parágrafo único, do Código Penal, à Polícia Federal a abertura de inquérito policial e adoção de providências imediatas com vistas à apuração do caso."
Para esclarecer: o Parágrafo Único do Artigo 145 do Código Penal prevê que o ministro da Justiça pode apresentar a queixa quando o alvo do crime contra a honra é o presidente. É o que faz Moro. Até aqui, tudo nos conformes legais. Note-se, adicionalmente, que o ministro apela a um artigo do Código Penal que está no capítulo dos crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação.
No seu despacho, ele determina que a PF o mantenha informado sobre os procedimentos de investigação. E informado ele foi, claro!
O QUE FEZ A PF?
No dia 26 de novembro do ano passado, a Polícia Federal informa a Moro que o inquérito havia sido aberto. E lá está escrito com todas as letras que, atendendo a solicitação do ministro, a PF resolve:
"instaurar inquérito policial para apurar possível ocorrência do delito de calúnia/difamação, previsto no Artigo 26 da Lei 7.170/83, sem prejuízo de outras infrações penais eventualmente praticadas (...)"
Com efeito, Moro não pediu que se apelasse à Lei de Segurança Nacional, mas foi o que fez a Polícia Federal, sob seu silêncio cúmplice. No dia 19 deste mês, Lula prestou depoimento a respeito no âmbito de um inquérito aberto com base, sim, na referida lei. Afinal, ela também pune, no Artigo 26, conforme cita a PF, os crimes de calúnia e difamação. Reproduzo:
"Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação:
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga."
Antes que eu prossiga, cumpre notar: quando a imprensa informou que o inquérito havia sido aberto com base na Lei de Segurança Nacional, não havia erro nenhum. Era o que estava documentado e firmado. Ademais, o Ministério da Justiça confirmou a informação. E o que disse Moro quando o despropósito se tornou público? Esta maravilha:
"A informação sobre a Lei de Segurança Nacional foi repassada de forma equivocada aos jornalistas, devido a um erro interno do Ministério da Justiça, pelo qual pedimos desculpas".
ERRO? QUAL A DIFERENÇA?
O tal "erro" era do pleno conhecimento do ministro desde 26 de novembro de 2019. Acrescente-se ainda que, nesse caso, o alvo do pedido de desculpas é que está errado: não é a imprensa, mas Lula.
Há diferença entre a queixa estar ancorada da Lei de Segurança Nacional ou no Código Penal? Há, sim. No CP, a condenação por calúnia tem pena de seis meses a dois anos; por difamação, de três meses a um ano. Se o alvo for o presidente da República, pode haver a majoração em um terço. No caso da punição se dar com base na Lei de Segurança Nacional, a sanção prevista é maior: de um a quatro anos de prisão.
É preciso destacar ainda a aberração que consiste em abrir, nesse caso, um inquérito com base da Lei de Segurança Nacional. Em seu Artigo 2º, o texto estabelece que, estando o fato previsto como crime também no Código Penal (como é o caso), é preciso avaliar "a motivação e os objetivos do agente" para definir a que lei apelar.
E quando cabe aplicar a Lei de Segurança Nacional? Ora, o Artigo Primeiro da Lei o define. Leia:
Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I - a integridade territorial e a soberania nacional;
Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;
Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Sem entrar no mérito do que afirmou Lula sobre Bolsonaro, pergunta-se: estão dados os pressupostos para se abrir um inquérito contra Lula com base na Lei de Segurança Nacional? Ainda que a Justiça venha a considerar que houve calúnia e difamação, cumpre questionar se o petista ameaçou ou expôs a perigo:
a - a integridade territorial e a soberania nacional;
b - a democracia, a federação e o estado de direito;
c - o chefe do Poder Executivo.
E não que eu esteja entre aqueles que acham que tal lei nunca deve ser invocada. Defendi que fosse aplicada contra vândalos em 2013 (e olhem que o governo era petista) e defenderei em outro post, daqui a pouco, que um inquérito se abra com base na dita-cuja, vocês verão por quê.
Quando se apela à Lei de Segurança Nacional para investigar possível crime contra a honra do atual presidente, supostamente praticado por um ex-presidente, seu adversário político, o que se tem, obviamente, é uma ação de intimidação.
Sim, Moro tinha plena consciência do que estava em curso e nada fez.
Agora a própria PF informa que o inquérito enviado à Justiça não faz referência nenhuma à Lei de Segurança Nacional. É mesmo? Nem a PF de Moro conseguiu enxergar onde estava, afinal, a ameaça à segurança nacional.
Quer comprar de Moro um carro usado? E seu livro de gramática? E aquele em que ele aprendeu direito?
EM OUTRO POST, COBRAREI QUE O MINISTRO ENVIE DESPACHO À PF PARA ABRIR, SIM, UM INQUÉRITO COM BASE NA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL. E AÍ SERÁ CABÍVEL. MAS ELE NÃO O FARÁ PORQUE ESTÁ OCUPADO DEMAIS FAZENDO BAIXA POLÍTICA E DESTROÇANDO O ESTADO DE DIREITO.