Campanha da Secom é criminosa: fere o Código Penal e a Lei de Improbidade
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A capa da The Economist da semana passada era eloquente: mostrava a Terra com uma placa pendurada: "Closed" — fechada. O mundo decidiu amansar o caos provocado pelo coronavírus impondo medidas de isolamento social. Insista-se sempre: não é para pôr fim ao vírus. Trata-se apenas de promover o tal achatamento da curva de contaminação para dar tempo aos Estados nacionais de atender à demanda por saúde.
É claro que isso tem desdobramentos econômicos. Por isso mesmo, governos elaboraram pacotes ousados de socorro à economia. Sim, o Estado entrou para valer. Vai, literalmente, imprimir dinheiro e botar nas mãos das empresas, dos trabalhadores e dos pobres. Jair Bolsonaro — com Paulo Guedes — julgam ter uma receita alternativa. A ajuda que o governo oferece até agora é pífia. Como destaca a imprensa internacional, temos um negacionista no poder. E também um provocador.
A Secom — comandada por Fábio Wajngarten, um dos 23 contaminados pelo coronavírus que o avião de Bolsonaro despejou no Brasil no dia 11, vindo de Miami — preparou uma peça publicitária contra a quarentena. Bolsonaro, assim, dobra a sua aposta no confronto com os governadores, com o Congresso, com a ciência, com o mundo.
O vídeo cita várias categorias de trabalhadores, pontuando, a cada pouco, a frase "O Brasil não pode parar". Na quarta-feira, a página da Secom já havia divulgado a hashtag da campanha.
No momento que poderia ser chamado de mais aloprado, ouve-se: "Para os brasileiros contaminados pelo coronavírus, para todos que dependem de atendimento e da chegada de remédios e equipamentos, o Brasil não pode parar".
O texto chega a ser criminoso porque estudo publicado pela revista Science já demonstrou que 86% das infecções não são diagnosticadas e que 79% das transmissões acontecem a partir de pessoas assintomáticas". Logo, suspender a quarentena seria justamente promover a contaminação em massa no "Brasil que não pode parar".
O texto é também desonesto porque as quarentenas em curso nos Estados não impedem o transporte e fornecimento de remédios.
Embora o ministro Luiz Henrique Mandetta tenha decidido rasgar seu diploma de médico ao condescender com o discurso de Bolsonaro, a orientação oficial do Ministério da Saúde continua favorável à restrição de circulação. O vídeo contraria a orientação da Organização Mundial da Saúde e as decisões tomadas pelos chefes de Estado de praticamente todo o mundo.
A peça foi elaborada pela Secom com dinheiro público. Foi posta para circular nos grupos bolsonaristas. A bola está com o Ministério Público. E, parece-me, os parlamentares responsáveis devem acionar a Justiça. A propaganda agride a Lei de Improbidade Administrativa e o Artigo 268 do Código Penal, a saber:
"Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro."
O Ministério Público Federal vai ser cúmplice de uma propaganda potencialmente homicida?
Mandetta não pode mais se esconder: terá de dizer, na próxima oportunidade em que conceder uma entrevista, se os brasileiros devem ou não levar uma vida normal, circulando livremente e se acotovelando nos ônibus, trens, metrôs, cinemas e igrejas, como se o coronavírus não existisse.