Topo

Reinaldo Azevedo

Criminoso sistema particular de Bolsonaro pode espionar até Forças Armadas

Reprodução
Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

23/05/2020 07h36

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

No clima de arruaça da reunião tarja-preta, nem sempre dá para saber o que quer dizer o presidente Jair Bolsonaro. E duvido que os presentes entendam. Mas dá para perceber, sem margem para dúvida, quando ele confessa um crime. Vamos à transcrição de uma parte de seu destampatório, com todas os anacolutos, as palavras que muitas vezes involuem para grunhidos etc. E, bem, a confissão de um novo crime:
"Sentir o cheiro de povo, como eu falei, lá. É uma experiência pra todo político sentir! Ir lá ver como é que tá o negócio. Ou a gente tem que tá, como se fosse, né, ô? Um general na ... na retaguarda e deixar a tropa se ferrar na frente. Não! O general tá, tá na frente, o coronel tá na frente, o capitão tá na frente. Nossos heróis da Segunda Guerra mundial tiveram na frente de campo de batalha. Se precisar que, tenho certeza, nossas forças armadas vão cumprir com seu papel, mas, né? Nós temos que dar exemplo e mostrar que o Brasil não é, eu sou mais educado que o Weintraub, até me poli muito, né? No linguajar que ele usou - mas não é isso que o pessoal pinta por aí. Se reunindo de madrugada, pra lá, pra cá. Sistemas de informações: o meu funciona. O meu particular funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma.

COMENTO
Assim como admitiu nas fuças dos generais que está armando a população para uma eventual guerra civil, que é esse o propósito, ele está confessando que dispõe de um sistema particular de informações.

Que sistema é esse? Quem o integra? Quem paga? É particular? Isso quer dizer que o financiamento é privado? Existe uma milícia instaurada dentro do governo? Dispõe de aparelhos? Faz escuta?

Sim, trata-se de crime de responsabilidade e atenta contra a segurança nacional. A menos que esteja mentindo. Mas ele mentiria por quê?

O que faz esse "sistema particular de informações". Ele dá uma dica quando explica o que entende por serviços de Inteligência:
Eu tenho as ... as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. ABIN tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente num pode viver sem informação. Sem info ... co ... quem é que nunca ficou atrás do ... da ... da ... da ... da ... da ... da ... da porta ouvindo o que seu filho ou sua filha tá ... tá comentando. Tem que ver pra depois que e ... depois que ela engravida, não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes ... depois que o moleque encheu os cornos de ... de droga, já não adianta mais falar com ele, já era. E informação é assim.

RETOMO
A concepção que Bolsonaro tem de Inteligência parece remeter àqueles serviço de espionagem do filme "A Vida dos Outros", de Florian Henckel von Donnersmarck, que retrata como operava a polícia secreta na Alemanha Oriental, com um meticuloso acompanhamento da vida privada de pessoas consideradas potenciais inimigas do regime: da escuta telefônica à leitura de cartas.

Os tempos mudaram. A revolução tecnológica permite outro tipo de invasão de privacidade. O que faz o "serviço particular" de Bolsonaro? Espiona deputados? Senadores? Ministros do Supremo? Ministros do STJ?

JOICE A CPMI NAS FAKENEWS
A deputada Joice Hasselmann, dissidente do bolsonarismo, já foi, pois, um deles. De tamanho destaque que foi escolhida para ser a líder do governo no Congresso. Deve saber como as coisas funcionam -- ou, ao menos, ficou mais próxima dos ruídos dos porões do que qualquer outra pessoa

Entrou em rota de colisão com a filharada e caiu em desgraça junto ao "Jair", antes glorificado. Ela depôs na CPMI das Fakenews. Afirmou:
"Houve uma tentativa, no início, de que o Carlos [Bolsonaro] tentou montar uma 'Abin paralela' para que houvesse grampo de celular, dossiês feitos. E isso teria criado um atrito. E o nome foi esse, uma Abin paralela".

E ainda:
"Acho importante também ouvir o ex-ministro Bebianno, que acompanhou muito de perto o modus operandi que se desenrolava dentro desse núcleo de comunicação. Inclusive ele me deu uma informação, e eu estou dando essa informação porque ele falou claramente, com testemunha, e disse que confirmaria à CPI".

Bebianno morreu no dia 14 de março deste ano de infarto agudo do miocárdio. Era um dos melhores amigos do empresário Paulo Marinho, outro dissidente do Bolsonarismo. Em entrevista à Folha, ele afirmou que Flavio Bolsonaro lhe contou, no dia 13 de dezembro de 2018, que ficara sabendo ainda em outubro que uma operação da Polícia Federal (Furna da Onça) chegaria a Fabrício Queiroz. Um delegado da Polícia Federal teria cometido o crime do vazamento. Marinho já prestou depoimento ao Ministério Público Federal e à PF.

A exemplo das ações em favor de uma guerra civil, também a organização de um sistema paralelo de espionagem no seio do Estado agride a Lei 1.079, a do impeachment, e a Lei 7.170, da Segurança Nacional.

A propósito: Bolsonaro acha uma porcaria todos os sistemas de Inteligência: da Abin, a PF e das Forças Armadas. E exalta o seu, "particular". O que isso significa? Todos podem estar sendo espionados, inclusive os seus ministros e a cúpula das Forças Armadas.

SERÁ POR ISSO?
Será que isso explica por que, volta e meia, têm início verdadeiras campanhas de desestabilização de ministros? Não custa lembrar que até o vice-presidente, Hamilton Mourão, entrou cedo no radar do esquema paralelo de Bolsonaro. Parece que foi também esse sistema que derrubou Bebianno, o general Santos Cruz e, quem sabe?, Sergio Moro.

Inteligência, para Bolsonaro, é ouvir atrás da porta.

Sistema particular de Inteligência e uma mente paranoica, somados, geram instabilidade permanente.

O que fará Augusto Aras nesse caso e no da organização da guerra civil?